quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Fazer opinião em Macau

Nuno Lima Bastos
11 de Dezembro de 2008

No início do ano, quando o director deste jornal amavelmente me convidou para aqui escrever uma coluna semanal, eu sabia ao que vinha. Afinal, já escrevera inúmeros textos na imprensa de Macau ao longo da última década e colaborara várias vezes com a Rádio Macau, quer em programas regulares, quer em situações pontuais. Ora, quando uma pessoa se expõe desta forma perante um auditório razoavelmente alargado, a máxima “cada cabeça, sua sentença” encontra terreno fértil para florescer.
Se nem sempre é fácil ser-se franco nas relações pessoais, na comunicação social, então, esse “atrevimento” pode ser muito penalizante para o seu autor. Num meio pequeno como o nosso, ainda pior. Não é por acaso que os jornalistas locais se queixam tanto das resistências que encontram quando tentam recolher depoimentos sobre os mais diversos assuntos. A verdade é que as pessoas não querem, não gostam ou receiam falar.
Daí resulta haver um pequeno grupo de cidadãos que são os “bombeiros de serviço”: não só escrevem, frequentemente, crónicas nos jornais, como são chamados a opinar sobre tudo ou quase tudo. Independentemente da legítima gratificação pessoal que possam sentir por serem considerados vozes válidas nesta sociedade em que vivem, intervêm, antes de mais, por acreditarem que qualquer comunidade deve ser capaz de problematizar e debater as questões, só assim conseguindo evoluir saudavelmente. Procuram, então, dar o bom exemplo, em vez de se remeterem a uma cómoda e segura atitude passiva.
Depois, vem a reacção do costume, claro: «lá estão eles a se pôr em “bicos-de-pés”», «são sempre os mesmos», «querem é aparecer», «mas quem são eles para falar disto ou daquilo?» e por aí adiante. É o reino da maledicência, desporto em que, se os portugueses em geral têm grande fama, os de Macau são verdadeiros campeões. Façam disto um desporto olímpico e não faltarão candidatos às 150 000 notas que Guo Jing Jing e os seus pares receberam no Verão passado.
Isto recorda-me, por exemplo, um 10 de Junho em que fui convidado por um jornal para escrever um pequeno comentário alusivo à data. Escolhi falar de uma das coisas de que mais nos queixamos ano após ano: dos representantes do Governo português que aqui aterram de pára-quedas, pespegando-nos com discursos inenarráveis e fazendo promessas nunca cumpridas. E apelei a que houvesse outro empenho de Lisboa nas celebrações desse ano. Outras pessoas que receberam o mesmo convite optaram por falar do hastear da bandeira, do entoar do hino nacional ou das belas vistas da varanda da residência oficial do cônsul. Resultado: às palavras dos outros, ninguém se referiu; eu, pelo contrário, que disse o que tantos de nós pensam, tive direito a um editorial a me desancar!
Peguemos num exemplo bem mais sério: o caso Ao Man Long. Durante anos, ouvimos dois ou três deputados a se queixarem energicamente do que se passava com as obras públicas do território: orçamentos em derrapagem, ajustes directos questionáveis, auditorias que não se realizavam, etc. Chamaram-lhes tudo e mais alguma coisa. Se alguém como eu tivesse ousado pegar na caneta e escrever um artigo de opinião em apoio a essas vozes isoladas, teria sido crucificado, imagino. No entanto, em surdina, o ex-governante era já comummente alcunhado de “o pataquinhas”, tão generalizada que era a sua imagem de corrupto. Quando foi condenado, muitos dos que sempre haviam censurado a postura incisiva desses parlamentares apressaram-se a afirmar, em tom de grande sapiência, que a justiça funcionara e estava, assim, provado que o sistema funcionava mesmo! Tudo muito simples.
Falando, ainda, em governantes, dizia-me um amigo, um dia destes, que os Secretários do Governo que mais críticas recebem na Assembleia Legislativa são sempre os da Segurança e da Administração e Justiça, porque são os únicos que não têm subsídios para distribuir. E é capaz de ter razão, a avaliar pelas intervenções de alguns deputados, que mudam de tom de voz do dia para a noite consoante o Secretário que lhes aparece à frente no hemiciclo durante os debates das Linhas de Acção Governativa. Esta é outra das máximas de Macau: nunca criticar abertamente quem nos pode dar subsídios, por muitas asneiras que faça ou muito incompetente que seja. De preferência, critiquem-se os que os criticam...
Em suma, e perante este cenário que dificilmente melhorará num espaço de tempo previsível, restam-me duas opções: ou deixar de fazer opinião ou passar a escrever sobre gastronomia, paisagens, música, filmes, videojogos, o Burkina Faso ou outros temas do género (isto é, muito válidos, mas inócuos). De outra forma, arrisco-me a ser, cada vez mais, um proscrito, um indivíduo na “lista negra”, uma pessoa junto de quem não convém falar de certos assuntos e outros “piropos” que tenho ouvido por estes dias. Não é que não soubesse já, mas sempre esperei mais discernimento por parte de algumas pessoas. Deve ser da humidade...
O Protesto vai, agora, fazer uma pausa natalícia, regressando, expectavelmente, em meados de Janeiro. Os votos de um Santo Natal para todos os leitores de boa vontade!

PS: meu caro Marques da Silva, lamento imenso ter-te «pretensamente» elogiado na minha última crónica. Nunca pensei que um tributo público e sincero ao que acreditava serem as qualidades pessoais e profissionais de alguém pudesse ser tão mal interpretado ou constituir um problema. De facto, o meu quadro de valores deve andar completamente às avessas. Ou, então, sou muito ingénuo.

Nota: quero expressar o meu agradecimento ao Bairro do Oriente não só pela inclusão desta crónica nas suas «Leituras» da semana, mas especialmente pelas suas palavras de apoio na posta «A opinião e as elites». Espero regressar a este assunto nos próximos dias.

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