Jornal Tribuna de Macau
9 de Julho de 2009
A 29 de Janeiro, Ana Sá Lopes escrevia um duro artigo no Público sobre os últimos anos da presença portuguesa em Macau, «O Bordel da Pátria», que terminava desta forma: «depois dos escândalos socialistas, o general Rocha Vieira, próximo do PSD, apareceu como o putativo moralizador do condado. Os socialistas, principalmente os soaristas, foram sempre trapalhões e o eixo Macau-PS-Monjardino-Ho estava à luz do dia. Com o general, não: Macau foi o começo de belas amizades, cultivadas discretamente. A imprensa era simpática, o general recebia bem em sua casa e dedicava-se a obras de caridade como o financiamento de jornais e de congressos de jornalistas no Oriente, porque era preciso fomentar o conhecimento e o intercâmbio. Mas o general não resistiu: podia ter abandonado o território com a bandeira e as malas, convertido em herói da Pátria por uma imprensa ávida de ficções, mas os anos que viveu no bordel talvez tenham sido demais. A três dias da transferência, arranjou uma fundação com os milhões de Stanley Ho, obviamente para fomentar o conhecimento e o intercâmbio».
Escrevi à autora a felicitá-la por este artigo e a apelar para que investigasse mais sobre o assunto. O que então me respondeu fica comigo.
Ainda nesse Público, mais um texto sobre o ex-governador, agora de Eduardo Dâmaso: «General Rocha Vieira, o Superpresidente», onde era explicado que os estatutos da FJA concentravam três presidências de cargos – do conselho de curadores e, por inerência, do conselho de administração e do conselho consultivo – em Rocha Vieira, deixando-o apenas fora do conselho fiscal! Aliás, só o general podia beneficiar dessa acumulação, uma vez que o articulado impedia qualquer outro membro do conselho de curadores de exercer, em simultâneo, funções no conselho de administração. Além disso, o mandato de Rocha Vieira neste órgão, com a duração de seis anos, não ficava sujeito a qualquer limite de renovações. Mais: os restantes membros do conselho de administração eram nomeados e exonerados pelo conselho de curadores – presidido pelo general –, sob proposta do presidente do conselho de administração – ainda e sempre, o próprio general!
Inevitavelmente, Rocha Vieira era, de novo, o escolhido para o «Desce» da semana no Público, pois que «a confusão à volta da Fundação de Rocha Vieira é cada vez maior. Afinal, o financiamento é superior ao que se pensava e, pior, o processo foi todo tratado em cima da data de transição de Macau para a China. Por muito que não se queira, é legítima a suspeição dos chineses, sejam eles pró-Pequim ou, categoria estranha essa, “pró-portugueses”...».
No Expresso desse dia, duas peças sobre Macau: uma a descrever o percurso profissional de Gabriela César, então presidente do conselho de administração da FDCM e que, por isso, corria «seriamente o risco de ser transformada no “bode expiatório” do “caso Jorge Álvares”»; outra sobre o advogado Vong Hin Fai, um dos três membros da comissão de inquérito à FJA nomeada por Edmund Ho. Neste segundo texto, assinado por José Pedro Castanheira e pelo “nosso” João Guedes, é referido que, «nos meios políticos de Macau, considera-se que a nomeação da comissão foi uma manobra de antecipação do Chefe do Executivo, por forma a evitar uma iniciativa semelhante por parte da Assembleia Legislativa, onde estão fortemente representados os sectores mais ortodoxos e tradicionais». Mais à frente, «a FJA – segundo a escritura notarial divulgada pelo Público – foi formalizada no dia 14 de Dezembro. No entanto, em Macau nada transpirou. Nem os órgãos de comunicação social, nem a maioria dos deputados, nem o Grupo de Ligação Conjunto Luso-Chinês, nem sequer alguns secretários-adjuntos do Governo tiveram conhecimento da novel fundação». Depois, o relato da primeira reunião de curadores (de que já falei na segunda parte desta «Antologia», há duas semanas), realçando a presença de Stanley Ho, que contribuíra, afinal, com cem milhões de patacas para o projecto, a juntar aos cinquenta da FCDM.
Novamente, uma avalanche de reacções contra Rocha Vieira no sítio do Expresso na Internet: 53 páginas A4 foram quanto precisei para as imprimir todas (e em texto corrido)!
A 31 de Janeiro, o Diário de Notícias reproduzia as declarações de Leonel Alves em entrevista à TDM: «o que me interessa como português de Macau que sai à rua e é confrontado com alegações é que a comunidade merece ser esclarecida sobre o que se passou».
O número seguinte do Ponto Final, publicado a 4 de Fevereiro, continuava a dedicar largo espaço à FJA: Severo Portela desenvolvia a notícia do Público sobre os seus estatutos, qualificando-os de «cheque em branco a Rocha Vieira», o «presidente vitalício»; João Paulo Meneses dava conta do aparente optimismo dos responsáveis da FJA quanto a um rápido esquecimento da polémica e Ricardo Pinto reagia, em editorial, a um artigo de O Diabo em que João Fernandes, ex-director do Jornal de Macau, defendera o general e deixara no ar ameaças veladas (e nunca concretizadas, diga-se de passagem...) de «revelações pérfidas» contra outras entidades.
A fechar o jornal, o mesmo Ricardo Pinto divulgava que Rocha Vieira fizera chegar a Edmund Ho uma mensagem sobre a polémica constituição da FJA, através de Manuel Geraldes, antigo assessor de Manuel Monge, o derradeiro Secretário para a Segurança da administração portuguesa de Macau. Manuel Geraldes teria desmentido a informação, mas o Ponto Final garantia saber da sua presença «num encontro em Lisboa com Rocha Vieira e com alguns dos colaboradores mais próximos do antigo governador (entre eles, José Carlos Vieira, Afonso Camões e Tiago Vasconcelos), poucas horas antes de abandonar a capital portuguesa. Como não podia deixar de ser, a polémica da nova fundação foi o tema principal do encontro – e as opiniões então formuladas por Rocha Vieira terão sido agora transmitidas ao chefe do executivo da RAEM».
Finalmente, em texto de opinião no mesmo jornal, o advogado João Miguel Barros tocava na “ferida”: «os dinheiros privados [da FJA] vieram da STDM, a empresa concessionária do jogo, que domina literalmente a economia de Macau. Porque o dinheiro sempre serviu como meio de troca, e porque a STDM não tem vocações beneméritas para além do lucro dos seus accionistas, cabe legitimamente a pergunta: o seu contributo de 50 milhões de patacas [na verdade, cem milhões, como se confirmou entretanto] serve para quê?». E continuava: «o que parece certo é que a Fundação poderá vir a acolher alguns dos indefectíveis do General Rocha Vieira, um homem que chegou a Macau com o discurso da virtude política e da necessidade de moralização de um sistema supostamente minado pelo dinheiro fácil e por esquemas de corrupção rasteira. É esse Governador que se dá ao luxo, na hora da despedida, de apadrinhar os mecanismos da sua própria sobrevivência, à revelia dos mais elementares princípios de ética política».
(continua na próxima semana)
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão desta crónica (com um simpático comentário) na sua habitual selecção de «Leituras» da semana.
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