quinta-feira, 26 de junho de 2008

Pirataria a rodos

Nuno Lima Bastos
26 de Junho de 2008

Há muito tempo que ando para escrever umas linhas sobre um tema em relação ao qual incontáveis cidadãos costumam abrir uma orgulhosa excepção à sua, no demais, irrepreensível postura de cumprimento da lei: a contrafacção de produtos.
Ocorreu-me agora o assunto na sequência da primeira condenação de sempre, em tribunais portugueses, de um cibernauta por partilha ilegal de ficheiros informáticos em rede. Trata-se de um algarvio de 28 anos, que foi sentenciado, na semana passada, ao pagamento de uma multa de 1160 euros por ter disponibilizado 146 faixas musicais (uma verdadeira gota de água) na Internet através de sistemas peer-to-peer, como os conhecidos eMule, LimeWire e BitTorrent, violando a legislação de direitos de autor. Sendo este crime punível em Portugal com pena de prisão até três anos, nem se pode dizer que o castigo aplicado tenha sido particularmente duro...
Lembrei-me, também, desta questão a propósito do Euro 2008; nomeadamente, ao ler uma reportagem na imprensa local sobre os equipamentos desportivos piratas que se compram nas “tendinhas”, a escassos metros de distância de estabelecimentos onde os respectivos originais custam dez vezes mais. Não é nada de novo e até podem responder-me que se tratam de diferentes produtos destinados a consumidores distintos, mas fico sempre a cogitar sobre o que passará pela cabeça dos donos daquelas lojas, que têm que pagar rendas, salários, electricidade e outros encargos cada vez mais elevados, e ainda se vêem obrigados a suportar uma concorrência ilegal impune quase paredes-meias consigo.
Traz-me isto à mente um episódio algo hilariante que aqui se passou há pouco mais de uma década. Com o advento do formato VCD, deu-se uma explosão da pirataria de videogramas. Quase de repente, um pouco por toda a cidade, surgiram lojas e bancas de venda de filmes em VCD contrafeitos. O sucesso foi meteórico e a venda e aluguer de discos laser originais entrou em queda livre (cabendo, depois, aos DVD’s aplicar-lhes a machadada final). Entretanto, o Departamento de Comércio norte-americano começou a pressionar fortemente o Governo de Macau para pôr cobro a este oásis de desrespeito pela propriedade intelectual, sob ameaça de imposição de sanções às exportações de têxteis locais para aquele país, e os produtos contrafeitos – não só filmes, mas também música e programas informáticos – começaram, então, a ser apreendidos e destruídos em larga escala. Quando se tornou realmente difícil adquirir aqui este material pirata, o que fizeram uns quantos consumidores? Com o maior dos desplantes, queixaram-se formalmente à Direcção dos Serviços de Economia, alegando que lhes estava a ser cerceado o direito de obter esses produtos a baixo custo! Tão convictos que estavam das suas reivindicações, até fizeram delas eco junto da comunicação social e de diversas associações locais!
Mas nem era preciso recuar tanto para testemunhar o ridículo a que chegámos nesta matéria: bastaria recordar a interminável saga dos “anteneiros” versus TV Cabo, com aqueles a recusarem cessar a captação e distribuição ilegal de canais fechados de televisão nos edifícios do território, por muitas queixas que os proprietários dos canais e algumas instâncias internacionais tenham já formalizado junto da tutela do sector e do próprio Governo de Macau. Há alguns anos, a concessionária começou a recorrer aos Serviços de Alfândega para que estes apreendessem os descodificadores ilegais que os “anteneiros” importavam e de que careciam para desencriptar os sinais dos canais fechados (cuja captação requer uma assinatura). E o que fizeram os “anteneiros”? Com ainda maior atrevimento, queixaram-se à tutela das telecomunicações, solicitando-lhe que pressionasse os Serviços de Alfândega para não exercerem as suas atribuições!
Estou convencido de que esta e outras proezas dos nossos “anteneiros” (como cortar o sinal da TDM a boa parte dos lares de Macau, para chantagear o Governo) são capazes de indignar qualquer leitor sensato. No entanto, é altamente provável que este mesmo leitor indignado se abasteça regularmente de DVD’s contrafeitos em Zuhai. E já pensou que está a fazer praticamente o mesmo que os “anteneiros”? Mesmo obtendo os filmes apenas para consumo próprio, certo é que está a dar zero receitas a quem os tornou possíveis e todas as receitas a uns quaisquer piratas de vão de escada e, eventualmente, a redes criminosas que os abastecem. O mesmo se diga quando vai à Internet e descarrega ilegalmente as centenas ou milhares de músicas que tem no seu computador e no seu leitor de MP3.
A situação é tão grave que, por exemplo, o Governo francês acaba de aprovar um projecto de diploma que prevê o cancelamento do acesso à Internet por períodos entre três meses e um ano para quem descarregue ilegalmente filmes ou música, numa tentativa de reduzir os cerca de mil milhões de downloads ilegais que se estima terem lugar anualmente no país. Há ainda questões técnicas a limar, mas tudo indica que a medida vai mesmo ser posta em prática.
Dir-me-ão que os CD’s e os DVD’s (ou os videojogos) estão muito caros. Em Portugal e em diversos outros países ocidentais, concordo; aqui, não exageremos...
Certo é que, à conta desta atitude legal e culturalmente laxista para com a pirataria, já não há uma loja de música decente em Macau e as poucas onde ainda se adquirem filmes originais têm pouca oferta e funcionam em instalações pouco menos que miseráveis, salvo uma ou outra excepção. Os cinemas também são a pobreza franciscana que se conhece. Um artista como o consagrado Nuno Barreto recusa-se a expor as suas obras aqui, tão farto que está de as ver ilegalmente duplicadas em ateliers de artistas de ambos os lados da fronteira. E por aí adiante...
Ao contrário do que, por incrível, já ouvi da boca de pessoas que tenho em boa conta e tomo por inteligentes, ter camisas Boss, relógios Rolex ou colecções de milhares de CD’s ou DVD’s não é um direito fundamental. Esses são os que constam da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Quanto ao resto, o direito à cultura e ao lazer não pode ser confundido com uma carta branca para todos os desmandos consumistas; muito menos, ao arrepio dos mais elementares direitos de quem trabalha honestamente para criar e produzir os bens que alimentam os nossos desejos.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Um aviso original

Consta que alguns estabelecimentos comerciais de Macau estão a ponderar a colocação de cartazes semelhantes a este nas suas entradas.

Condenação por "downloads" ilegais

Era com este tipo de condutas na Internet que as autoridades de Macau (e da China) se deviam preocupar, em vez de andarem à caça de delitos de opinião...

Daniela Gouveia
Público
21 de Junho de 2008

Músicas de Quim Barreiros, Tony Carreira, João Pedro Pais, Bob Sinclar e até um hino do Benfica em versão "pimba" contam-se entre as 146 faixas que um cidadão algarvio de 28 anos disponibilizou na Internet e que lhe valeram a primeira condenação de sempre de um utilizador português por troca ilegal de ficheiros online.O arguido foi condenado quarta-feira, no Tribunal de Portimão, a uma multa de 1160 euros, por autorizar que outros utilizadores transferissem para os seus computadores músicas que ele próprio disponibilizava através dos sistemas peer-to-peer (ponto por ponto), violando assim a legislação sobre direitos de autor. O caso remonta a 2006, quando a Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) e a Associação para a Gestão e Distribuição de Direitos (Audiogest) entregaram na Polícia Judiciária 38 queixas-crime contra a partilha ilegal de ficheiros de música na Internet.
"Foi feita uma pesquisa nos escritórios da Audiogest e da AFP, com a devida autorização dos autores para a partilha de ficheiros, e, através dessas transferências, foram descobertos uma série de IP [endereços de Internet] que disponibilizavam música ilegalmente", conta Eduardo Simões, presidente da AFP.
A sentença do Tribunal de Portimão reporta-se a uma primeira vaga de duas denúncias contra 28 endereços de IP, que seriam posteriormente investigados pelas autoridades. Simões recusa comentar se a pena aplicada neste caso é exagerada ou não, ressalvando apenas que "estamos a falar de um crime punível com prisão que pode ir até três anos". É o que também diz Pedro Osório, da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores, para quem o valor da multa "é irrisório" se comparado com "os prejuízos enormes da partilha de dezenas de milhares de autores roubados todos os dias" por milhões de utilizadores de Internet em todo mundo. Esta condenação, salienta Eduardo Simões, não acontece pela quantidade de ficheiros áudio que foram partilhados, uma vez que "a lei proíbe um ou 15 mil ficheiros" e não existe "uma bitola numérica para se decidir se um IP vai ou não ser investigado". O peer-to-peer, em que se baseiam aplicações como o eMule, LimeWire ou BitTorrent, permite que utilizadores de Internet troquem entre si ficheiros de qualquer tipo - os de áudio e vídeo são de longe os mais requisitados - que tenham armazenados no disco rígido.
Em Portugal, das 38 queixas-crime apresentadas em 2006, uma resultou nesta primeira condenação e outras duas foram resolvidas por acordos indemnizatórios. As restantes continuam "pendentes nos tribunais, sem julgamento marcado ou acusação deduzida", diz o presidente da AFP.
Eduardo Simões critica a publicidade dos fornecedores de serviços de Internet, que promovem a possibilidade de se fazerem downloads cada vez mais rápidos "sem avisos para os direitos do autor". Quem sofre com isso, diz, não é só a indústria fonográfica, que tem reportado perdas anuais de milhões de euros em todo o mundo à custa dos downloads ilegais; são também os utilizadores, que não são informados dos riscos que correm sempre que partilham ficheiros musicais e outros não autorizados.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Tufão Fengshen

Macau está sob influência da tempestade tropical (vulgo, tufão) Fengshen. Era simpático que os Serviços Meteorológicos e Geofísicos (SMG) içassem o sinal oito amanhã de manhã, para carregarmos baterias para as duas noitadas que se avizinham à conta dos jogos das meias-finais do Euro 2008. A imagem abaixo indica a presente localização do Fengshen e é actualizada automaticamente a partir do sítio na Internet dos SMG.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O rei dos frangos

O árbitro esteve mal, especialmente ao validar o terceiro golo alemão, e Paulo Ferreira descuidou-se nesse e no primeiro dos golos adversários, mas está visto que não vamos a lado nenhum com Ricardo, o "rei dos frangos" (que só jogava bem no meu Boavista). O vídeo fala por si:

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Vamos a eles!

É já daqui a poucas horas que se disputa o Portugal-Alemanha para os quartos-de-final do Euro 2008. As previsões são-nos favoráveis, como se pode ver pelo quadro abaixo - o fan predictor do website oficial da prova:

Para animar o ambiente - que vai ser mais uma dura noitada aqui em Macau, onde o jogo começa às 2h45 da madrugada -, eis um popular vídeo de apoio à nossa selecção:


Mas a minha música preferida de apoio à equipa de todos nós é esta «Será demais pedir a Taça?». Foi um spot publicitário da Galp Energia para o Mundial 2006, mas está muito bem conseguida e continua perfeitamente actual para o jogo desta noite. Alemanha, aí vamos nós:

Para quem preferir a versão original de 2004, aqui está ela, com imagens do Europeu de Portugal:

Os indesejáveis

Nuno Lima Bastos
19 de Junho de 2008

Em finais de Abril último, quando a tocha olímpica estava prestes a percorrer as ruas de Macau, as autoridades locais recusaram a entrada no território a dois activistas pró-democracia de Hong Kong. Na altura, um deles, Michael Mak, declarou ao jornal South China Morning Post que não lhe fora dada qualquer justificação para essa recusa, apenas tendo ouvido um agente policial comentar para outro que a sua visita não era apropriada durante a passagem do símbolo olímpico – alegações que considerou ridículas, até porque o seu objectivo declarado era participar numa conferência médica e não levar a cabo quaisquer acções políticas. Do mesmo modo, o outro activista, Chan Cheong, alegara, debalde, que apenas vinha fazer férias com a mulher (que o acompanhava).
A história repetiu-se há uma semana, ainda que com diferente protagonista: nada mais, nada menos do que a jovem estudante universitária Christina Chan, a tal que brandira uma bandeira do Tibete nas ruas de Hong Kong precisamente aquando da passagem do facho olímpico pela região vizinha. Uma vez mais, a autoridade pública de Macau não se dignou a transmitir à visada o fundamento da decisão de lhe barrar o caminho. Limitou-se a remeter para as «leis de segurança interna» e ponto final.
Quem aqui vive ou nos visita com regularidade já está, certamente, habituado à antipatia militante dos polícias que controlam os documentos de identificação nos postos fronteiriços do território. Por muitas acções e campanhas de relações públicas que o Instituto de Formação Turística ou a Direcção dos Serviços de Turismo promovam, nem a um simples bom dia, seja em que língua for, esses “senhores” respondem, além de jamais sorrirem. Até a polícia de Zuhai é infinitamente mais cortês do que esses indivíduos. Mas, enfim, consegue-se viver com isso... Só que, agora, parecem estar a evoluir da passividade antipática para uma antipatia pró-activa e não fundamentada, que já é motivo de preocupação, quer em termos do respeito devido pela lei e pelos direitos individuais de quem aqui se desloca, quer em termos da imagem externa de Macau.
Desde logo, a recusa de entrada no território a portador de documento de identificação ou de viagem suficiente é, salvo melhor entendimento, um acto administrativo (artigo 110.º do Código do Procedimento Administrativo: «consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta»), sujeito, como tal, ao dever legal de fundamentação: «para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado» (artigo 114.º, n.º 1, alínea c), do CPA). Não basta, pois, invocar vagamente umas quaisquer «leis de segurança interna». É preciso especificar normas e fazer um esforçozito de hermenêutica jurídica; isto é, explicar em que medida é que esses preceitos se aplicam ao caso concreto.
Vamos, então, às tais «leis de segurança interna». Macau tem, efectivamente, uma Lei de Bases da Segurança Interna, a Lei n.º 9/2002, cujo artigo 17.º, n.º 1, determina que, «na prossecução da actividade de segurança interna, as autoridades policiais podem, no âmbito das respectivas competências e sem prejuízo da observância da lei, determinar a aplicação das seguintes medidas cautelares de polícia: 4) Impedimento de entrada na RAEM ou expulsão de não residentes que, nos termos da lei, sejam considerados inadmissíveis ou constituam ameaça para a estabilidade da segurança interna, ou sejam referenciados como suspeitos de conotações ao crime transnacional, incluindo o terrorismo internacional». Ora, como não acredito que passe pela cabeça de ninguém que Christina Chan (ou Michael Mak ou Chan Cheong) esteja ligada ao crime transnacional, sou forçado a presumir que foi considerada uma pessoa inadmissível ou mesmo uma ameaça para a segurança interna de Macau. Se não fosse verdade, quase pareceria uma brincadeira de mau gosto...
O Serviço de Migração dispõe, ainda, de outro instrumento normativo para filtrar o acesso de “indesejáveis” ao território: a Lei n.º 4/2003, que estabelece os «princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência», segundo a qual «pode ser recusada a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes» (artigo 4.º, n.º 2, alínea 3)). Mas que crime poderia Christina Chan estar prestes a cometer em Macau? O de livre pensamento? O de livre expressão?
Admitamos que as autoridades suspeitassem que a estudante tencionava, de facto, efectuar uma manifestação pública unipessoal algures na cidade. A Lei n.º 2/93/M, de 17 de Maio, que regula o direito de reunião e de manifestação, parece reservar o exercício deste direito aos residentes do território («os residentes de Macau gozam do direito de manifestação», pode ler-se no artigo 1.º, n.º 2). Além disso, é necessário um pré-aviso. Sendo Christina Chan uma intrépida activista não residente, poderia estar prestes a cometer esta ilegalidade. Mas é preciso justificar a alegação, coisa que a polícia não fez quando a mandou de volta para casa. E, havendo essa suspeita, por que não lhe revistaram a bagagem, à procura de bandeiras do Tibete ou de faixas ou cartazes com palavras de ordem? Mero comodismo, incompetência ou abuso de poder?
Aliás, segundo ela, não foi sequer interrogada. Terá, simplesmente, invocado que pretendia apenas apanhar um avião para Singapura, de onde seguiria para a Austrália. Presumo, pois, que teria uma passagem aérea ou qualquer outro comprovativo consigo. Não teria sido, então, mais razoável levarem-na até ao aeroporto e meterem-na no avião? Com tão elementar gesto, ficava acautelada qualquer violação da lei e ninguém era indevida e desnecessariamente prejudicado, com vantagens óbvias para a imagem de Macau. Será assim tão difícil as autoridades perceberem isto?

domingo, 15 de junho de 2008

Como receber as pataquinhas

Se é residente de Macau (ainda que já cá não viva há muitos anos, por muito contraditório que isto possa parecer...), basta clicar nos dois quadros abaixo para saber como ganhar três mil ou cinco mil pataquinhas sem ir ao casino:


sábado, 14 de junho de 2008

Ainda as reacções ao 10 de Junho

O discurso do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Filipe Baptista, na recepção do Dia de Portugal sofreu duras críticas de todos os quadrantes. Julgo que nunca tinha assistido a tamanha unanimidade de opiniões negativas entre a comunidade portuguesa de Macau em relação à intervenção de um representante do Governo nacional nesta efeméride.

A minha posição foi manifestada na minha habitual crónica das quintas-feiras no Jornal Tribuna de Macau, como se pode ler na anterior posta deste blogue, e em declarações a este diário e ao Ponto Final de 11 de Junho.

Não menos críticos foram o director-adjunto do Jornal Tribuna de Macau, Sérgio Terra, no seu texto «Às vezes, mais vale nunca do que tarde», também de 11 de Junho, o chefe de redacção da revista Macau Closer, Nuno Mendonça, no excelente artigo de opinião «Um OVNI em Macau», publicado no Ponto Final de ontem (mas indisponível na edição online), e o director do Hoje Macau, Carlos Morais José, na sua prosa «A Fava», igualmente de ontem.

Pelo mesmo diapasão alinharam Amélia António, presidente da Casa de Portugal, José Pereira Coutinho, deputado e membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, Fernando Gomes, seu colega neste órgão, e José Oliveira Paulo, presidente da Associação de Pais da Escola Portuguesa (Jornal Tribuna de Macau, Ponto Final e Hoje Macau de 11 de Junho).

A tudo isto reagiu o enviado de José Sócrates com a nada diplomática frase «há um conjunto de pessoas [na RAEM] que têm uma má disposição crónica», segundo relata o Jornal Tribuna de Macau de ontem. Pronto, está visto que andamos todos mal-dispostos por estes lados...

Actualizações em 16 e 18 de Junho:
acabo de reparar que Sérgio Terra respondeu (e bem) a Filipe Baptista no mesmo dia em que escrevi esta posta, em «Contra a azia e má disposição». Os nossos bem conhecidos Severo Portela, director do já desaparecido Futuro de Macau, e António Aguiar, dirigente desportivo, também se referiram ao malfadado discurso proferido no antigo Belavista, nos artigos de opinião «Dia de Camões, da Catarse e das Comunidades Portuguesas» (Hoje Macau de 13 de Junho) e «Nacionalista eu?» (Jornal Tribuna de Macau da mesma data), respectivamente. E, porque as reacções parecem não acabar, o meu amigo Correia Marques também acaba de dar a sua "paliçada" no assunto, através do escrito «Tô vivendo» (Hoje Macau de 18 de Junho. Na versão online, a autoria aparece, por lapso, como sendo de Zélia Ribeiro). Filipe Baptista é que, uma vez mais, discorda de todas estas críticas, em depoimento recolhido por João Paulo Meneses (Ponto Final de 18 de Junho).

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Um discurso nada "simplex"

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
12 de Junho de 2008

Se bem estais recordados, iniciei a minha crónica de há uma semana num tom marcadamente pessimista em relação às comemorações do Dia de Portugal que se avizinhavam. Fosse tão fácil acertar no mark six e há muito que estaria milionário. Quem se deslocou anteontem ao antigo Hotel Belavista, viu o telejornal desse dia ou, simplesmente, ouviu a rádio ou leu os jornais da manhã seguinte já sabe o que aconteceu: o representante do Governo português, o meu contemporâneo de lides académicas Filipe Baptista, improvisou um longo discurso que – no discreto desabafo de uma importante figura ali presente – bem podia ter sido decalcado de outro proferido dias antes numa qualquer terreola do nosso país. Um jornal local referiu-se-lhe com o bem conseguido título de «muito Portugal, pouco Macau», mas eu até teria ido mais longe e escrito «só Portugal, zero Macau» ou coisa parecida.
Não está aqui em causa a capacidade ou a competência do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro. Pelo contrário, tenho dele a imagem de uma pessoa culta e capaz, ou não tivesse sido o eleito de José Sócrates para assegurar a articulação do seu gabinete com os diversos ministérios.
O problema é que, como de costume, o Executivo de Lisboa nada preparou para o 10 de Junho. Confesso que me ocorrera vagamente que, desta feita, talvez houvesse um pouco mais de empenho, influenciado por uma notícia do Público de há oito dias, que avançava estarmos perante «o maior investimento de sempre de um Governo nas comemorações do 10 de Junho no estrangeiro. Ao todo, cinco ministros e 14 secretários de Estado irão assinalar o Dia de Portugal junto de portugueses residentes no estrangeiro, em comemorações que decorrerão entre os dias 8 e 15 de Junho». A mesma peça citava, também, críticas antecipadas de alguns membros do Conselho das Comunidades Portuguesas, do estilo «se for só para passear, não vale a pena, as pessoas que venham para ouvir, para tomar medidas» – ao que eu acrescentaria: se for para vir a Macau falar do combate ao défice público e do Simplex ao lado de Edmund Ho e perante quem cá vive, também não...
A pergunta sacramental é, pois: sendo o Secretário de Estado uma pessoa competente e esclarecida, então, o que lhe passou pela cabeça para vir aqui fazer um discurso daqueles? Julgo que só há uma resposta possível: nada! E teve esse vazio pela simples razão de que absolutamente nada fora preparado para esta deslocação. Daí “jogar pelo seguro” e desatar a falar apenas daquilo que sabia: as propostas do seu Governo para os problemas internos de Portugal. Entre isso e cair no embaraço de dizer alguma asneira sobre Macau, nem deve ter pensado duas vezes... Aliás, o próprio Filipe Baptista reconheceu que fora uma escolha de última hora, embora tendo-a aceitado «com todo o gosto, mas com alguns condicionalismos de agenda».
Mas se há 10 de Junho todos os anos, se é tradição a data ser celebrada em todas as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo – ou não fosse também o seu dia –, se somos já cinco milhões de almas a residir fora da pátria e se enviamos mais de dois mil milhões de euros anuais (!) para Portugal, como é possível os nossos sucessivos Governos ainda não terem começado a programar devidamente as suas actividades para a ocasião? Como é possível chegarem sempre às vésperas do acontecimento sem saber quem vai aonde e sem ter o trabalho de casa preparado e distribuído?
No Palácio das Necessidades, fala-se muito, de há uns anos a esta parte, em diplomacia económica. Pois onde está ela? Eis um bom exemplo: no início de 2007, o Governo anunciou que tencionava encerrar dezassete consulados em todo o mundo, com vista a poupar 3,6 milhões de euros anuais. Ora, isso equivale a metade das remessas diárias – diárias, note-se bem! – dos emigrantes portugueses para o seu país natal. A nossa diplomacia económica parece, assim, resumir-se a poupar no apoio público aos portugueses que estão fora, continuando a receber muito, cada vez mais, do bolso destes. Visto deste prisma, o que se passa com o IPOR ou a Escola Portuguesa de Macau acaba por não ter nada de anormal...
Não sei é se hão-de alguma vez alcançar, em Lisboa, que não está apenas em causa o apoio devido aos seus cidadãos do mundo: as representações diplomáticas e consulares, as delegações económicas, os organismos de ensino da língua portuguesa, etc., são, também, a imagem avançada do país, transmitindo a quem nos procura a primeira impressão do que é Portugal. E que imagem é esta que estamos a difundir por todo o globo? A fazer fé no que tenho visto e ouvido por aqui nestes dias, não é nada, nada, abonatória...
E agora tenho que concluir, pois está prestes a entrar novamente em acção um dos produtos portugueses com melhor acolhimento no exterior: a nossa selecção nacional de futebol! Checos, aqui vamos nós!

terça-feira, 10 de junho de 2008

O dia da raça

Segundo o jornal Público, o Presidente da República, Cavaco Silva, cometeu ontem uma valente gaffe em Viana do Castelo, onde decorrem este ano as celebrações oficiais do 10 de Junho, ao afirmar: «hoje eu tenho que sublinhar, acima de tudo, a raça, o dia da raça, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas». Para o Público, tratou-se de uma «insólita confusão entre a designação actual e a que era adoptada pelo anterior regime».

Esperemos que o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Filipe Baptista, não faça o mesmo mais logo, no antigo Belavista. Seria bastante embaraçoso, com tantos convidados alienígenas...

domingo, 8 de junho de 2008

Tudo sobre o Euro 2008

Iniciámos o Europeu com uma vitória de 2-0 sobre a Turquia e a imprensa já começa a dizer que somos mesmo candidatos ao título (é o caso do Público, que tem uma secção dedicada à prova). Esperemos que não seja sol de pouca dura...

Quem não quiser dar-se ao trabalho de consultar o website oficial do Euro 2008 pode encontrar tudo sobre a competição nestes quadros permanentemente actualizados:







sexta-feira, 6 de junho de 2008

Filipe Baptista no 10 de Junho

Afinal, o representante do Governo Português nas celebrações do 10 de Junho em Macau será o Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Filipe Baptista.

Mais pormenores sobre a distribuição dos membros do Executivo de José Sócrates pelas diversas comunidades lusas espalhadas pelo mundo, no próximo Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, podem ser encontrados aqui e aqui.

Actualização em 18 de Junho: para os mais curiosos, a edição de 13 de Junho do semanário O Clarim faz uma análise ao percurso político de Filipe Baptista.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Um deputado (ou dois?) para Macau?

Nuno Lima Bastos
5 de Junho de 2008

Parece que ainda não é desta que vamos ter um 10 de Junho descansado. Além de o tema recorrente da mudança das instalações da Escola Portuguesa ter sido reavivado pela recente vinda a Macau do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal, João Gomes Cravinho, temos agora a crise financeira do Instituto Português do Oriente (IPOR) e o conflito aberto entre a sua presidente, Maria Helena Rodrigues, e a sua homónima do Instituto Camões, Simonetta Luz Afonso. Como se não bastasse, o gabinete da Ministra da Educação veio desmentir a notícia da Agência Lusa que dava o Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, como representante de Lisboa nas próximas comemorações do Dia de Portugal aqui no território.
Não sei se Jorge Pedreira desejava repetir a sua vinda de há dois anos, mas, com tantos problemas, suspeito que até deve ter agradecido a “nega” ao staff de Maria de Lurdes Rodrigues. Afinal, quem é que quer fazer uma viagem tão longa para ser crucificado pelas sucessivas falhas da política externa nacional em relação ao seu antigo território?
No ano passado, foi a desconsideração da ausência de qualquer representante do Executivo de José Sócrates nas celebrações em Macau. Há dois anos, foram as notícias da possível não renovação em massa das licenças especiais dos quadros da Administração Portuguesa aqui em funções, tema para o qual tive então, aliás, oportunidade de sensibilizar pessoalmente o Secretário de Estado Adjunto e da Educação, com a inestimável ajuda do Embaixador Pedro Moitinho de Almeida. Há três, quatro, cinco, seis anos, era ainda a Escola Portuguesa, era a vinda de médicos, era o financiamento e o modelo de funcionamento do IPOR, era a inconcebível demora na emissão de documentos de identificação e de viagem, era o encerramento do consulado em Hong Kong, era a falta de pessoal do consulado em Macau; enfim, tem sido uma miríade de dificuldades que parecem nunca mais acabar e que, infelizmente, estão muito para lá do que a simples boa vontade da nossa comunidade local possa conseguir. São questões que dependem quase exclusivamente do Estado Português e a que este tem tardado em responder. O que podemos nós, então, fazer para alterar este estado de coisas? Sejamos ousados, é o que proponho!
Sempre que há eleições legislativas ou presidenciais em Portugal, costumo recordar nos meus escritos a velha máxima de que «o voto é a arma do povo». Normalmente, os nossos dirigentes políticos “farejam” o voto. Se há um círculo com muitos eleitores inscritos e uma grande participação nos sufrágios, pois ali aparecem os candidatos e os governantes, ouvindo a população, fazendo promessas e, com alguma sorte, cumprindo algumas delas. Ora, Macau tem mais de 115 000 potenciais eleitores portugueses, tantos quantos os cidadãos inscritos no consulado. Desses, apenas 11 521 estavam recenseados aquando das últimas eleições para a Assembleia da República, em Fevereiro de 2005, dos quais somente 737 exerceram o seu dever cívico, já incluindo o resto da China. Isto dá uma abstenção de 94%! E esperamos, realisticamente, que os políticos instalados no extremo mais ocidental da Europa se lembrem de nós; ainda para mais, com todos os dramas que já ali têm? E vamos continuar com a táctica da “pescadinha de rabo na boca” (não olham para nós, também não olhamos para eles)?
Proponho um exercício alternativo: nas eleições parlamentares portuguesas, o chamado círculo de «Fora da Europa» é responsável pela atribuição de dois assentos, actualmente ocupados, como sabemos, por José Cesário e Carlos Páscoa Gonçalves, ambos do Partido Social Democrata. Sabeis com quantos votos foram estes senhores escolhidos há pouco mais de dois anos? Com meros 7707! Como a segunda força mais votada neste círculo, o Partido Socialista, se quedou pelos 3607 votos, bastavam 7216 votos para garantir os dois lugares em São Bento. Difícil? Nem por isso: em Setembro do mesmo ano, José Pereira Coutinho alcançou um lugar na Assembleia Legislativa de Macau com 9974 votos, mais do que os dois deputados do PSD juntos!
O território tem, pois, condições privilegiadíssimas para colocar dois representantes na sede do poder legislativo português e, assim, se fazer ouvir naquela câmara. O único senão é que a Lei Eleitoral da Assembleia da República (Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2001, de 25 de Agosto) só permite candidaturas de partidos políticos e o diploma regulador destes (Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de Agosto) impõe o seu «carácter nacional», querendo isto dizer que «não podem constituir-se partidos políticos que, pela sua designação ou pelos seus objectivos programáticos, tenham índole ou carácter regional» (artigo 9.º).
Mas não vem daqui mal nenhum ao mundo: “bastaria”, por exemplo, as associações de matriz portuguesa de Macau, ou algumas delas, se juntarem, acordarem em dois nomes que conseguissem “entrar” nas diversas comunidades lusas do território (como Pereira Coutinho tem conseguido) e proporem-nos a um partido português. O PSD e o PS não os aceitariam, provavelmente, mas tenho para mim que o CDS-PP ou o Bloco de Esquerda os chamariam um “figo”. Afinal de contas, estariam a receber de bandeja a melhor possibilidade de aumentarem o seu reduzido pecúlio de assentos parlamentares. Macau, por sua vez, ganharia duas lanças em São Bento e aposto que algumas coisas começariam a mudar.
Vamos a isso?

Nota: agradeço a simpática referência de Paulo Reis a esta crónica no seu blogue Apontamentos.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Tiananmen, dezanove anos depois

O massacre de Tiananmen aconteceu há dezanove anos. Devido à recente tragédia de Sichuan, é provável que as referências à triste efeméride sejam muito discretas este ano. Há quatro anos, publiquei um artigo sobre o assunto no jornal Ponto Final. Reproduzo-o agora. É o meu pequeno contributo para que os acontecimentos e as vítimas de 4 de Junho de 1989 nunca sejam esquecidos - em nome da verdade e da liberdade!

Tiananmen, quinze anos depois
Nuno Lima Bastos
Ponto Final
4 de Junho de 2004

«A única coisa de que o mal precisa para florescer
é os homens de bem nada fazerem»
(Edmund Burke, político irlandês, 1729-1797)

Hoje, quatro de Junho, assinala-se o 15.º aniversário do massacre de Tiananmen. Tudo terá começado a 15 de Abril desse ano de 1989, com o falecimento do anterior Secretário-Geral do Partido Comunista Chinês (PCC), Hu Yaobang, por muitos considerado um moderado do regime e um reformista. Fora afastado do cargo no início de 1987, acusado pela ala dura do partido de falta de firmeza para com os protestos estudantis que haviam eclodido meses antes em diversas cidades chinesas, exigindo mudanças políticas. Sucedeu-lhe Zhao Ziyang, enquanto Li Peng ascendia ao cargo de Primeiro-Ministro, mudanças que geraram descontentamento nos meios académicos. No dia do falecimento de Hu Yaibang, muitos estudantes desencadeiam manifestações pacíficas em sua memória em Pequim – nomeadamente, na Praça de Tiananmen –, Xangai e outras cidades.
Quando, a 22 desse mês, têm lugar as exéquias oficiais de Hu, encontram-se já cerca de cem mil manifestantes em Tiananmen, não só estudantes, mas também muitos trabalhadores urbanos revoltados com a crescente corrupção estatal e inflação. Três estudantes tentam entregar uma petição a Li Peng, mas este recusa-se a recebê-los. Em protesto, os estudantes começam a boicotar as aulas.
A 26 de Abril, o Diário do Povo, jornal oficial do PCC, publica um editorial com fortes críticas ao que qualifica de «pequeno grupo de conspiradores» que estariam a criar distúrbios com o intuito de derrubar o partido e o sistema socialista. Logo no dia seguinte, milhares de estudantes de mais de quarenta universidades marcham para Tiananmen, em protesto pelo editorial. A 4 de Maio, o próprio Zhao Ziyang, numa reunião com banqueiros estrangeiros, assume-se, em essência, contrário ao controverso texto.
A 13 de Maio, começam as greves de fome na Praça de Tiananmen. No dia seguinte, doze dos mais proeminentes escritores e escolásticos da China comparecem ali, apelando ao Governo que reconheça o que chamam de «movimento patriótico democrático» em curso. Pedem também aos estudantes que cessem a greve de fome. Os seus esforços falham.
Entretanto, o Presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachov, chega a Pequim a 15 de Maio, para a primeira cimeira sino-soviética desde 1959. A comunicação social estrangeira comparece em peso e aproveita para acompanhar simultaneamente os acontecimentos em Tiananmen, assim como os estudantes também aproveitam o momento de maior visibilidade mediática internacional para intensificar os seus protestos.
A 20 de Maio, é declarada a lei marcial em Pequim, mas o avanço das tropas em direcção ao centro da cidade é bloqueado pela população. Os soldados recuam para os arredores da capital.
Dez dias depois, os manifestantes erguem a famosa estátua da Deusa da Democracia, que rapidamente se torna um ícone dos seus protestos nas televisões de todo o mundo, mas representa para os dirigentes da velha nomenclatura uma «arrogante intrusão dos decadentes valores ocidentais no simbólico coração do comunismo chinês, rompendo com a sagrada cosmologia, o feng shui da grande praça», nas palavras do escritor George Black.
As cúpulas do poder vacilam entre o pulso forte de Li Peng, apoiado por Deng Xiaoping, e a moderação de Zhao Ziyang, que chega a encontrar-se com os estudantes (curiosamente, acompanhado do actual primeiro-ministro, Wen Jiabao). O crescente descalabro económico que acompanhava as reformas políticas em curso na União Soviética terá contribuído para assustar ainda mais a linha dura. Por outro lado, entre os muitos milhares de pessoas que foram para as ruas, havia diferentes grupos com diferentes agendas – consequência forçosa da espontaneidade com que os acontecimentos se iam sucedendo –, daí resultando não ser totalmente claro para o Governo com quem negociar e até onde chegariam as exigências dos manifestantes, até porque estas pareciam ir em crescendo, na medida do próprio aumento do apoio à insurreição popular. O que começara como um protesto estudantil tinha-se alargado ao proletariado urbano e a sectores dissidentes do partido. Boa parte da comunicação social chinesa começava a mostrar visíveis simpatias pela causa da democracia e até sectores dos serviços de segurança, dos tribunais e dos militares – a espinha dorsal da ditadura comunista, na leitura ainda de George Black – começavam a libertar-se do férreo controlo do partido.
Finalmente, a 3 de Junho, a ala dura decide retomar o controlo da situação a todo o custo e manda o exército avançar em força. Cerca das 22h00, este começa a disparar contra todos os que tentam barrar o seu progresso. Para diversos estudiosos dos acontecimentos, o verdadeiro massacre de civis tem lugar no decurso destas manobras de aproximação a Tiananmen, face à resistência popular nas ruas, e não na Praça propriamente dita. Ao amanhecer do dia 4, tudo estava consumado.
Recordando a triste efeméride, o telejornal da TDM passou anteontem algumas declarações de manifestantes de 1989 que hoje vivem no estrangeiro. Uma antiga estudante natural de Pequim, actualmente a exercer advocacia em Nova Iorque, afirmava, com muita perspicácia, que o maior legado, pela negativa, da repressão do movimento estudantil foi a criação de uma juventude chinesa completamente apática em relação às questões políticas, apenas interessada em ganhar dinheiro e nada mais.
Não tenho dúvidas de que esta apatia política das massas é a atitude preferida da classe dirigente em qualquer ditadura e certamente também no caso chinês, onde para ela muito terão contribuído o forte empenho do Governo Central em apagar da memória colectiva os acontecimentos de Tiananmen, usando todo o tipo de mecanismos de filtragem de informações, e o enorme desenvolvimento económico do país nos últimos quinze anos – que terá, inclusive, permitido aos dirigentes nacionais recuperar algum do apoio popular perdido após o massacre da Praça Celestial. Há quem fale, até, na existência de uma espécie de conflito de gerações: os estudantes que andavam na casa dos vinte anos em 1989 terão muito menos simpatia pelas cúpulas do poder do que os jovens actuais, que nasceram depois das reformas económicas de Deng Xiaoping. Hoje, os estudantes chineses manifestam-se muito mais por motivos de nacionalismo (os protestos junto à Embaixada dos EUA em Pequim, depois do bombardeamento da Embaixada da China em Belgrado por aviões da OTAN, são disso um bom exemplo) do que para exigir reformas democráticas.
Hoje, como há quinze anos, os líderes nacionais continuam a esgrimir incessantemente o argumento da estabilidade política como suporte imprescindível do progresso económico e social da nação, contrapondo-lhe todos os papões possíveis, desde o caos na Rússia pós-soviética até à instabilidade na Formosa após as últimas eleições presidenciais da ilha nacionalista.
Nesta penumbra feita de permanente doutrinação e intimidação de um lado e indiferença ou temor do outro, as recentes manifestações em Hong Kong exigindo mais democracia – maxime, o sufrágio universal – continuam a ser um verdadeiro farol que não me canso de elogiar, até por contraste com a pobreza de espírito que também reina nesta nossa pequena aldeia. Aliás, em Macau, o Poder não precisa de censurar, porque as pessoas censuram-se a si próprias; não precisa de punir os desvios, porque sãos os próprios cidadãos que traçam a sentença de quem, no normal exercício da sua consciência cívica, se atreve a criticar abertamente o que entende estar mal. Pugnar pela democratização da nossa pequena sociedade implica, assim, um formidável esforço em triplicado: pela evolução do regime político em si, consubstanciado nas leis que o regem, pela mudança da mentalidade das cúpulas e pelo despertar dos cidadãos da letargia em que decidiram encerrar-se.
Li há dias no South China Morning Post que Jiang Yanyong, um cirurgião reformado do exército que se distinguiu durante o surto da pneumonia atípica, dirigiu em Fevereiro passado uma carta aberta aos dirigentes de Pequim, urgindo-lhes que mudassem a avaliação oficial dos protestos de Tiananmen, de um «motim anti-governamental» para um «movimento patriótico». Ao pedido juntou um emotivo relato da agonia e choque que experimentou quando acorreram à sua sala de emergências muitos jovens feridos na noite de 3 de Junho de 1989.
Não sei quanto tempo gestos corajosos como este levarão a humanizar e democratizar a China, mas estou certo de que a História guardará sempre um lugar muito especial para os milhares de pessoas que, na Primavera de 1989, empenharam as suas próprias vidas para lutar pelas suas mais nobres convicções. Para eles vai toda a minha profunda e eterna admiração.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Comércio de peles na China

Este é, provavelmente, o vídeo que mais me impressionou até hoje. Consta do sítio na Internet da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), numa secção designada «A Shocking Look Inside Chinese Fur Farms». Atenção: as imagens são chocantes!


Pledge to go fur-free at PETA.org.

ATFPM parcialmente em português

Depois de um post scriptum sobre o assunto na minha crónica do Jornal Tribuna de Macau de 22 de Maio último e de uma posta aqui há uma semana, eis que a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) começou a traduzir alguns conteúdos do seu sítio na Internet para língua portuguesa. Melhor, traduziu apenas os menus e pouco mais, mas já é um princípio que se saúda.

Sem querer ser mauzinho, parece-me, no entanto, que foi tudo feito muito à pressa, talvez com recurso a um sistema de tradução online como o Babelfish, só para disfarçar o monolinguismo inicial. Daí aparecerem nos menus expressões como «portuguese», «querm somos», «noticiais de última», «associação actividades», «excursões actividades», «incidente e da imagem», «pequenas secção»,
«atividades imagem», «esportes», «auxiliares amor», «manutenção de Gongyi» ou «comunidade preocupação». Em suma, alguma ortografia de português do Brasil, termos ingleses, erros ortográficos e coisas sem sentido.

Ficam os reparos, na convicção de que a ATFPM pode e deve fazer melhor!

domingo, 1 de junho de 2008

Resultados das eleições do PSD

Resultados totais das eleições directas para a presidência da Comissão Política Nacional do Partido Social Democrata (falta apurar quatro secções da emigração e outras tantas de Portugal continental, mas sem influência quanto ao vencedor):

Eleitores - 77.109
Votantes - 45.745 (59,33%)
Brancos - 254
Nulos - 97
Manuela Ferreira Leite - 17.342 (37,91%)
Pedro Passos Coelho - 14.224 (31,09%)
Pedro Santana Lopes - 13.519 (29,55%)
Patinha Antão - 309 (0,68%)

Manuela Ferreira Leite é, assim, a nova líder do PSD. Parabéns à vencedora e esperemos que tenha um desempenho bem melhor do que os seus antecessores mais recentes (o que, em boa verdade, também não deve ser muito difícil...).

Em Macau, verificaram-se os seguintes resultados:

Eleitores - 43 (assumindo que tinham as quotas em dia...)
Votantes - 31 (72,09%)
Brancos - 0
Nulos - 0
Manuela Ferreira Leite - 24 (77,42%)
Pedro Passos Coelho - 5 (16,13%)
Pedro Santana Lopes - 2 (6,45%)
Patinha Antão - 0 (0%)

Não posso dizer que esteja propriamente surpreendido com tão expressiva vitória de Manuela Ferreira Leite na secção laranja local, ou não fosse essa a preferência do deputado da emigração José Cesário (conforme se pode ler no Diário de Viseu de 14 de Maio)...