Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
10 de Setembro de 2009
Inicio as breves reflexões que aqui tenciono fazer sobre as eleições do próximo dia 20 assinalando os dois aspectos que, a meu ver, já estão antecipadamente a marcá-las pela negativa: desde logo, esta é a primeira vez, após a transferência de soberania, que o número de assentos na Assembleia Legislativa não progride. No acto eleitoral de 2001, passaram de dezasseis para vinte os deputados saídos das vias directa e indirecta (dez em cada). Em 2005, o sufrágio universal deu mais um passo em frente, decidindo doze deputados. Mas isto era o que estava estipulado no Anexo II da Lei Básica, como se sabe. Quando o poder político de Macau teve oportunidade de propor um novo reforço do poder do voto, o resultado foi o que também todos conhecemos: escudou-se na prioridade da luta contra a corrupção e ficou-se pela retórica do «Macau governado pelas suas gentes». Maior sufrágio universal só quando os poucos iluminados acharem que o Zé-povinho está preparado para pensar e se portar bem...
Curiosamente, alguns dos que agora, em tempo de campanha, dizem querer lutar por um forte incremento no número de parlamentares designados por sufrágio directo já em 2013, para que estes passem a constituir a maioria do hemiciclo, são os mesmos que estiveram calados ou até aplaudiram a travagem da democracia no ano transacto, aquando da revisão das leis eleitorais. Para estas eleições, nem mais um deputado podia ser escolhido pelo povo; para as próximas, já podemos dar não o passo, mas o pulo em frente! A coerência e a demagogia política nunca combinaram bem...
Idênticas incongruências podemos apontar na postura do nosso Executivo: alega que o grande combate deste ano é contra a praga da corrupção eleitoral e faz uma interpretação draconiana das leis eleitorais no que toca à actuação dos candidatos fora do período oficial de campanha, mas, simultaneamente, decide distribuir entre as associações uma benesse de trezentas patacas por cabeça para organizarem banquetes comemorativos do décimo aniversário do handover. Ora, associações e repastos de borla são das combinações mais “explosivas” que há em termos de corrupção eleitoral e de pré-campanha em Macau! Tanto que os restaurantes chineses mais espaçosos e populares do território andavam constantemente cheios nas semanas que antecederam o arranque da campanha. Porquê? Claro, porque as associações desataram a aproveitar as trezentas pataquinhas para organizar almoços e jantares de promoção dos seus candidatos à Assembleia Legislativa. Tudo debaixo das barbas da Comissão dos Assuntos Eleitorais – cuja credibilidade, aliás, anda pelas ruas da amargura, depois de tomadas de posição como a relativa à propaganda encapotada na revista dos kaifong...
O segundo factor negativo a marcar este acto eleitoral é a circunstância de os dez deputados a sufragar pela via indirecta já estarem escolhidos desde a formalização das respectivas candidaturas, numa repetição do que sucedeu há quatro anos, o que acarreta um tremendo descrédito para o sistema político de Macau, como bem se compreende. E, se dúvidas houvesse, bastaria espreitar o que diz a imprensa internacional quando aborda o assunto. Há quem proteste a inocuidade das críticas que vêm de fora, mas eu, pessoalmente, não gosto de saber que a minha terra adoptiva (e onde, até há poucos anos, esvoaçou o pavilhão do meu país, que tem responsabilidades históricas no que aqui se passa) é tida, na esfera universal, como assumindo resquícios de república das bananas. Pior ainda quando essa leitura até nem parece andar muito longe da verdade...
Do velho argumento da necessidade de consensos falaremos na próxima semana.
PS: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão desta crónica na sua selecção de «Leituras» da semana. E é verdade: serão apenas dois artigos sobre a campanha eleitoral. Não há tempo para mais, uma vez que a votação é já no próximo domingo.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
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