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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Os avos e os cêntimos
Anunciava o JTM de ontem um aumento de dois cêntimos na tarifa da electricidade em Macau. E eu que pensava que a moeda local se dividia em cem avos...
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quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Ainda sobre os banquetes e celebrações
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Jornal Tribuna de Macau
22 de Outubro de 2009
Na minha última crónica, revisitei os custos associados à cerimónia de transferência de soberania de Macau, apontando o valor de 244 milhões de patacas e reproduzindo parte de um acutilante texto de opinião que Miguel Sousa Tavares assinara sobre o assunto nas páginas do Público. Por manifesta escassez de tempo e de fontes, não fui exaustivo na abordagem, mas procurei apresentar com rigor os poucos elementos de que dispunha, como sempre tento fazer.
Não descortinei, nestes dias que, entretanto, decorreram, qualquer novo contributo de terceiros para o tema, fosse em abono ou desabono das minhas palavras, mas pareceu-me vislumbrar algures uma vaga sugestão de manipulação dos factos. Excesso de sensibilidade da minha parte, porventura. À cautela, decidi, todavia, perscrutar os meus velhos papéis com reforçado afinco, na esperança de conseguir dissipar o tom plúmbeo desses juízos.
Embora não sendo especialmente bem sucedido, o meu zelo sempre produziu alguns resultados, porquanto consegui localizar uma peça de Rui Boavida, publicada no Jornal Tribuna de Macau de 19 de Junho de 2000, onde o jornalista reproduz excertos da edição desse mês da revista Hong Kong Business.
Nesta, era relatado que Edmund Ho, «em privado, admite ser continuamente surpreendido pela chegada de novas contas» relativas ao handover. A publicação da RAEHK recordava que o orçamento oficial para todo o evento era de 35 milhões de dólares americanos – cerca de 280 milhões de patacas – e que, «de acordo com fontes da cerimónia, cada refeição oferecida durante o banquete oficial terá saído a cerca de 1500 dólares americanos»; ou seja, doze mil patacas por pessoa (o que, ao câmbio da época, coincidia, grosso modo, com os valores censurados por Miguel Sousa Tavares).
Rui Boavida acautelava, porém, que «um jornalista de Hong Kong» teria comentado ao JTM que «o grupo Communications Management [responsável pela revista em apreço] sempre manteve boas relações com as autoridades chinesas e, eventualmente, esta reportagem poderá ter origens menos claras». Mas o profissional da região vizinha acrescentara, igualmente, que «o que também é verdade é que (...) diversos membros da administração portuguesa deixaram o Território envolvidos em casos menos transparentes do que seria desejável, [o que] deixa campo aberto a diversas especulações» (segundo o JTM, o artigo da Hong Kong Business mencionava a construção do aeroporto, a constituição da Fundação Oriente e da Fundação Jorge Álvares e os monumentos erigidos em Macau nos derradeiros anos do consulado de Rocha Vieira como alguns desses exemplos).
No texto do Público que citei há uma semana (um trabalho de João Pedro Henriques, publicado em 28 de Junho de 2000), o jornalista «que orientou a área de comunicação social do Gabinete de Coordenação da Cerimónia de Transferência», Rui Isidro, confirmava o dispêndio de 244 milhões de patacas – precisamente o montante que referi –, assumindo corresponder a mais cem milhões do que os gastos de Hong Kong dois anos antes; diferença, presumivelmente, justificada pela necessidade de criação aqui de infra-estruturas que o território vizinho já possuía, como «quilómetros de cabos de fibra óptica, para as transmissões televisivas»... Quanto ao resto, este senhor corroborava todas as somas faraónicas que discriminei no meu anterior escrito, incluindo os doze milhões do “famoso” banquete e os sessenta milhões do Pavilhão Lanterna (onde decorreu a cerimónia final e que teve que ser desmantelado meses depois, por não oferecer resistência aos tufões), mas recusando que Portugal e a China tivessem convencionado qualquer limite máximo de despesas para o efeito.
Cada um que tire agora as suas ilações. No limite, até se poderá argumentar que os 244 milhões de patacas terão ficado, ainda assim, aquém dos 35 milhões de dólares americanos que a equipa do general Rocha Vieira, supostamente, orçamentara (digo «supostamente», porque não consegui confirmar esta previsão). Se isso legitima tamanha “generosidade” do erário público no momento do arrear da bandeira nacional – como em tantos outros momentos de que tenho falado –, é outra história...
PS: aproveitando, digamos assim, uma próxima ausência alargada do território por motivos profissionais e de férias, irei fazer uma pausa sabática nesta minha incursão jornalística. Foram vinte meses consecutivos a elaborar semanalmente esta coluna, com raros interregnos, e preciso de recarregar baterias. Aproveito para agradecer ao JTM, na pessoa do seu director, a amabilidade de me ter endereçado, em Fevereiro de 2008, o convite para colaborar com este jornal. Foi uma experiência deveras estimulante!
Continuarei a acompanhar a vida de Macau, mas de forma descontraída e sem pressões de calendário, através do meu blogue O Protesto.
Aos leitores, o meu muito obrigado pela atenção dispensada e pelos contributos que me foram transmitindo ao longo destes vinte meses!
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão deste artigo na sua selecção de leituras da semana, bem como as simpáticas palavras relativas à despedida da minha coluna do JTM. Vamo-nos encontrando na blogosfera!
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009
Banquetes e celebrações

Jornal Tribuna de Macau
15 de Outubro de 2009
Há pouco mais de um mês, critiquei aqui o subsídio de trezentas patacas por cabeça que a Fundação Macau decidira atribuir às associações locais para organizarem banquetes comemorativos do décimo aniversário da transferência de soberania do território (ou, mais rigorosamente, da transferência do exercício da soberania), apontando o facto de algumas candidaturas às eleições legislativas estarem, na verdade, a utilizar esse dinheiro para jantares de campanha. Se dúvidas houvesse, bastaria constatar a enorme concentração desses repastos subsidiados durante as duas semanas de campanha eleitoral...
Não faço ideia em quanto irá a medida onerar os cofres da fundação presidida por Vítor Ng. Atirando um número ao acaso, se quatrocentos mil residentes beneficiassem da medida (o que é um perfeito exagero), ela importaria em 120 milhões de patacas. É muito dinheiro, mas sempre se poderá dizer que encheu o estômago a um mar de gente por um dia, já para não falar naqueles argumentos mais discutíveis, como o pretenso contributo da iniciativa para promoção da harmonia social e do patriotismo.
Vai daí, e porque de celebrações do handover estamos a falar, resolvi pesquisar os meus arquivos e ver em quanto orçou a celebração do evento em 19 de Dezembro de 1999, quando esteve a cargo da última administração portuguesa do território: nada menos do que 244 milhões de patacas! A título comparativo, as cerimónias da transferência de Hong Kong, em Julho de 1997, haviam ficado aquém dos 150 milhões de patacas (já começo a compreender melhor a inflação de custos do certame da Primédia em Pequim, em confronto com a modéstia dos nossos vizinhos: há antecedentes difíceis de ultrapassar...).
O despesismo com a efeméride de há dez anos foi divulgado seis meses após o arrear da bandeira portuguesa, na edição de 27 de Junho de 2000 do Macau Hoje, citando «fonte governamental chinesa». Segundo aquele jornal, nomeado no Público do dia seguinte, a Direcção dos Serviços de Finanças estaria a fazer uma «investigação detalhada» dos «números muito elevados» dos gastos, admitindo passar o processo «para a responsabilidade do Comissariado Contra a Corrupção», caso se confirmassem «métodos pouco limpos no procedimento do dispêndio de verbas», que teriam incluído sessenta milhões para a construção do edifício onde decorreu a cerimónia oficial de 19 de Dezembro, setenta milhões em infra-estruturas de apoio à comunicação social, trinta milhões numa sessão cultural no dia anterior e doze milhões num banquete!
Os números foram tão impressionantes que Miguel Sousa Tavares até lhes dedicou o grosso de um artigo de opinião no Público de 30 de Junho de 2000 – intitulado, precisamente, «Um banquete em Macau» –, onde começou por recordar o convite recebido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros português para vir assistir às cerimónias do handover: «o convite especificava que era extensivo a duas pessoas e compreendia viagens, quatro noites de estadia, refeições, despesas e ainda uma ajuda de custo diária (para fazer compras, presumo)».
O comentador recusou e não mais pensou no assunto – até ler os números divulgados na imprensa... Em relação ao manjar, fez, por exemplo, o seguinte reparo: «se conseguirmos imaginar, entre todos os convidados locais, os representantes de Pequim e a embaixada ida de Lisboa, o total astronómico de mil pessoas no banquete, mesmo assim chegamos ao fabuloso preço de 315 contos [ao câmbio da altura] por cabeça para um jantar – um banquete só ao alcance dos delírios do sultão do Brunei».
Depois de mais algumas notas ao seu bom estilo, rematou a crónica nestes termos: «poucas coisas, entre as coisas públicas, me parecem tão feias e tão inestéticas como a ostentação de riqueza com dinheiros alheios – os que gastam o dinheiro dos outros com uma largueza que jamais usam com o próprio dinheiro. Eu quero lá saber do fim do Império e do “momento histórico” da transição! O que eu gostaria de saber é quantos chineses de Macau comeriam com os 315 contos que cada português lá gastou num só banquete».
E pronto, não falo mais das trezentas patacas gastas com cada residente de Macau para festejar à mesa os dez anos da RAEM...
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quinta-feira, 8 de outubro de 2009
Mais uma oportunidade perdida?

Jornal Tribuna de Macau
8 de Outubro de 2009
Foram ontem apurados os votos da emigração nas eleições legislativas portuguesas, responsáveis pela partilha dos últimos quatro lugares em São Bento. Retardei o mais possível a elaboração desta crónica, na esperança de saber já os resultados quando a iniciasse, mas não fui afortunado. Por isso, parto em desvantagem em relação aos leitores, que vão ter acesso a estas linhas já conhecendo esse desfecho...
É claro que, em face dos 226 deputados já definidos, este encerramento do escrutínio não altera nada. O Partido Socialista, com 96 assentos, vai continuar a precisar dos 21 votos do CDS-PP para chegar à maioria absoluta na Assembleia da República. Só mudaria alguma coisa se o PS conseguisse o resultado “impossível” (e jamais atingido por qualquer cor partidária) de açambarcar os quatro deputados dos círculos da Europa e de Fora da Europa. Aí, os 16 parlamentares do Bloco de Esquerda já permitiriam a formação de uma maioria absoluta de esquerda sem os comunistas.
Em 2005, o PSD elegeu José Cesário e Carlos Páscoa Gonçalves pelo círculo em que Macau se integra, graças aos 7707 votos que os emigrantes lhe conferiram. Com 3607 votos, o PS ficou a escassos 247 boletins de dividir os lugares com os laranjas.
Este ano, as contas devem ser ainda mais renhidas, dado que, até ao final da manhã de anteontem, apenas haviam chegado a Lisboa 7059 sobrescritos de eleitores a residir fora do velho continente – um total, portanto, abaixo do que o partido vencedor alcançou sozinho em 2005. Aliás, com tão poucos votantes, os escrutínios que o PS recebeu há quatro anos seriam suficientes para garantir agora os dois assentos.
Independentemente de quem irá cantar vitória com o cabeça-de-lista do PSD (cuja reeleição me parece evidente), sinto que Macau desbaratou mais uma excelente oportunidade de chegar à Assembleia da República. Já o disse antes e continuo a repeti-lo. Afinal, quão difícil seria associações como a ATFPM, a APOMAC e a Casa de Portugal juntas mobilizarem três ou quatro mil votos de cidadãos portugueses aqui no território? Impossível não seria, estou convencido.
Compreendo que a ATFPM se não queira envolver abertamente nesta contenda, uma vez que constitui o sustentáculo dos três membros do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) eleitos por Macau. O facto de o actual presidente do CCP ser um destes conselheiros – o médico Fernando Gomes – torna a situação ainda mais sensível, já que uma articulação da ATFPM com uma dada força partidária para efeitos de combate eleitoral poderia dificultar a cooperação institucional entre a direcção do CCP e os diversos partidos com assento parlamentar, já para não falar dos potenciais riscos para a própria coesão interna da equipa de Fernando Gomes.
Muito bem, mas continuaria a ser possível concertar a abstenção da ATFPM com uma postura activa das outras associações de matriz portuguesa, nomeadamente as duas que referi atrás, assegurando os apoios necessários para meter um nome de Macau em São Bento.
Já sei que viriam novamente ao de cima os eternos medos das iniciativas fracturantes, tão típicos deste nosso microscópico burgo (aliás, os mesmo que levam a que nem sequer se aceite debater certos temas, quando mais tomar posição sobre eles...). Sugeria, então, que se mandassem os grandes partidos “às malvas” e se procurasse negociar um entendimento eleitoral com um pequeno partido. Se não o CDS-PP ou o Bloco de Esquerda (os comunistas jamais entrariam no meu imaginário), uma das outras onze cores sem representação parlamentar. No meio de tanta aberração, até há alguns campos que escapam...
Certo é que, enquanto formos olhando para estas ideias como mero fruto de uma imaginação delirante, vamos continuar condenados a aturar políticos que se limitam a vir fazer turismo a Macau, inchados pelo habitual tempo de antena que a nossa comunicação social insiste em lhes dar para nada de útil ou de novo exprimirem. Para esse peditório é que, garantidamente, não dou mais...
Costuma dizer-se que cada sociedade merece os governantes (e os representantes) que tem. Eu acredito que merecemos melhor. Resta saber se alguma vez faremos por isso ou vamos preferir resignar-nos ao interminável choradinho de que ninguém nos liga em Lisboa...
Adenda: em reforço do que acima escrevi, recordaria que dois dos três deputados do PSD eleitos pela emigração são, eles próprios, emigrantes de longa data: Carlos Gonçalves, o cabeça-de-lista pelo círculo da Europa, vive em França e o seu homónimo Carlos Páscoa Gonçalves, número dois pelo círculo de Fora da Europa, reside no Brasil. Só José Cesário é que nunca foi emigrante. Ora, se o Brasil e França podem ter, cada qual, o seu deputado na Assembleia da República, não vejo porque não possa ter Macau também o seu...
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a selecção desta crónica para as suas «Leituras» da semana.
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quinta-feira, 1 de outubro de 2009
Um deplorável incidente

Jornal Tribuna de Macau
1 de Outubro de 2010
Agora que já ficaram para trás as eleições legislativas locais e portuguesas, que os votos recontados já tiveram o merecido destino e que o presidente da república já quebrou o tabu das “escutas”, parece-me ser boa altura para, enfim, partilhar com os meus leitores um deplorável incidente a que fui sujeito há três semanas, ou não estivesse ele intimamente associado ao livre exercício do direito de opinião que venho praticando neste espaço desde Fevereiro de 2008.
Como é sabido por quem costuma ler as minhas crónicas, ocupei largo período dos meses de Verão a rever a génese da Fundação Jorge Álvares, em finais de 1999, e as reacções públicas profundamente negativas, aqui e em Portugal, que se seguiram à revelação dessa iniciativa envolvendo o último governador do território. Lateralmente, abordei outros factos contemporâneos desse processo, como a criação do Instituto Internacional de Macau ou os avultados subsídios que o general Rocha Vieira reclamou e recebeu por férias supostamente não gozadas ao longo do seu mandato de quase nove anos.
Tive o cuidado de tudo documentar. Além disso, não recorri ao que eu próprio então escrevera (houve textos meus publicados ou citados no Ponto Final, no Diário de Notícias e no Público, por exemplo), para não cair no duplo papel de fonte e autor. Preferi, ao invés, recorrer à investigação, à narração e à opinião de terceiros que considerei fontes credíveis – profissionais da informação que, ainda hoje, são respeitados no seu meio. Citei algumas posições contrárias, mas em bastante menor escala, por uma razão que julgo (ou julgava...) óbvia: porque, na minha óptica, não apresentavam dados susceptíveis de desmentir os factos que iam caindo no domínio público, antes se ficando por valorações puramente subjectivas de sinal contrário. Nas raras vezes em que o conseguiram fazer, curei de o referir ou, pura e simplesmente, nem sequer fiz uso dos elementos objectivamente refutados.
Tenho, pois, a consciência descansada em relação ao trabalho que levei a cabo ao longo de onze semanas (entre 18 de Junho e 3 de Setembro). O que não tenho, nem pouco mais ou menos, é a pretensão de que toda a gente concorde comigo, muito menos os “visados” nos meus textos (embora a minha preocupação seja denunciar factos; não entrar em ataques pessoais). O mundo é mesmo assim...
O que me traz hoje, então, de volta a este assunto? “Apenas” isto: há, exactamente, três semanas, no final de uma mesa-redonda como tantas outras que costumam ter lugar no território, uma das figuras citadas no conjunto de artigos a que chamei de «antologia da transparência» veio falar comigo. Manifestou-me a sua insatisfação pela minha iniciativa, queixando-se de «falsas» acusações. Recordei-lhe que identificara todas as fontes e sugeri-lhe que redigisse a sua própria versão dos acontecimentos – um direito que lhe assistia e que poderia exercitar com facilidade, ou não beneficiasse de exposição semanal neste mesmo matutino. Depois, os leitores que tirassem as suas conclusões.
A conversa prosseguiu em tom civilizado por mais alguns minutos, até que expressei a minha incompreensão por determinadas palavras que o general Rocha Vieira proferira sobre a Fundação Jorge Álvares em Junho último, no retorno a Macau. Basicamente, e citando agora o Hoje Macau de 15 desse mês, por ter afirmado que «cumpri o meu dever e nunca deixei de dormir por causa da fundação. Não acredito que haja fundações com maior transparência que esta». Perturbava-me a incapacidade do ex-governador em esboçar um mea culpa, por muito tímido que fosse.
O meu interlocutor começou a exaltar-se. Retorquiu-me com um repetido «nem tinha que fazer», insistindo que o general fizera tudo bem. Perante isso, deixei claro que nada tinha a alterar na minha «antologia», pois ela traduzia a minha convicção dos factos.
Qual a minha estupefacção quando, em tom assaz agressivo, e não obstante se encontrar já outra pessoa connosco, me dirige estas palavras: «sabe o que eu tive vontade de fazer quando li aqueles artigos pela primeira vez? Tive vontade de lhe partir a cara. Eu devia era partir-lhe esses dentes todos. Sabe o que você é? Um filho-da-puta! Um filho-da-puta, é o que você é!». Posto isto, virou-me, de imediato, as costas e meteu-se num elevador com outras pessoas que passavam no momento.
É verdade que o autor de tão ignóbil atitude foi o mesmo que, numa entrevista à TDM em 4 de Março de 2000, lançou esta despudorada ameaça a destinatários incertos: «quero deixar também este alerta: que estejam atentos também a isso, porque quem não tem o mesmo interesse que todos nós em relação ao futuro de Macau merece ser isolado. Tenho que dizer isto com muita franqueza e muita convicção. Merece ser isolado, ser bem identificado. E se não quiser, se não se sentir bem aqui, olhe, há muitos sítios onde pode estar» (reproduzida no Ponto Final de 12 de Maio de 2000).
Essa não é, porém, a minha linguagem, nem a minha forma de dirimir diferenças. Por isso, apresentei a competente queixa-crime na justiça.
Um bom amigo lembrava-me, um dia destes, que é nas situações limite que se conhecem as pessoas. Ora aqui está uma dessas situações. Cada um dos vários envolvidos terá a sua responsabilidade a cumprir na realização da justiça. Aguardo serenamente os desenvolvimentos.
E não, ainda não foi desta que me calaram...
Nota: agradeço penhoradamente todas as mensagens de apoio que tenho recebido sobre este assunto, assim como esta referência publicada no conhecido Bairro do Oriente (relembrada aqui e aqui).
Julgo que, mais do que um acto isolado, está aqui, de certo modo, em causa a salvaguarda de todos aqueles que manifestam publicamente as suas opiniões "não alinhadas" na nossa comunicação social e na blogosfera. Infelizmente, parece haver tiques do passado que ainda não verteram completamente para o esgoto da história, ajudando a empestar o ar que nos rodeia, já de si a braços com outras fontes de poluição mais recentes...
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quinta-feira, 24 de setembro de 2009
Contabilidade eleitoral

Jornal Tribuna de Macau
24 de Setembro de 2009
Encerrada que está, finalmente, a contagem (e recontagem) dos votos referentes às eleições legislativas de domingo passado, resolvi olhar para os números deste ano e de 2005, e começar a fazer comparações. Verifiquei, então, que:
– O número de eleitores inscritos passou de 220 653 para 248 708. Eram 28 055 potenciais novos votantes, um aumento de 12,71%;
– Já o número de pessoas que exerceram, efectivamente, o seu dever cívico progrediu de 128 830 para 149 006, o que significa mais 20 176 votos apurados do que há quatro anos – um crescimento de 15,66%;
– Da evolução destes dois conjuntos de valores resultou uma ténue subida da taxa de afluência às urnas, dos 58,39% de 2005 para os 59,91% deste ano (mais 1,5%). Por outras palavras, a abstenção diminuiu ligeiramente;
– A única candidatura cuja percentagem total de votos registou uma subida superior à da taxa de afluência às urnas (os 1,5% acima referidos) foi a União Para o Desenvolvimento, a lista dos operários, encabeçada por Kwan Tsui Hang (lista 12), já que teve 13,29% há quatro anos (correspondentes a 16 596 votos) e conseguiu 15,01% agora (22 101 votos). Isto é, tem mais 1,72% do total do que em 2005 (mais 5505 votos);
– As duas listas do Novo Macau Democrático venceram, no seu conjunto, estas eleições, com 28 210 votos, contra 23 489 no sufrágio anterior (mais 4721 votos), mas viram os operários encurtar um pouco a distância que os separa. Em percentagem total de votos, passaram de 18,81% para 19,16%. O mesmo é dizer, têm mais 0,35% do bolo do que antes;
– Analisando nesta perspectiva o desempenho de algumas das outras candidaturas repetentes, constatamos que Pereira Coutinho tem mais 0,95% do total de votos do que em 2005 (passou de 7,99% para 8,94%), Melinda Chan mais 0,69% do que o seu marido (de 4,87% para 5,56%), Ângela Leong mais 0,56% (de 9,32% para 9,88%) e Mak Soi Kun mais 0,52% do que o seu antecessor, Fong Chi Keong (de 6,83% para 7,35%). Com os kaifong, deu-se um fenómeno curioso: passaram de 9,60% para 10,21% (mais 0,61% do total), fruto de um reforço de 3048 votos, mas, ainda assim, perderam um deputado. Repare-se: na percentagem global dos escrutínios (que é o que decide a distribuição dos assentos parlamentares), os kaifong até cresceram mais do que os democratas (mais 0,61% contra mais 0,35%, respectivamente), mas perderam um deputado para estes, o que é bem revelador do acerto da estratégia de Ng Kuok Cheong e Au Kam San em se dividirem por duas equipas, já que isso lhes permitiu obstar ao desperdício de votos verificado em 2005;
– Chan Meng Kam não perdeu o seu companheiro de bancada, mas nem por isso se pode dar por muito satisfeito: desbaratou 2926 seguidores e emagreceu de 16,57% do total para 12,07% (menos 4,5%). O que lhe valeu foi a “reserva” de há quatro anos (os votos que então não lhe chegaram para meter o terceiro deputado);
– Já Casimiro Pinto, até conseguiu mais 39 “sins” do que Sales Marques (931 contra 892), mas deteriorou o desempenho percentual do seu predecessor (0,63% do total, contra 0,71% – uma descida de 0,08%). Um fraco resultado; ainda mais, tendo em conta o esforço de alargamento do projecto a outras comunidades. Até Lee Kin Yun, o jovem radical da lista 9, conseguiu ultrapassar a Voz Plural, quase duplicando a votação obtida em 2005 (de 655 para 1162 votos) e passando de 0,52% para 0,79% do total de boletins apurados – e, praticamente, sem quaisquer meios...
Dos valores acima apresentados, pode concluir-se, com segurança, que o desempenho das diversas candidaturas se manteve bastante estável, apenas se destacando o “pulo” dos operários e a penalização do grupo de Fujian; contudo, em ambos os casos, sem qualquer efeito prático no número de deputados conquistados. Aliás, como também pudemos constatar, a única “transferência da época” deveu-se, tão-somente, a uma inteligente gestão do seu “mercado” pelos democratas.
Resta acrescentar que, assumindo as listas 4 e 15 como duas partes do mesmo corpo, os doze lugares da Assembleia Legislativa a preencher por sufrágio directo e universal ficaram, uma vez mais, nas mãos de oito concorrentes, que açambarcaram 88,18% dos votos apurados (mais 0,9% do que em 2005 – 87,28% –, provavelmente por efeito da diminuição do número de listas que se apresentaram a votos).
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a selecção desta crónica para as suas «Leituras» da semana.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009
Reflexões de campanha (II)

Jornal Tribuna de Macau
17 de Setembro de 2009
Estamos a escassos dias de escolher doze dos nossos representantes na Assembleia Legislativa (diria mesmo, os nossos únicos verdadeiros representantes, considerando a forma como os demais deputados e o Chefe do Executivo são apurados) e constato que diversas das listas concorrentes ao sufrágio de domingo continuam a fazer tábua rasa das instruções da Comissão dos Assuntos Eleitorais. Ainda ontem à tarde, deparei-me com um sem número de cartazes de uma das candidaturas afixados na entrada e nas montras de uma grande loja de electrodomésticos no NAPE, a curta distância das instalações do Ministério Público... Não sei se estes abusos produzem algum efeito positivo no sentido de voto dos eleitores (em mim, o resultado é precisamente o oposto), mas não deixa de me impressionar a impunidade com que estas situações se vão sucedendo dia após dia.
Depois, há os brindes e as refeições grátis. Ninguém pode quantificar ao certo o seu peso nas contas finais, mas não me esqueço do famoso candidato a uma autarquia do norte de Portugal que se dizia andar a distribuir pequenos electrodomésticos durante as suas acções de campanha. Os críticos vaticinavam que a população agiria de forma “manhosa”: ficava com as ofertas, mas não alterava o sentido do voto. Puro engano: os órgãos autárquicos mudaram mesmo de mãos! Por isso, não julgo serem de menosprezar os lamentos de alguns candidatos em relação ao potencial destes métodos, especialmente quando muitos eleitores de Macau sentem que o seu voto para nada serve, já que os deputados eleitos continuarão em minoria no parlamento e a ter pouco poder face ao Governo. Por isso, entre nada e uns mimos, que venham os mimos e o generoso candidato até pode levar o nosso voto.
Como já escrevi há quatro anos, só vejo duas formas de esta realidade mudar significativamente: com um grande investimento público na formação cívica dos cidadãos e com um forte alargamento do sufrágio directo e universal, até à sua completa generalização. Ora, estes são, precisamente, os dois esforços que o poder político em Macau teima em não fazer. Arriscamo-nos, assim, a continuar a assistir a condutas que, na prática, não diferem muito da corrupção eleitoral e a ouvir, dentro de quatro anos, o Governo argumentar que, uma vez mais, ainda não há condições para termos mais deputados eleitos directamente pelos residentes permanentes do território.
Enfim, tentando não chorar muito sobre o leite derramado, vamos, então, às opções para domingo. Tenho amigos, conhecidos e pessoas que muito prezo envolvidas em diversas listas. Porém, o dever cívico que me é solicitado cumprir não é que escolha amigos.
Reconheço bastante valor em vários candidatos colocados em posições não elegíveis; ou seja, abaixo do número dois (sendo que, na maioria dos casos, nem o número dois da lista pode ser considerado, realisticamente, elegível). Todavia, com franqueza, estes candidatos em lugares não elegíveis não aquecem nem arrefecem, já que não têm qualquer hipótese de chegar à Assembleia Legislativa. De que me serve, por exemplo, que o terceiro (ou o segundo) nome da lista “A” ou “B” seja um excelente jurista ou um excelente economista? Por muito que eu vote nessa lista, nunca o conseguirei eleger!
Algumas candidaturas têm organizado interessantes iniciativas, promovendo o debate de ideias e a sensibilização dos cidadãos para os mais diversos problemas que a todos afligem. Independentemente da votação que obtiverem daqui a dias, esse mérito já ninguém lhes tira. Mas também não é isso que vai a jogo no domingo, até porque a continuidade dessas acções não depende da obtenção de um assento parlamentar.
Do mesmo modo, não vamos eleger um governo, nem sequer a maioria dos legisladores. Daí que os programas eleitorais também não tenham, em boa verdade, grande significado. Aliás, até poderão tê-lo, mas mais pela negativa: um princípio ou uma proposta condenáveis (como a destruição do nosso património arquitectónico ou a total privatização da saúde) seriam, ou deveriam ser, motivo suficiente para a ostracização de uma candidatura. De resto, desde que não se meta uma “argolada”, os detalhes de cada programa passarão ao lado de quase todos nós.
Tudo ponderado, o que realmente me interessa é escolher pessoas que possam contribuir para um maior equilíbrio de forças dentro da Assembleia Legislativa, e entre esta e o órgão executivo (que já tem dezassete aliados garantidos no hemiciclo). Pessoas com competência, mas também com a necessária coragem e descomprometimento para fiscalizar o Governo e fazer frente aos poderes instalados na nossa sociedade. Pessoas que não confundam consensos com capitulação – porque ceder a tudo o que nos é imposto não é ser consensual, nem é promover a harmonia; é capitular. Em política, só há consensos razoáveis quando ambos os lados têm força e coragem suficientes para defender os seus valores. Tudo o resto são falsos consensos e falsas harmonias!
É isto que vai estar em causa no próximo domingo, quando pusermos o nosso carimbo no boletim de voto, e é isto que temos que sopesar quando formos decidir entre os diversos candidatos que julgamos elegíveis. Pense bem, porque o seu voto pode, afinal, ser mais importante do que pensa! E que vençam os melhores!
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quinta-feira, 10 de setembro de 2009
Reflexões de campanha (I)

Jornal Tribuna de Macau
10 de Setembro de 2009
Inicio as breves reflexões que aqui tenciono fazer sobre as eleições do próximo dia 20 assinalando os dois aspectos que, a meu ver, já estão antecipadamente a marcá-las pela negativa: desde logo, esta é a primeira vez, após a transferência de soberania, que o número de assentos na Assembleia Legislativa não progride. No acto eleitoral de 2001, passaram de dezasseis para vinte os deputados saídos das vias directa e indirecta (dez em cada). Em 2005, o sufrágio universal deu mais um passo em frente, decidindo doze deputados. Mas isto era o que estava estipulado no Anexo II da Lei Básica, como se sabe. Quando o poder político de Macau teve oportunidade de propor um novo reforço do poder do voto, o resultado foi o que também todos conhecemos: escudou-se na prioridade da luta contra a corrupção e ficou-se pela retórica do «Macau governado pelas suas gentes». Maior sufrágio universal só quando os poucos iluminados acharem que o Zé-povinho está preparado para pensar e se portar bem...
Curiosamente, alguns dos que agora, em tempo de campanha, dizem querer lutar por um forte incremento no número de parlamentares designados por sufrágio directo já em 2013, para que estes passem a constituir a maioria do hemiciclo, são os mesmos que estiveram calados ou até aplaudiram a travagem da democracia no ano transacto, aquando da revisão das leis eleitorais. Para estas eleições, nem mais um deputado podia ser escolhido pelo povo; para as próximas, já podemos dar não o passo, mas o pulo em frente! A coerência e a demagogia política nunca combinaram bem...
Idênticas incongruências podemos apontar na postura do nosso Executivo: alega que o grande combate deste ano é contra a praga da corrupção eleitoral e faz uma interpretação draconiana das leis eleitorais no que toca à actuação dos candidatos fora do período oficial de campanha, mas, simultaneamente, decide distribuir entre as associações uma benesse de trezentas patacas por cabeça para organizarem banquetes comemorativos do décimo aniversário do handover. Ora, associações e repastos de borla são das combinações mais “explosivas” que há em termos de corrupção eleitoral e de pré-campanha em Macau! Tanto que os restaurantes chineses mais espaçosos e populares do território andavam constantemente cheios nas semanas que antecederam o arranque da campanha. Porquê? Claro, porque as associações desataram a aproveitar as trezentas pataquinhas para organizar almoços e jantares de promoção dos seus candidatos à Assembleia Legislativa. Tudo debaixo das barbas da Comissão dos Assuntos Eleitorais – cuja credibilidade, aliás, anda pelas ruas da amargura, depois de tomadas de posição como a relativa à propaganda encapotada na revista dos kaifong...
O segundo factor negativo a marcar este acto eleitoral é a circunstância de os dez deputados a sufragar pela via indirecta já estarem escolhidos desde a formalização das respectivas candidaturas, numa repetição do que sucedeu há quatro anos, o que acarreta um tremendo descrédito para o sistema político de Macau, como bem se compreende. E, se dúvidas houvesse, bastaria espreitar o que diz a imprensa internacional quando aborda o assunto. Há quem proteste a inocuidade das críticas que vêm de fora, mas eu, pessoalmente, não gosto de saber que a minha terra adoptiva (e onde, até há poucos anos, esvoaçou o pavilhão do meu país, que tem responsabilidades históricas no que aqui se passa) é tida, na esfera universal, como assumindo resquícios de república das bananas. Pior ainda quando essa leitura até nem parece andar muito longe da verdade...
Do velho argumento da necessidade de consensos falaremos na próxima semana.
PS: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão desta crónica na sua selecção de «Leituras» da semana. E é verdade: serão apenas dois artigos sobre a campanha eleitoral. Não há tempo para mais, uma vez que a votação é já no próximo domingo.
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quarta-feira, 9 de setembro de 2009
O pós-antologia
As minhas crónicas «Antologia da transparência», publicadas no Jornal Tribuna de Macau ao longo das últimas onze semanas, cobrem o período entre o rebentamento do escândalo da Fundação Jorge Álvares, por volta de 14 de Janeiro de 2000, e a divulgação das conclusões do relatório da comissão que Edmund Ho nomeou para investigar o caso, em finais de Março seguinte.
Depois disso, continuaram a sair inúmeros artigos sobre o tema na imprensa local e de Portugal, alguns dos quais tenciono aqui reproduzir. O editorial do Ponto Final de 14 de Abril de 2000 é um deles:
PS: quem discordar do que tenho escrito n'O Protesto - seja na minha coluna do JTM, seja neste blogue -, está, como é óbvio, inteiramente à vontade para tornar pública essa discordância. Estou certo de que o JTM, até em nome do direito de resposta, não negará espaço a tais vozes. Da minha parte, fica igualmente assegurada a publicação neste blogue de qualquer mensagem devidamente identificada que me seja dirigida sobre o assunto.
Depois disso, continuaram a sair inúmeros artigos sobre o tema na imprensa local e de Portugal, alguns dos quais tenciono aqui reproduzir. O editorial do Ponto Final de 14 de Abril de 2000 é um deles:

Por isso, meus senhores, em vez de andarem a transmitir ao director do JTM queixinhas e ameaças em surdina contra os meus textos, assumam-se, dêem a cara e exponham a vossa versão dos factos, tal como eu apresentei a minha perspectiva - que, em consciência, acredito corresponder à verdade - do que investiguei e analisei. Os leitores tirarão, depois, as suas conclusões.
Uma última nota: a cobardia é uma coisa muito feia, que em nada dignifica o ser humano, e os cobardes não me intimidam. Aliás, já fui alvo de tantas cobardias, antes e depois de 99, que já estou como que "vacinado" contra elas. Será possível que ainda não tenham percebido isso?
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ponto final
Índice da «Antologia da transparência»
A pedido de alguns leitores e amigos, aqui fica o índice das onze partes em que se dividiu a «Antologia da transparência», publicada na minha coluna semanal O Protesto, do Jornal Tribuna de Macau:
Parte I
Parte I
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sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Os casinos mais rentáveis de Macau

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quinta-feira, 3 de setembro de 2009
Antologia da transparência (XI)

3 de Setembro de 2009
A 27 de Março de 2000, o Ponto Final enviava um fax ao general Rocha Vieira, interpelando-o sobre as conclusões da comissão de inquérito à FJA. Entre outros aspectos (num conjunto de onze questões), era-lhe pedido que confirmasse se, de facto, apenas dera ordens verbais para a transferência do dinheiro da FCDM para Lisboa e, em caso afirmativo, porquê. Era-lhe, também, perguntado se admitia a hipótese de devolução dessa verba e se apoiava a publicitação das conclusões do inquérito.
O ex-governador preferiu não responder a nenhum destes pontos, optando por distribuir, decorridos dois dias, um texto a toda a comunicação social portuguesa, no qual interpretava as declarações (ou os silêncios, melhor dizendo...) de Edmund Ho na conferência de imprensa do dia 24 como a prova da inexistência de qualquer ilegalidade ou ilegitimidade na atribuição do subsídio da FCDM à FJA, indo ao ponto de afirmar que «essa aplicação de fundos na constituição do património de uma fundação localizada em Portugal estava enquadrada nos objectivos e nas múltiplas outras acções que foram sendo concretizadas pela Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau» e que «o que foi por mim decidido, no âmbito das minhas competências próprias, no sentido de apoiar a formação da Fundação Jorge Álvares, teve total transparência e foi comunicado, em tempo, aos futuros responsáveis pela Região Administrativa Especial de Macau. Foi essa minha decisão, legal e legítima, que permitiu constituir uma instituição vocacionada para a cooperação entre Portugal e Macau que de outro modo não existiria».
O Público do dia seguinte reproduzia o comunicado, à semelhança de grande parte da imprensa portuguesa, mas com a seguinte caixa da jornalista Isabel Braga: «o general nada esclareceu e argumentou com um pormenor: está tudo certo, a prova é que as autoridades chinesas quiseram manter secreto o relatório que mandaram instaurar à situação». E voltava à carga no final da semana, a 1 de Abril, galardoando o ex-governador com mais um «Desce», assim fundamentado: «finalmente. Após meses e meses de silêncio, o general Rocha Vieira resolveu dizer alguma coisa sobre a Fundação Jorge Álvares, entidade privada que ele criou com dinheiro do orçamento de Macau e a que (magnanimamente) preside. Foi preciso as novas autoridades do território dizerem duas coisas: que tinham investigado o assunto; e que, das conclusões secretas da investigação, só podia ser revelado que o general não podia ter feito o que fez. Perante isto, Rocha Vieira disse algo verdadeiramente enigmático: que o facto de o relatório ser secreto provava a sua inocência. Como? Importa-se de repetir?».
O Ponto Final de 31 de Março fazia a cronologia do que se passara dentro da FCDM, segundo o relatório da comissão de inquérito: a 12 de Novembro de 1999, Rocha Vieira encontrara-se com Gabriela César, presidente do Conselho de Administração, dando-lhe instruções verbais para que fosse concedido um subsídio a uma fundação a constituir e informando-a de que a nova entidade iria manter ligações com o Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), organismo sob a tutela do Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal; a 23 desse mês, a FCDM recebia um fax dos dois elementos da comissão instaladora da FJA – Alexandra Costa Gomes e Manuel Coelho da Silva –, solicitando o donativo e reiterando que a FJA iria desenvolver actividades conjuntas com o CCCM, de que Alexandra Costa Gomes era coordenadora; no dia seguinte, cumprindo ordens do governador, o seu chefe de gabinete remetia para a FCDM, a título confidencial, uma carta da Missão de Macau em Lisboa, de que Alexandra Costa Gomes também era coordenadora, e por ela assinada (na mesma altura, o ajudante de campo de Rocha Vieira – que se encontrava em Pequim, na sua derradeira viagem oficial – telefonara da capital chinesa a Gabriela César, comunicando-lhe que o general gostaria que tudo ficasse resolvido o quanto antes e realçando que o montante a conceder seria de cinquenta milhões de patacas); a 25, no decurso de uma reunião do Conselho de Administração da FCDM, o pedido de subsídio era submetido à discussão e aprovado, sem que, no entanto, este assunto tivesse sido previamente fixado na ordem de trabalhos; a 13 de Dezembro, Alexandra Costa Gomes e Manuel Coelho da Silva enviavam novo fax, solicitando a transferência do dinheiro para uma conta bancária do Banco Português do Atlântico em nome da FJA; a 14, a FCDM recebia novo fax de idêntico teor, mas vindo do CCCM; finalmente, a 15 de Dezembro, Gabriela César e Farinha Soares mandavam o BNU transferir o montante para a conta da FJA.
Em outro texto dessa edição do Ponto Final, João Paulo Meneses procurava, então, rematar o assunto com um exercício de perguntas e respostas: «a criação da FJA é uma iniciativa pessoal de Rocha Vieira? Sim, não restam dúvidas (...). De tal forma foi uma iniciativa pessoal que, soube-se agora, alguns dos curadores da Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento de Macau nem foram consultados sobre o donativo.
E foi ou não tudo feito à pressa? À pressa e em segredo. À pressa porque, foi revelado na conferência de imprensa de sexta-feira passada, o primeiro sinal foi em Setembro de 1999. A 23 de Novembro é feito um pedido de subsídio e só a 14 de Dezembro é constituída notarialmente a Fundação. No dia seguinte, seguem da FCDM para Lisboa 50 milhões de patacas. Três dias depois é a reunião dos curadores no Mandarim e 24 horas depois acaba a administração portuguesa. Não há dúvidas: Rocha Vieira, com toda esta pressa, parece que adivinhava o que aconteceria se optasse por criar primeiro a Fundação e, depois de explicar os objectivos, pedir o dinheiro já com a RAEM constituída. Por isso, nada melhor do que não haver oposição...
Sinal também do secretismo foram as respostas que Rocha Vieira deu aos jornalistas que, com insistência, lhe perguntavam o que pretendia fazer depois de 20 de Dezembro. Um jornalista do Ponto Final chegou mesmo a perguntar-lhe se iria manter a ligação a Macau. Mas o general nunca se desmanchou...
Como é que Rocha Vieira conseguiu o apoio de todos os antigos governadores? Dois dos antigos governadores, que fazem parte do Conselho de Curadores, garantiram ao Ponto Final, durante estes dois meses e meio, ter dúvidas sobre a forma como nasceu a Fundação. Mas, estando em minoria, não quiseram ser eles “a abandonar o barco” na hora mais difícil. A forma como alguns souberam da Fundação também não deixa de ser sintomática: alguns garantem ter ouvido falar do assunto já em Macau, quando desembarcaram para as cerimónias (...).
Edmund Ho quis proteger Rocha Vieira? Claramente, Rocha Vieira e, talvez mais do que isso, a administração portuguesa de Macau. Todos os sinais apontam para a contenção do Chefe do Executivo, que não quis dizer tudo o que sabe (...). Além disso, há a viagem a Portugal em Maio e quer Macau quer Portugal vão fazer tudo o que for possível para que o assunto não seja abordado. Por isso, nada de deixar feridas abertas (...).
Edmund Ho foi ou não avisado antes? Foi uma das dúvidas iniciais (...). O então governador terá feito com Edmund Ho o que fez com Jorge Sampaio. Directa e indirectamente fez-lhes chegar a informação de que estava a patrocinar uma fundação com o objectivo de aproximar Portugal e Macau. Falta saber se o grau de informação foi mais profundo do que a simples intenção de criar a FJA e se envolveu, por exemplo, a questão do donativo (...).
Porque é que, com toda esta polémica, Rocha Vieira não decidiu devolver o dinheiro à FCDM? Era a solução mais lógica e, pelo menos aparentemente, a de mais bom senso. Até porque em Macau apenas Jorge Rangel apoiou o subsídio. Até curadores como Susana Chou ou Anabela Ritchie decidiram sair no início da polémica. A devolução dos cinquenta milhões acabava por ser a melhor garantia de que a FJA poderia trabalhar na RAEM. Mas isso não aconteceu. Por dois motivos: porque isso seria o reconhecimento de um erro grave (se se devolve é porque se fez mal em aceitar...) e porque a FJA tem um fundo inicial relativamente fraco (...)».
Num registo final, Severo Portela partilhava com os leitores o desabafo que ouvira de colegas da imprensa chinesa: «nem nos tempos mais ásperos, dos mais autocráticos imperadores da história da China, se movimentava o erário público com base em simples ordens verbais. Pelo menos, um, dois carimbos». E fazia o inevitável paralelo: «que diriam os súbditos britânicos se Chris Patten surgisse à frente de uma fundação privada constituída à última da hora – alimentada com dinheiros, públicos e privados, de Hong Kong –, alegando que dera conhecimento desse projecto às autoridades que lhe sucediam, que este se enquadrava no espírito da Declaração Conjunta, e numa linha de rumo qualquer e o que mais entendesse dizer?».
Muito mais haveria a escrever, até porque as ondas de choque deste vergonhoso episódio não se ficaram por aqui, mas esta narração já vai longa e referi, na semana passada, que a «Antologia da transparência» findava hoje – tendo em consideração que a campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa está à porta e entendo dever acompanhá-la nas minhas próximas crónicas (haja substrato para isso...).
Deixo para os leitores as conclusões de tudo o que escrevi ao longo de onze semanas. Julgo que apresentei aqui elementos suficientes para que cada um possa fazer uma avaliação relativamente segura dos factos e das intenções que os determinaram.
Não me venha é o senhor general repetir o que disse (com soberba) no Clube Militar em 14 de Junho último: «cumpri o meu dever e nunca deixei de dormir por causa da fundação. Não acredito que haja fundações com maior transparência que esta». Quanto a isso, estamos conversados!
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quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Antologia da transparência (X)

Jornal Tribuna de Macau
27 de Agosto de 2009
Em virtude de os jornais portugueses de Macau não se publicarem (então) ao sábado, foi na imprensa de Portugal que surgiram as primeiras reacções à conferência de imprensa que Edmund Ho dera na véspera, 24 de Março de 2000, para anunciar as conclusões da comissão de inquérito nomeada para investigar o caso FJA.
O Público, em mais um trabalho do seu correspondente no território, Luís Andrade de Sá («Quando e como tudo se passou»), começava por sumariar o historial do processo que conduzira à atribuição do subsídio de 50 milhões de patacas pela FCDM, segundo o relatório da comissão: «a primeira referência à criação de uma fundação em Lisboa é feita em 12 de Setembro de 1999, durante uma reunião em que participam Rocha Vieira e a administração da FCDM. A justificação dada para a iniciativa foi uma intervenção na área da ciência e tecnologia, ligada ao Centro Cultural e Científico de Macau, que funciona em Lisboa, na dependência do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Em 23 de Novembro, a FCDM recebe um fax da Fundação Jorge Álvares, pedindo um subsídio. Idêntica missiva chega no dia seguinte ao Palácio do Governo, tendo o Chefe de Gabinete do Governador enviado o pedido também para a FCDM. Esta, autorizando o subsídio, decide esperar pelo registo notarial da Jorge Álvares. No dia 13 de Dezembro, uma semana antes da transferência de administração do Território, a FCDM recebe novo fax de Lisboa comunicando que a Fundação Jorge Álvares tinha acabado de ser registada. Um documento com o mesmo teor chega ao Palácio, que o encaminha novamente para a FCDM. No dia 15 de Dezembro, a FCDM envia 50 milhões de patacas para Lisboa, através do BNU».
Em outra peça daquele diário («Rocha Vieira deu ordens verbais para pagar»), Luís Sá destacava que «o juiz que conduziu o inquérito insiste em dizer que a fundação não podia ter sido financiada como foi», enquanto «Edmund Ho, pelo seu lado, escusa-se a comentar a conduta do último governador português. Diz que o general só tem que responder perante Jorge Sampaio». Contudo, «em Belém não há comentários».
Já em relação à FCDM, Edmund Ho não fora tão neutral nas palavras, tendo comunicado aos jornalistas que decidira ordenar a sua fusão com a Fundação Macau, dado que ambas apresentavam «muitas áreas cinzentas».
Quanto aos pormenores do documento elaborado pela equipa presidida por Vasco Fong, o Chefe do Executivo nada mais acrescentara na conferência de imprensa, quedando-se, segundo o Público, pelas generalidades, ao contrário do magistrado, que se não furtara a algumas observações mais concretas, como «a sua convicção de que o conselho de administração da FCDM não tinha poderes para efectuar uma transferência para o exterior superior a quinhentas mil patacas», em face do disposto no «regime financeiro dos serviços autónomos e fundos públicos», lembrando que «não houve uma autorização expressa para aquele movimento de fundos», facto «confirmado por Gabriela César, da administração da FCDM, que disse ter recebido ordens verbais de Rocha Vieira, na altura presidente do conselho de curadores da FCDM, para transferir o dinheiro» (porém, esta discordava de Vasco Fong no tocante aos limites dos poderes próprios da fundação).
Questionado sobre a eventual actividade futura da FJA em Macau, Edmund Ho respondia desta forma: «vou ser franco. Nos últimos dez anos, depois da Fundação Oriente e, agora, com a Fundação Jorge Álvares, a sociedade de Macau não aceita que os recursos de Macau sejam transferidos para fora da região. É necessário tempo para que as pessoas aceitem o que agora não aceitam».
Perante este desfecho da investigação ao financiamento da FJA, o Público atribuía novo «Desce» da semana a Rocha Vieira, acusando-o de ter mandado a FCDM transferir o dinheiro apenas por ordem verbal «para tudo ser mais discreto». E propunha: «o melhor, agora, era encerrar a fundação, devolver o dinheiro e dar o episódio por encerrado. O que impede o general deste acto de contrição?».
Considerando a exiguidade de detalhes por que se pautou a conferência de imprensa de 24 de Março, justifica-se retornar ao Ponto Final desse dia, uma vez que, como referi na minha última crónica, o semanário (que terá tido acesso ao relatório do trio de investigadores) antecipou muito do que Edmund Ho acabaria por, afinal, preferir guardar para si. Por exemplo, que o ex-governador, «enquanto presidente do Conselho de Curadores da FCDM, deveria ter submetido a concessão do subsídio à aprovação daquele mesmo órgão. E a verdade é que, em declarações prestadas à comissão de inquérito, por escrito, vários curadores disseram não ter sido consultados sobre o donativo. Foi o caso de Tavares da Silva, Anabela Ritchie, Edith Silva e do próprio Stanley Ho». Além disso, o general «deveria ter-se considerado impedido (por interesse manifesto na questão) em tudo o que estivesse relacionado com a concessão do subsídio, quer estivesse a actuar na qualidade de governador, quer estivesse a agir como entidade tutelar da FCDM, quer ainda no desempenho das funções de presidente do Conselho de Curadores. E não o fez, como o relatório se encarrega de demonstrar na parte que alude aos factos. Assim, o relatório conclui também, como corolário lógico, que Rocha Vieira violou a lei e que, ao fazê-lo, terá incorrido numa infracção disciplinar grave. Finalmente, o ex-governador é ainda acusado de ter interferido directamente na concessão de um subsídio de montante elevado sem ter fundamento legal para o fazer».
Sobre a actuação do Conselho de Administração da FCDM, a equipa de Vasco Fong terá assinalado que, «ao receber a ordem de Rocha Vieira (uma expressão muito usada ao longo do texto) para a concessão do subsídio, deveria ter diligenciado no sentido de que a ordem fosse dada por escrito. Não o tendo feito, agiu de forma negligente». Ademais, aquele órgão «nunca soube distinguir quando é que Rocha Vieira agia como governador, como entidade tutelar ou como presidente do Conselho de Curadores. E devia ter pugnado por essa clarificação. Não cuidou também de saber para que iniciativas em concreto eram canalizadas as verbas que cedia, como mandam as regras da boa gestão dos fundos públicos. E mais: embora tenha sido intransigente na concessão do subsídio apenas quando a Fundação Jorge Álvares estivesse constituída (...), a verdade é que acabou por atribuir uma verba a uma fundação sem personalidade jurídica, já que esta só se ganha com o reconhecimento. E a FJA, nota o relatório, não estava então reconhecida».
O Conselho Fiscal da FCDM também terá merecido dura reprimenda no relatório: reuniões por realizar, ausência de actas das realizadas, tomada de conhecimento deste e de outros donativos apenas depois de consumadas as transferências – em suma, «um caso grosseiro de negligência e de total alheamento das finalidades do órgão (...). Não se estranha, por isso, o desconforto do presidente do Conselho Fiscal, Stanley Au, até há dias um dos mais acérrimos defensores de que o relatório, por razões de transparência, deveria ser divulgado publicamente em toda a sua extensão».
(a concluir na próxima semana)
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quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Antologia da transparência (IX)

20 de Agosto de 2009
Em editorial no Ponto Final de 3 de Março, Ricardo Pinto reagia à forma como Jorge Rangel justificara, em sucessivas declarações a diversos meios de comunicação social locais, o subsídio atribuído ao IIM: «é uma opinião a que tem direito, naturalmente, e que respeitamos (...). Mas também temos o direito de não concordar com essa tese. Somos, na verdade, dos que pensam que em circunstância alguma devem os governantes colocar-se em situação de poder violar os princípios e as regras da isenção e independência, a que estão obrigados por lei (...). Igualmente condenável, em nossa opinião, é o apelo lançado pelo antigo secretário-adjunto, na entrevista à TDM, para que alegados desestabilizadores de um clima de boa harmonia fossem “isolados e identificados”. É algo que não esperávamos ouvir nos dias que correm. Soa, decididamente, a caça às bruxas, muito comum em sociedades não democráticas, onde o papel da imprensa se resume à mera amplificação dos desígnios do poder e onde qualquer desvio à norma transforma o seu autor num inimigo a abater».
No dia seguinte, o Público apresentava duas cartas recebidas de Manuel Coelho da Silva e Jorge Rangel, contestando a peça «Jorge Rangel imita Rocha Vieira», de 25 de Fevereiro. No essencial, o primeiro desmentia ter alguma vez «definido os macaenses como “eunucos culturais”», conforme «demonstrado em processo judicial (...) que culminou com esclarecimentos públicos e pedidos formais de desculpas dos principais envolvidos na atribuição de tal afirmação». Já o presidente do IIM acusava o autor da notícia (Luís Andrade de Sá) de procurar «dar difusão nacional a questões locais tratadas num órgão paroquial vendendo semanalmente centenas de exemplares» (o Ponto Final) e insistia na argumentação esgrimida, por exemplo, junto do Macau Hoje e da TDM.
A 10 de Março, o Ponto Final anunciava que Edmund Ho, acabado de regressar de uma sessão da Assembleia Nacional Popular, em Pequim, receberia, ao final desse dia, o relatório da comissão de inquérito por si nomeada para averiguar o subsídio de 50 milhões de patacas que Rocha Vieira mandara a FCDM transferir para a FJA.
Uma semana depois, o mesmo jornal avançava que as conclusões do documento, de 91 páginas, seriam divulgadas até ao fim do mês, após a sua apreciação pelo Chefe do Executivo, e que a comissão se encontrava já a trabalhar num segundo relatório, este dedicado ao exame das regras de funcionamento das fundações públicas locais em geral; designadamente, a FCDM e a Fundação Macau.
Simultaneamente, o Ponto Final dava conta da censura da Associação dos Macaenses (ADM), então liderada por Luís Pedruco, ao caso FJA, em tomada de posição veiculada no último número do seu boletim, A Voz: «bem andariam os órgãos competentes do Estado Português se também promovessem um inquérito sobre a correcção legal, moral e política do modo como foi feita a angariação de fundos para a discutida fundação (...). Quando é posto em causa de forma tão estrondosa e negativa o mais alto representante de Portugal em Macau, é indispensável que tudo se esclareça, é necessário ilibar ou responsabilizar». Para a ADM, a opinião pública «não se contenta com juízos de legalidade, não precisa de ir ao advogado para aprovar ou reprovar, para sentir o que está bem e o que está mal» e este tipo de iniciativas (fundos públicos de Macau transferidos para fundações privadas sediadas em Portugal) «nunca foi bem aceite pela população de Macau (...). A comunidade portuguesa de Macau, apanhada de surpresa, tem assistido a tudo com pesar e, naturalmente, sofre e sente humilhação quando vê atingido o bom nome dos portugueses», merecendo, por isso, «uma explicação sobre o que se passa com a nova fundação».
O anúncio público das conclusões da comissão de inquérito acabaria por ser agendado para uma conferência de imprensa ao meio-dia de 24 de Março. O Ponto Final aproveitava o facto de sair nessa manhã (ainda funcionava em formato semanal) para recordar os passos de Edmund Ho desde que recebera o documento e antecipar o seu conteúdo. Os leitores ficavam, assim, a saber que os membros dos conselhos de administração, de curadores e fiscal da FCDM já se haviam reunido duas vezes com o Chefe do Executivo nessa semana: a primeira, para lhes serem distribuídas cópias do relatório e trocarem algumas impressões sobre este; a segunda, para o debaterem a fundo, num encontro que se teria prolongado «por cerca de quatro horas» e ainda continuado mais tarde, embora já sem a presença de alguns dos membros dos órgãos sociais da FCDM.
Sobre o primeiro desses encontros, Ricardo Pinto assegurava que, «após uma leitura rápida das conclusões, houve logo quem tivesse manifestado desagrado face ao teor do documento (...). Os elementos mais críticos foram Jorge Rangel, curador da FCDM e também da FJA, e Stanley Au, presidente do Conselho Fiscal da FCDM». À entrada para a segunda reunião, três dias depois, um dos elementos da FCDM teria reconhecido aos jornalistas que «as conclusões do documento representavam, acima de tudo, “um imenso desconforto”». Após quatro horas fechados, Stanley Ho, também ele curador da FCDM, deixava escapar aos jornalistas que havia «sérias divergências entre os elementos da FCDM quanto a questões jurídicas emergentes do processo e à forma como estas foram tratadas pela comissão de inquérito».
Relativamente ao teor concreto do relatório, o director do Ponto Final adiantava inúmeros detalhes; bem mais, aliás, do que aqueles que Edmund Ho acabaria por revelar horas depois de o jornal chegar às bancas. Mas disso falaremos na próxima semana...
(continua na próxima semana)
No dia seguinte, o Público apresentava duas cartas recebidas de Manuel Coelho da Silva e Jorge Rangel, contestando a peça «Jorge Rangel imita Rocha Vieira», de 25 de Fevereiro. No essencial, o primeiro desmentia ter alguma vez «definido os macaenses como “eunucos culturais”», conforme «demonstrado em processo judicial (...) que culminou com esclarecimentos públicos e pedidos formais de desculpas dos principais envolvidos na atribuição de tal afirmação». Já o presidente do IIM acusava o autor da notícia (Luís Andrade de Sá) de procurar «dar difusão nacional a questões locais tratadas num órgão paroquial vendendo semanalmente centenas de exemplares» (o Ponto Final) e insistia na argumentação esgrimida, por exemplo, junto do Macau Hoje e da TDM.
A 10 de Março, o Ponto Final anunciava que Edmund Ho, acabado de regressar de uma sessão da Assembleia Nacional Popular, em Pequim, receberia, ao final desse dia, o relatório da comissão de inquérito por si nomeada para averiguar o subsídio de 50 milhões de patacas que Rocha Vieira mandara a FCDM transferir para a FJA.
Uma semana depois, o mesmo jornal avançava que as conclusões do documento, de 91 páginas, seriam divulgadas até ao fim do mês, após a sua apreciação pelo Chefe do Executivo, e que a comissão se encontrava já a trabalhar num segundo relatório, este dedicado ao exame das regras de funcionamento das fundações públicas locais em geral; designadamente, a FCDM e a Fundação Macau.
Simultaneamente, o Ponto Final dava conta da censura da Associação dos Macaenses (ADM), então liderada por Luís Pedruco, ao caso FJA, em tomada de posição veiculada no último número do seu boletim, A Voz: «bem andariam os órgãos competentes do Estado Português se também promovessem um inquérito sobre a correcção legal, moral e política do modo como foi feita a angariação de fundos para a discutida fundação (...). Quando é posto em causa de forma tão estrondosa e negativa o mais alto representante de Portugal em Macau, é indispensável que tudo se esclareça, é necessário ilibar ou responsabilizar». Para a ADM, a opinião pública «não se contenta com juízos de legalidade, não precisa de ir ao advogado para aprovar ou reprovar, para sentir o que está bem e o que está mal» e este tipo de iniciativas (fundos públicos de Macau transferidos para fundações privadas sediadas em Portugal) «nunca foi bem aceite pela população de Macau (...). A comunidade portuguesa de Macau, apanhada de surpresa, tem assistido a tudo com pesar e, naturalmente, sofre e sente humilhação quando vê atingido o bom nome dos portugueses», merecendo, por isso, «uma explicação sobre o que se passa com a nova fundação».
O anúncio público das conclusões da comissão de inquérito acabaria por ser agendado para uma conferência de imprensa ao meio-dia de 24 de Março. O Ponto Final aproveitava o facto de sair nessa manhã (ainda funcionava em formato semanal) para recordar os passos de Edmund Ho desde que recebera o documento e antecipar o seu conteúdo. Os leitores ficavam, assim, a saber que os membros dos conselhos de administração, de curadores e fiscal da FCDM já se haviam reunido duas vezes com o Chefe do Executivo nessa semana: a primeira, para lhes serem distribuídas cópias do relatório e trocarem algumas impressões sobre este; a segunda, para o debaterem a fundo, num encontro que se teria prolongado «por cerca de quatro horas» e ainda continuado mais tarde, embora já sem a presença de alguns dos membros dos órgãos sociais da FCDM.
Sobre o primeiro desses encontros, Ricardo Pinto assegurava que, «após uma leitura rápida das conclusões, houve logo quem tivesse manifestado desagrado face ao teor do documento (...). Os elementos mais críticos foram Jorge Rangel, curador da FCDM e também da FJA, e Stanley Au, presidente do Conselho Fiscal da FCDM». À entrada para a segunda reunião, três dias depois, um dos elementos da FCDM teria reconhecido aos jornalistas que «as conclusões do documento representavam, acima de tudo, “um imenso desconforto”». Após quatro horas fechados, Stanley Ho, também ele curador da FCDM, deixava escapar aos jornalistas que havia «sérias divergências entre os elementos da FCDM quanto a questões jurídicas emergentes do processo e à forma como estas foram tratadas pela comissão de inquérito».
Relativamente ao teor concreto do relatório, o director do Ponto Final adiantava inúmeros detalhes; bem mais, aliás, do que aqueles que Edmund Ho acabaria por revelar horas depois de o jornal chegar às bancas. Mas disso falaremos na próxima semana...
(continua na próxima semana)
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quinta-feira, 13 de agosto de 2009
Antologia da transparência (VIII)
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Jornal Tribuna de Macau
13 de Agosto de 2009
A notícia do subsídio ao IIM aprovado por Jorge Rangel chegava à imprensa de Portugal no mesmo dia em que aqui fazia a manchete do Ponto Final: na sua edição de 25 de Fevereiro de 2000, o Público, sob o título «Jorge Rangel imita Rocha Vieira», contava que «um membro do último governo português de Macau atribuiu um subsídio a uma entidade da qual se tornou presidente. “Déjà vu”? Sim, a história repete-se, mas o emaranhado de coincidências não acaba aqui. É que o conceito do “Macau português” transferiu-se para Lisboa, com a Fundação Jorge Álvares, de Rocha Vieira, a querer ser o “pivot” de grande parte das organizações criadas em torno do território do Oriente». Depois, o Público reproduzia os pormenores trazidos a lume pelo Ponto Final sobre os 3,6 milhões de patacas concedidos pelo ex-secretário-adjunto ao seu próprio instituto (descritos na minha última crónica).
Reportando-se à FJA, o matutino lisboeta encarava-a como uma espécie de «continuidade em funções» de Rocha Vieira: «com a instauração da RAEM, este conceito de Macau deslocou-se do rio das Pérolas para o espaço das Casas de Macau, das fundações, dos institutos e centros que foram criados e que, na sua maioria, são controlados pelo general ou por homens da sua confiança. A esta rede escapam apenas a Fundação Oriente, de Carlos Monjardino, e a Missão de Macau em Lisboa, tutelada pelo governo da RAEM. Mesmo o Centro Cultural e Científico de Macau, na dependência do Ministério da Ciência e Tecnologia, não está ao abrigo da influência da nova Fundação e é assim que, mesmo tendo deixado de ser governador, Rocha Vieira assume um papel incontornável na maioria das iniciativas ligadas à presença portuguesa no território».
No seu estilo característico, Severo Portela, citado no Público, exercitava a imaginação: «houvesse uma possibilidade de reconquista e Vieira seria um governador no exílio. Assim, é apenas uma espécie de príncipe no novo Macau virtual, porque o Macau como nós o conhecíamos acabou».
Seja como for, o “polvo” estava montado. Aliás, fora meticulosamente arquitectado ao longo dos derradeiros anos da administração portuguesa do território, alicerçado numa generosa política de distribuição de subsídios, cá e lá, a quem o general entendesse poder ser útil às suas futuras ambições políticas (o Palácio de Belém?).
Procurando desentranhar o «mundo de ligações» da FJA, o Público percorria o “registo biográfico” de alguns dos membros do seu conselho de curadores, incluindo os dois que haviam procedido ao registo da fundação «em Lisboa no dia 14 de Dezembro de 1999, menos de uma semana antes da transição»: Alexandra Costa Gomes e Manuel Coelho da Silva. A primeira, «que sobreviveu à mudança de Presidentes da República, primeiros-ministros e governadores na chefia da Missão de Macau em Lisboa, acumulando-a com a coordenação da Missão de Macau em Bruxelas e a participação como perita no Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, integrou a comissão instaladora e é agora directora do Centro Cultural e Científico de Macau (CCCM), criado pelo governo de Cavaco Silva. O CCCM é actualmente tutelado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, do qual Alexandra Gomes é quadro superior (...). Quanto a Coelho da Silva, a sua ligação a Macau data dos anos 80, quando exerceu o cargo de director dos Serviços de Educação e se viu envolto em polémica por ter definido os macaenses como “eunucos culturais”».
Outro curador da FJA mencionado pelo Público era «Guilherme Valente, o conhecido editor da Gradiva que foi assessor cultural de Rocha Vieira. A meio da década de 90, regressou a Portugal e foi nomeado pela administração de Macau para a representar na comissão instaladora do CCCM» (o visado reagiu de imediato a esta referência, enviando uma carta para o jornal, publicada dois dias depois. Um texto que recorria à velha e carunchosa dicotomia entre os bons portugueses – o ex-governador e os seus homens de mão – e os maus patriotas, que punham em causa o supremo interesse nacional – os críticos da FJA e de outros esquemas afins. O esforço de exacerbação do general foi, aliás, tanto que Guilherme Valente até confundiu o autor do artigo do Público – Luís Andrade de Sá – com o do Ponto Final ali evocado – Paulo Azevedo...).
De seguida, Jorge Rangel, ex-deputado e membro dos governos de Almeida e Costa e Rocha Vieira. Além de presidente do IIM, era apontado como curador da Fundação do Santo Nome de Deus de Macau, «uma instituição ligada à direita católica com sede em Lisboa».
A rematar, os curadores Celeste Hagatong e Guimarães Lobato; aquela, com «ligações familiares a um histórico presidente da Casa de Macau em Lisboa» e encabeçando o conselho fiscal da FJA, o único órgão social não ocupado por Rocha Vieira; este, «presidente do conselho de administração do Instituto de Soldadura e Qualidade de Portugal, que é accionista do instituto congénere macaense», e líder da Fundação Casa de Macau, proprietária do Pavilhão de Macau no Parque das Nações. «Nos últimos anos do seu mandato, Rocha Vieira atribuiu um subsídio de sessenta mil contos à Fundação Casa de Macau para comprar aquele pavilhão e também para aquisição de novas instalações, na Avenida Gago Coutinho, que substituíram a velha representação macaense no Príncipe Real».
Em entrevista ao Macau Hoje de 1 de Março, Jorge Rangel quebrava, finalmente, um longo silêncio e reagia à polémica em torno da FJA e do IIM. Sobre os cinquenta milhões de patacas entregues à FJA pela FCDM, justificou ser responsabilidade desta «viabilizar a cooperação e apoiar especialmente as iniciativas de organizações da sociedade civil consentâneas com os seus propósitos». No seu entendimento, o subsídio da FCDM teria sido, então, uma forma de Macau assumir a sua «quota-parte» no apoio financeiro às acções de cooperação entre instituições de Portugal e do território... Já no tocante aos dinheiros públicos por si despachados para o seu próprio instituto, legitimou-os com o pretexto de que o IIM, «como qualquer organização não governamental, sem fins lucrativos e com a classificação oficial de organismo de utilidade pública [também por si conferida...], pode e deve obter também apoios de instituições oficiais»...
Um “interessante” raciocínio, à atenção dos membros do actual Executivo de Edmund Ho que não venham a ser reconduzidos por Chui Sai On. Têm quatro meses para pensar no assunto, criar uma ONG e atribuir-lhe um generoso subsídio. Depois, já sabem...
(continua na próxima semana)
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sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Antologia da transparência (VII)

7 de Agosto de 2009
A 25 de Fevereiro de 2000, o Ponto Final fazia a primeira página com outro caso de contornos, aparentemente, afins dos da FJA: «dezenas de milhões de patacas foram canalizadas para a criação do Instituto Internacional de Macau, presidido pelo ex-secretário-adjunto Jorge Rangel. A principal benemérita foi a Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento, mas também a Fundação Macau participou no novel organismo constituído no segundo semestre do ano passado. Que viu serem-lhe atribuídos outros 3,6 milhões para uma revista, autorizados por... Jorge Rangel».
A escritura notarial de constituição do Instituto Internacional de Macau (IIM), celebrada no cartório privado de António Dias Azedo em 25 de Junho de 1999, ainda Jorge Rangel integrava o Executivo do general Rocha Vieira como titular da pasta da Administração, Educação e Juventude, referia tratar-se de uma «organização não governamental, com a natureza de pessoa colectiva de direito privado, de carácter associativo e sem fins lucrativos, prosseguindo objectivos académicos, científicos e culturais». Apresentava como sócios-fundadores o próprio Jorge Rangel, a deputada Edith Silva (actual directora da Escola Portuguesa de Macau) e o director da Revista de Cultura, Luís Sá Cunha.
A comissão instaladora do IIM era presidida por José Amaral, então chefe de gabinete de Jorge Rangel. «Em reunião realizada no dia 16 de Dezembro de 1999, os sócios-fundadores desta organização não governamental – convocados pelo presidente da comissão instaladora – procederam à eleição da direcção do IIM. Jorge Rangel foi designado presidente do instituto e, como vice, José Amaral, que presidira à comissão instaladora». Tudo “em família”, portanto.
A génese do IIM não foi secreta: meros três dias após a sua formalização em escritura, foi enviado um comunicado à imprensa, anunciando os objectivos do novo organismo. Dois meses depois, em 25 de Agosto, a escritura era publicada em Boletim Oficial.
O problema residia no seu financiamento: a origem dos fundos, os montantes envolvidos e quem os autorizara. Escrevia Severo Portela que, «segundo fontes ligadas à anterior administração de Macau, o IIM terá sido financiado com subsídios que atingirão um montante estimado entre os 60 e os 85 milhões de patacas. Estes (subsídios) terão sido atribuídos, em fracções desiguais, pela Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento, pela Fundação Macau e por verbas canalizadas através do orçamento privativo do gabinete de Rocha Vieira.
Contactada a FCDM, Farinha Soares, membro do conselho de administração, pediu escusa, alegando “o inquérito em curso” a propósito da controversa dotação da Fundação Jorge Álvares.
O Ponto Final contactou igualmente a Fundação Macau – entidade tutelada, ao tempo do eventual subsídio, por Jorge Rangel e a cujo conselho de curadores presidia Rocha Vieira – e obteve uma resposta neutra. Wu Zhiliang, confrontado com a alegada transferência de uma verba da FM para o Instituto Internacional, declarou “não confirmar, nem desmentir”», remetendo «o esclarecimento da questão para o relatório de contas de 1999, a ser publicado até ao final do primeiro semestre do ano corrente» (2000).
Quanto à eventual participação do gabinete do ex-governador no financiamento do IIM, o jornal não conseguiu obter qualquer dado adicional, o mesmo sucedendo junto do instituto, porquanto «Jorge Rangel, apesar de disponível para esclarecer qualquer aspecto relativo aos objectivos do IIM, recusou concretizar o esquema financeiro que vai suportar a actividade da instituição (...). Mesmo assim, considerou o montante apurado pelo Ponto Final como “absolutamente fantasioso”. Não será, por isso, fantasioso afirmar que subsídios, há. Los hay»!
Mas este novo episódio de promiscuidade entre dinheiros públicos e projectos privados de Rocha Vieira e membros da sua equipa governativa não se ficava por aqui. Paulo Azevedo expunha os factos adicionais: «Jorge Rangel autorizou, enquanto membro do anterior governo, o pagamento de 3,6 milhões de patacas ao Instituto Internacional de Macau, organismo de que passou a ser presidente antes mesmo de ter cessado as funções de secretário-adjunto. Uma verba pedida pelo seu chefe de gabinete, para uma revista trimestral (...). Ao que este jornal apurou, o então chefe de gabinete de Jorge Rangel, José Amaral, que, na altura, assumiu o cargo de presidente da comissão instaladora do IIM, apresentou o projecto da revista ao Gabinete Coordenador das Cerimónias de Transferência (GCCT), dirigido por Costa Antunes mas sob a alçada directa de Jorge Rangel, propondo que fossem atribuídos 3,6 milhões de patacas à publicação.
A revista “Macau Focus”, em língua inglesa, apresentada então como futura publicação oficial daquele instituto, e com periodicidade trimestral, teria os primeiros quatro números, a serem editados este ano, dedicados à transferência de poderes e ao debate e análise sobre a realidade de Macau, já sob a forma de região administrativa especial».
Perante o pedido do chefe de gabinete de Jorge Rangel, em nome do IIM, supostamente destinado ao pagamento desses primeiros quatro números da revista, o GCCT resolve – pasme-se! – enviar uma proposta em conformidade ao Secretário-Adjunto para a Administração, Educação e Juventude; isto é, ao próprio Rangel, sócio-fundador e futuro presidente (daí a pouco mais de um mês) do instituto que solicitava o dinheiro! Em Novembro de 1999, este autorizava a concessão do subsídio.
No entretanto, Jorge Rangel emitia o Despacho n.º 38/SAAEJ/99, publicado no Boletim Oficial de 13 de Outubro, atribuindo ao seu IIM a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, permitindo-lhe, assim, beneficiar do respectivo regime de isenções fiscais.
Nesse mesmo mês, o ainda governante aproveitava uma deslocação oficial ao Brasil para assinar, já em nome do IIM – pasme-se novamente! –, «uma série de protocolos com a Universidade Federal de Pernambuco, com a Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e, no Rio de Janeiro, com (...) o Real Gabinete Português de Leitura. Isto para além das duas casas de Macau, em São Paulo e no Rio de Janeiro, passando o instituto a representá-las em Macau», conforme veio a declarar, sem pruridos, em entrevista concedida ao Ponto Final em 17 de Dezembro seguinte.
(continua na próxima semana)
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quinta-feira, 6 de agosto de 2009
Atraso

Aos estimados leitores, as minhas desculpas!
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quinta-feira, 30 de julho de 2009
Antologia da transparência (VI)
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30 de Julho de 2009
O Ponto Final de 18 de Fevereiro de 2000 continuava a atribuir grande destaque ao escândalo da Fundação Jorge Álvares. João Paulo Meneses relatava que os seus responsáveis estariam a equacionar a busca de apoio institucional junto dos governos de Portugal, Macau e China, este através da embaixada em Lisboa, para «anular os efeitos reconhecidamente negativos de toda a polémica iniciada em meados do mês passado». Havia, contudo, dificuldades: no caso de Macau, conviria aguardar pelos resultados do inquérito ordenado por Edmund Ho; a representação diplomática chinesa estava sem embaixador desde 18 de Janeiro, altura em que Wei Dong cessara funções e regressara a Pequim; e o executivo português tinha no Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, «alguém que simpatiza pouco com o estilo e os actos do general (Jaime Gama, por aquilo que nos garantem, ainda não digeriu alguns acontecimentos passados em Macau envolvendo Rocha Vieira)».
O jornalista aproveitava a peça para voltar ao pormenor das instalações da FJA, referindo que conseguira, finalmente, «falar com o escritório do advogado Manuel Coelho da Silva, que ali trabalha [no apartamento que constava dos estatutos da FJA como sua sede social] e é administrador da Fundação. Coelho da Silva aproveitou para manifestar o desagrado, entre outras coisas, com o facto de ter sido escrita a palavra apartamento na edição da semana passada. Fica portanto a correcção, para escritório». Muito relevantes, as preocupações do causídico...
Ricardo Pinto, por seu lado, escrevia que a comissão de inquérito ao subsídio atribuído pela FCDM à FJA já teria ouvido os administradores daquela (Gabriela César, Farinha Soares e Peter Lam) e estaria prestes a recolher os depoimentos dos membros do Conselho Fiscal, presidido por Stanley Au.
Ainda nessa edição do Ponto Final, o Padre Luís Sequeira assinava um texto de opinião («Notas de um diário») onde, sem mencionar nomes ou casos concretos, alvitrava que o «sentimento de incerteza e insegurança» da nossa comunidade remanescente em Macau poderia estar a levá-la a exigir «uma compensação psicológica ou um bode expiatório para se aliviar e o faça lançando a sua crítica destruidora no passado, recente ou remoto».
Acto contínuo, Paulo Azevedo, com a acutilância que se lhe reconhece, respondia à curiosa construção mental do respeitável clérigo jesuíta na sua habitual coluna «Os Sínicos» do mesmo dia, em termos que bem podiam ser transpostos para os nossos dias: «em Macau, por tudo e por nada, tende-se a reduzir as razões de cada acontecimento a explicações nada abrangentes, como se a verdade fosse apenas uma ou, sendo-a, não pudesse ser interpretada de outra forma. E se a é, logo se reduz essa explicação a motivações radicais de extremistas que tentam desestabilizar os protagonistas em causa. Um dia são os maus portugueses, outro são os conservadores chineses, outro ainda podem muito bem ser os ditos liberais. Mas sempre, uns e outros – talvez por vezes até em conivência – contra o bem. Este, personalizado por Rocha Vieira e seus pares.
Reduzem os defensores do bem, os bons portugueses, as notícias sobre o general a pérfidas motivações que podem colocar em causa outros valores. Como se as notícias sobre os valores que terão sido postos em causa pelos adeptos do bem não pudessem ser, nem o são, em si mesmo, pérfidas e desvirtuadoras da moral que proclamam.
Sejamos claros: ninguém detentor de cargos públicos ou com eles relacionado (...) pode ou deve tirar deles qualquer proveito ilegal ou imoral. Dejà vu, é certo, mas quantas vezes esquecido. Assim sendo, não se queira limpar com irresponsáveis esponjas a sujeira que fica, porque tal não é mais do que um insulto aos valores colectivos (...).
Defender que mexer nos dislates provocados pelos outros que partiram pode ser “perigoso” para os que ficam é tapar o sol com a peneira, é esquecer o mais básico da formação do sujeito enquanto elemento de um colectivo. Pior ainda, é permitir que o mesmo possa vir a suceder no futuro, com outros protagonistas. Precedentes, esses sim, perigosos.
A visão minimalista dos defensores do bem foi acolhida por alguns sectores da sociedade lisboeta; felizmente, porém, outros preferiram analisar friamente os factos e expô-los enquanto tal, sem falsas reduções nem inqualificáveis explicações do que devia ser inexplicável, como se a vergonha fosse um bem em desuso».
Não posso deixar de abrir um parêntese nesta antologia para enfatizar o quanto me identifico com as sábias palavras de Paulo Azevedo, ou não tivesse sido, eu próprio, algumas vezes apodado de “mau português”, antes e depois de Dezembro de 99, por censurar publicamente determinadas acções do último governador. Para alguns “bons portugueses”, o prevaricador não parece ser quem transgride, mas quem denuncia a abjecta falta. A não ser que o prevaricador lhes seja bem distante, claro. Encaminhassem Cavaco Silva ou José Sócrates dinheiros públicos para criar uma instituição a que viessem a presidir depois de cessarem funções públicas, e caíam o Carmo e a Trindade! Lembram-se, aliás, da Fundação para a Prevenção Rodoviária, que levou à saída de Armando Vara do governo de António Guterres? “Peanuts”, ao pé da FJA – nas verbas envolvidas, nos procedimentos seguidos e nos danos para a reputação do país! Enfim, adiante...
Também O Clarim desse dia mantinha o dedo apontado a Rocha Vieira, com Joaquim de Castro a incluir a criação da FJA num elenco designado por «Nódoas exemplares»: «o pobre do Jorge Álvares deve andas às voltas e reviravoltas na campa (...). A golpada dos 150 milhões adquire um carácter duplamente vergonhoso pelo facto de a instituição envolta em toda esta polémica ter sido baptizada com o nome de um ilustre seiscentista que teve o mérito de ter sido o primeiro português a pisar solo chinês. (...) Em Macau, o nome de Jorge Álvares passará injustamente a constar na lista dos golpistas que passaram por Macau e aqui fizeram fortuna. Enfim, mais um episódio da longa saga do “justo paga pelo pecador”».
(continua na próxima semana)
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quinta-feira, 16 de julho de 2009
Antologia da transparência (V)

Jornal Tribuna de Macau
16 de Julho de 2009
O Clarim de 4 de Fevereiro de 2000 mantinha o tom marcadamente negro sobre a Fundação Jorge Álvares: «o Conselho de Curadores da fundação nascida e criada à medida de Rocha Vieira ignorou as preocupações dos portugueses nascidos ou radicados em Macau, relativamente à imagem extremamente pejorativa que a novel instituição originou no Território e mesmo em Hong Kong (...). Melhor faria se fizesse uma leitura correcta das mais recentes posições tomadas em Macau, todas elas desfavoráveis à manutenção da FJA. A situação é clara. Independentemente dos propósitos louváveis que sustentam iniciativas deste género, a verdade é que esta fundação veio provocar um número respeitável de anticorpos juntos dos destinatários privilegiados, a saber: as comunidades chinesa e portuguesa de Macau e o governo da RAEM como parceiro institucional. Todos eles, sem excepção, reprovaram veementemente o nascimento da fundação, pondo de imediato em causa qualquer sustentação prática aos planos de aproximação entre Portugal e a China através do Território».
Nova semana, novo escândalo: em trabalho assinado por Paulo Azevedo, o Ponto Final de 11 de Fevereiro revelava que o general tivera uma «despedida milionária»! Os pormenores: «antes de abandonar o território, e feitas as contas ao que o governador afirmou ter direito, recebeu mais de dois milhões de patacas em dinheiro e serviços pagos pelo erário público. Em menos de nove anos à frente do Governo, Rocha Vieira (...) acabou por receber 1.375.000 patacas (mais de 34 mil contos) só em “abonos por cessação definitiva de funções”. Vieira, cujo salário rondava as 130.000 patacas mensais, fora regalias adicionais, garantiu que praticamente não gozou férias. Segundo dados a que o Ponto Final teve acesso, a maior fatia dos abonos do ex-governador foi a correspondente ao pagamento de férias não gozadas, nada menos que 150 dias. Rocha Vieira multiplicou os 22 dias úteis de descanso anual pelos nove anos incompletos de governação, chegando à conclusão que, dos cerca de 190 dias de férias a que tinha direito, só terá gozado escassos 40 dias, ou seja, sensivelmente o período de lazer de dois anos, trabalhando sem parar os restantes sete anos. Em nome do futuro e desenvolvimento de Macau. Mas como o trabalho acaba por compensar, Vieira não hesitou em receber a maquia correspondente aos 150 dias de férias não desfrutadas, que totalizaram 885.000 patacas (cerca de 22 mil contos)».
Mas as contas de somar não se ficavam por aqui: «por “antecipação dos vencimentos dos 19 dias de Dezembro” (até à transferência da administração de Portugal para a China), Vieira recebeu 82.000 patacas. Por 27,5 dias de “vencimento por 11 meses de trabalho efectivamente prestado no ano”, duodécimos do chamado 13.º mês, 118.000 patacas. Por “compensação pecuniária correspondente a 60 dias de licença especial”, 260.000 patacas. E, por uma “representação eventual” nos 19 dias de Dezembro, 28.000 patacas. Nestas contas, não foram esquecidas as 2.500 patacas a que o ex-governador tinha direito por “ajudas de custo de embarque”. O que deu o valor final de 1.375.000 patacas».
Na altura, o Ponto Final confrontou o director dos Serviços de Finanças com estes números, mas Carlos Ávila «preferiu não tecer quaisquer comentários».
Além deste imenso numerário, havia o pormenor dos contentores, muitos contentores, continuava o Ponto Final: «nos últimos seis meses da presença do então governador, Vieira procedeu ao envio de quinze contentores para Portugal. A 30 de Junho passado, uma requisição com carácter de emergência pedia o envio de cinquenta metros cúbicos de bagagem e pagamento do respectivo seguro. Menos de três meses depois, a 12 de Outubro, embarcava com destino a Lisboa novo carregamento em nome de Vasco Rocha Vieira, mas desta vez totalizando 310 metros cúbicos, o que orçou aos cofres do território 630.000 patacas. E, a 15 de Dezembro, nova requisição para mais 59 metros cúbicos de bagagem, esta destinada à nova moradia do ex-ocupante de Santa Sancha, a Quinta do Patiño, em Cascais. No total, e fazendo as contas ao frete, ao seguro e ao transporte terrestre, o custo dos três embarques ultrapassou as 750.000 patacas (mais de 18 mil contos)».
Ironizando com as sucessivas revelações adversas ao general, Paulo Azevedo preenchia a sua crónica semanal «Os Sínicos» com a peça «Em nome da transparência», onde evocava os constantes apelos de Aragão Seia e Mendonça de Freitas - os dois antigos altos-comissários - para o reforço das verbas do organismo a que haviam presidido, «de forma a fazer face aos escassos recursos humanos que diziam possuir (...). Esses apelos foram consecutivamente atirados para canto, como se o anterior Governo se desse por satisfeito com os resultados alcançados e que eram amplamente criticados pela população, que chegava ao ponto de ironizar os casos detectados, que não iam, na maior parte deles, além das duzentas patacas». E fazia o contraponto entre o novo Chefe do Executivo e o ex-governador: «Edmund Ho concorda com o reforço do agora Comissariado Contra a Corrupção. Em verbas e poderes (...). O crescimento já foi ponderado, passando dos actuais 32 milhões para cerca de 50 milhões de patacas. Ou seja, Edmund Ho não desconhece que, para se exigirem resultados, é necessário providenciar meios. Rocha Vieira, esse, aparentemente, fazia as contas de outra forma, vá-se lá saber porquê...!?» (acrescentaria eu que, pelos vistos e com muita pena minha, a vocação do CCAC para o “peixe miúdo” é mais um dos males da RAEM herdados do “pré-99”...).
O Ponto Final revelava, ainda, que o apartamento da Avenida Miguel Bombarda, em Lisboa, que constava dos estatutos da FJA como sua sede social pertencia, estranhamente, a um designado «Instituto Internacional de Consultadoria e Formação». João Paulo Meneses tentara contactá-lo para perceber a sua relação com a FJA, mas o número de telefone indicado pela Portugal Telecom e o número de faxe constante de um comunicado da própria FJA (e que estava em nome do dito instituto!) mantinham-se silenciosos. Certo era que, fruto do alvoroço envolvendo o seu financiamento, a FJA não chegara a ocupar qualquer espaço na Missão de Macau.
Uma frase de então que me ficou na memória até hoje foi esta: «caminhamos para o dia em que os portugueses se dividirão entre os que estiveram em Macau e os que não estiveram». Foi escrita por Francisco Teixeira da Mota no Público de 12 de Fevereiro de 2000, na sua resenha semanal dos diplomas publicados no Diário da República. Ao citar um decreto-lei que instituía uma licença especial para o exercício de funções públicas em Timor Leste, caracterizada como tendo «semelhanças com a licença definida (...) para o exercício de funções no território de Macau», “saltou-lhe a tampa” e verberou: «por favor!!! Durante seis meses não se devia ouvir falar de Macau... Caminhamos para o dia em que os portugueses se dividirão entre os que estiveram em Macau e os que não estiveram. As recentes “histórias” do governador Rocha Vieira são, pelo menos, edificantes».
Claro está, Rocha Vieira reincidia no «Desce» da semana para o Público: «o general que passou oito anos dedicado de alma e coração à espinhosa missão de representar o Estado português em Macau, afinal, recebeu uma choruda recompensa. Notícias não desmentidas pelo general dão conta que, entre outras verbas auferidas por conta da cessação de funções, teve direito a 22 mil contos por 150 dias de férias não gozadas. A dedicação aos altos assuntos do Estado é mais compensatória do que os vulgares cidadãos pensavam. O que não seria dos contribuintes portugueses se tivessem de pagar à generalidade da classe política os fins-de-semana e as férias que com devotado espírito de generosidade sacrificam à causa pública... O que nos consola é que, no caso de Rocha Vieira, é tudo patacas dos casinos...».
(continua na próxima semana)
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a amável referência a esta crónica na sua habitual selecção de «Leituras» da semana.
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