30 de Julho de 2009
O Ponto Final de 18 de Fevereiro de 2000 continuava a atribuir grande destaque ao escândalo da Fundação Jorge Álvares. João Paulo Meneses relatava que os seus responsáveis estariam a equacionar a busca de apoio institucional junto dos governos de Portugal, Macau e China, este através da embaixada em Lisboa, para «anular os efeitos reconhecidamente negativos de toda a polémica iniciada em meados do mês passado». Havia, contudo, dificuldades: no caso de Macau, conviria aguardar pelos resultados do inquérito ordenado por Edmund Ho; a representação diplomática chinesa estava sem embaixador desde 18 de Janeiro, altura em que Wei Dong cessara funções e regressara a Pequim; e o executivo português tinha no Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, «alguém que simpatiza pouco com o estilo e os actos do general (Jaime Gama, por aquilo que nos garantem, ainda não digeriu alguns acontecimentos passados em Macau envolvendo Rocha Vieira)».
O jornalista aproveitava a peça para voltar ao pormenor das instalações da FJA, referindo que conseguira, finalmente, «falar com o escritório do advogado Manuel Coelho da Silva, que ali trabalha [no apartamento que constava dos estatutos da FJA como sua sede social] e é administrador da Fundação. Coelho da Silva aproveitou para manifestar o desagrado, entre outras coisas, com o facto de ter sido escrita a palavra apartamento na edição da semana passada. Fica portanto a correcção, para escritório». Muito relevantes, as preocupações do causídico...
Ricardo Pinto, por seu lado, escrevia que a comissão de inquérito ao subsídio atribuído pela FCDM à FJA já teria ouvido os administradores daquela (Gabriela César, Farinha Soares e Peter Lam) e estaria prestes a recolher os depoimentos dos membros do Conselho Fiscal, presidido por Stanley Au.
Ainda nessa edição do Ponto Final, o Padre Luís Sequeira assinava um texto de opinião («Notas de um diário») onde, sem mencionar nomes ou casos concretos, alvitrava que o «sentimento de incerteza e insegurança» da nossa comunidade remanescente em Macau poderia estar a levá-la a exigir «uma compensação psicológica ou um bode expiatório para se aliviar e o faça lançando a sua crítica destruidora no passado, recente ou remoto».
Acto contínuo, Paulo Azevedo, com a acutilância que se lhe reconhece, respondia à curiosa construção mental do respeitável clérigo jesuíta na sua habitual coluna «Os Sínicos» do mesmo dia, em termos que bem podiam ser transpostos para os nossos dias: «em Macau, por tudo e por nada, tende-se a reduzir as razões de cada acontecimento a explicações nada abrangentes, como se a verdade fosse apenas uma ou, sendo-a, não pudesse ser interpretada de outra forma. E se a é, logo se reduz essa explicação a motivações radicais de extremistas que tentam desestabilizar os protagonistas em causa. Um dia são os maus portugueses, outro são os conservadores chineses, outro ainda podem muito bem ser os ditos liberais. Mas sempre, uns e outros – talvez por vezes até em conivência – contra o bem. Este, personalizado por Rocha Vieira e seus pares.
Reduzem os defensores do bem, os bons portugueses, as notícias sobre o general a pérfidas motivações que podem colocar em causa outros valores. Como se as notícias sobre os valores que terão sido postos em causa pelos adeptos do bem não pudessem ser, nem o são, em si mesmo, pérfidas e desvirtuadoras da moral que proclamam.
Sejamos claros: ninguém detentor de cargos públicos ou com eles relacionado (...) pode ou deve tirar deles qualquer proveito ilegal ou imoral. Dejà vu, é certo, mas quantas vezes esquecido. Assim sendo, não se queira limpar com irresponsáveis esponjas a sujeira que fica, porque tal não é mais do que um insulto aos valores colectivos (...).
Defender que mexer nos dislates provocados pelos outros que partiram pode ser “perigoso” para os que ficam é tapar o sol com a peneira, é esquecer o mais básico da formação do sujeito enquanto elemento de um colectivo. Pior ainda, é permitir que o mesmo possa vir a suceder no futuro, com outros protagonistas. Precedentes, esses sim, perigosos.
A visão minimalista dos defensores do bem foi acolhida por alguns sectores da sociedade lisboeta; felizmente, porém, outros preferiram analisar friamente os factos e expô-los enquanto tal, sem falsas reduções nem inqualificáveis explicações do que devia ser inexplicável, como se a vergonha fosse um bem em desuso».
Não posso deixar de abrir um parêntese nesta antologia para enfatizar o quanto me identifico com as sábias palavras de Paulo Azevedo, ou não tivesse sido, eu próprio, algumas vezes apodado de “mau português”, antes e depois de Dezembro de 99, por censurar publicamente determinadas acções do último governador. Para alguns “bons portugueses”, o prevaricador não parece ser quem transgride, mas quem denuncia a abjecta falta. A não ser que o prevaricador lhes seja bem distante, claro. Encaminhassem Cavaco Silva ou José Sócrates dinheiros públicos para criar uma instituição a que viessem a presidir depois de cessarem funções públicas, e caíam o Carmo e a Trindade! Lembram-se, aliás, da Fundação para a Prevenção Rodoviária, que levou à saída de Armando Vara do governo de António Guterres? “Peanuts”, ao pé da FJA – nas verbas envolvidas, nos procedimentos seguidos e nos danos para a reputação do país! Enfim, adiante...
Também O Clarim desse dia mantinha o dedo apontado a Rocha Vieira, com Joaquim de Castro a incluir a criação da FJA num elenco designado por «Nódoas exemplares»: «o pobre do Jorge Álvares deve andas às voltas e reviravoltas na campa (...). A golpada dos 150 milhões adquire um carácter duplamente vergonhoso pelo facto de a instituição envolta em toda esta polémica ter sido baptizada com o nome de um ilustre seiscentista que teve o mérito de ter sido o primeiro português a pisar solo chinês. (...) Em Macau, o nome de Jorge Álvares passará injustamente a constar na lista dos golpistas que passaram por Macau e aqui fizeram fortuna. Enfim, mais um episódio da longa saga do “justo paga pelo pecador”».
(continua na próxima semana)
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