2 de Julho de 2009
O Expresso de 22 de Janeiro lançava o título «Rocha Vieira debaixo de fogo», explicando que, «na imprensa chinesa, o ex-governador foi acusado de ter trocado a política pelo dinheiro e a sua fundação é referida como uma repetição da canalização de fundos de Macau para Portugal, igual à levada a cabo pela Fundação Oriente – como afirmava o jornal Ou Mun, tido como uma voz oficiosa de Pequim em Macau (...). Susana Chou, presidente da Assembleia Legislativa, anunciou não estar disponível para integrar o conselho de curadores da fundação e Anabela Ritchie, sua antecessora, tomou igual posição».
Na mesma edição daquele semanário, Fernando Madrinha assinava a crónica «Um Mau passo», cujas frases fortes foram já citadas na primeira parte desta antologia, há duas semanas.
Rocha Vieira acabava, assim, “premiado” pelo Expresso com o «Baixo» da semana, repetindo idêntica “distinção” do Diário de Notícias e do Público desse dia.
Ao fim de uma semana, as reacções dos leitores no website do Expresso eram já tantas que precisei de 48 páginas A4 para as imprimir (e ainda as guardo)! Escusado será dizer que eram quase todas de conteúdo bastante desfavorável ao general.
O Diário de Notícias de 23 de Janeiro garantia, em cabeçalho, que «Sampaio foi o último a saber», recuando no dia seguinte perante uma nota oficial do chefe da Casa Civil da Presidência da República, segundo a qual «o general Rocha Vieira deu a conhecer, “oportunamente”, a Jorge Sampaio a concretização de “uma iniciativa privada” tendo por objecto a constituição de uma fundação, vocacionada para as relações culturais entre Portugal e Macau».
O 24 Horas (cujo director, por coincidência, se chamava José Rocha Vieira) abria a edição do dia 24 com a contundente caixa «Ladrão!», em letras gordas. No interior, outro título: «Líderes da comunidade chinesa desancam na Fundação Jorge Álvares Rocha Vieira banido de Macau». Uma fotografia do general na marcha da caridade recebia a seguinte legenda: «a comunidade chinesa de Macau não quer explicações. Quer que Rocha Vieira devolva o dinheiro». No desenvolvimento da notícia, podia ler-se: «os chineses dizem que o navegador que primeiro chegou a Macau, Jorge Álvares, foi o primeiro pirata português, Rocha Vieira o último. Na comunidade portuguesa local, aplicam-lhe uma versão do título do conhecido filme “O Ladrão de Bagdad”. Com a devida adaptação geográfica». Recordando, ainda, a nota oficial da véspera, o jornal esclarecia: «quanto ao modelo de financiamento, Sampaio “não teve conhecimento de nada”, confirmou ao 24 Horas o porta-voz da Presidência, António Manuel».
Estas peças do 24 Horas faziam o destaque do Macau Hoje da manhã seguinte, que rematava nestes termos: «Rocha Vieira está, portanto, na mira, depois de, em vésperas do handover, ter dito à comunicação social que ainda não sabia o que iria fazer profissionalmente dali para a frente».
Três dias mais tarde, o Ponto Final revelava que a FJA, afinal, já não ia ocupar, nem sequer provisoriamente, o 4.º andar do edifício da Missão de Macau em Lisboa: «a nova fundação não tinha ainda tomado conta das instalações quando estalou a polémica e (...), mesmo que venha agora a requerê-lo, o pedido será indeferido. Na base da decisão estará a falta de um clima político apropriado à cedência das instalações, depois das violentas críticas que a constituição da FJA gerou no Território. Edmund Ho tem-se distanciado de todo o processo e não perderá agora a oportunidade de vincar esse distanciamento, através precisamente da não cedência das instalações».
No semanário O Clarim desse 28 de Janeiro, Pedro Dá Mesquita analisava os dados já vindos a lume e arguia: «o ex-governador e os seus mais directos colaboradores na criação da FJA tudo fizeram para passarem despercebidos, apostando declaradamente em esconder da opinião pública alguns pormenores de grande relevância». Logo, «os mais altos dirigentes portugueses devem (...) rejeitar de imediato uma associação dúbia como a FJA e, para bem da saúde das nossas instituições, deveria ter partido delas um conjunto de iniciativas com vista a apurar a verdade dos factos». Finalizando (e rejeitando os argumentos de um editorial de Mário Bettencourt Resendes no Diário de Notícias), «pouco ou nada interessa a honra de um homem – neste caso, Rocha Vieira – quando este, fria e calculadamente, decide avançar com uma fundação, recorrendo a meios claramente duvidosos para o seu financiamento e ignorando as bem desagradáveis consequências que ela iria trazer. O que está em causa é a honra de Portugal e dos portugueses que decidiram permanecer em Macau, e que dispensavam muito bem o último acto do último governador».
(continua na próxima semana)
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão desta crónica na sua habitual selecção de «Leituras» da semana.
4 comentários:
Caro Nuno
Uma das qualidades que mais aprecio é a coerência; outra é o exercício da memória; por tudo isto (e não só por isto...) não posso deixar de enviar um abraço
PS - a primeira peça noticiosa que refere, de 14 de Janeiro de 2000, foi escrita - imagine - por quem?
Meu caro,
Isto é o que eu chamo de agradável surpresa! Há muito tempo que não estávamos em contacto!
Infelizmente, só tenho a capa desse Ponto Final, com a chamada para a notícia sobre a criação da FJA, e duas páginas interiores sobre um problema que houve na altura com uma activista de Hong Kong (que foi impedida de aqui entrar), mas presumo que tenha sido o JPM o autor, até porque sei que escreveu outras peças sobre o mesmo assunto, nas edições de 21 de Janeiro e seguintes (essas já tenho na íntegra).
Muito obrigado pelas suas palavras e um abraço!
Nem mais!
Eu tenho o texto original que lhe posso enviar (tenho - penso - um bom arquivo, ue há-de servir - quem sabe - para voltar ao assunto com detalhe daqui a alguns anos...).
Lemvro-me bem dessa primeira notícia não apenas por ter sido a primeira (não foi em absoluto, porque nós saíamos à sexta e na quinta o JN - Fernando Lima - antecipou-se) mas porque foi a última em que tive uma fonte da FJA; nestes 10 anos nunca a instituição aceitou dar-me qualquer informação.
Um abraço
Gostaria de o ter, sim. Se puder enviar-mo, agradeço-lhe.
Na altura, eu talvez não tenha logo prestado a devida atenção à notícia do dia 14. Tinha partido de férias a 20 de Dezembro, logo a seguir à transferência de soberania, e acabara de regressar a Macau quando a "bomba" rebentou, pelo que ainda estava a "digerir" as novidades dos primeiros dias da RAEM. No entanto, quando me apercebi dos contornos do caso, comecei a recolher tudo o que ia sendo publicado e acabei por ficar também com um arquivo muito razoável.
Por isso, a minha dificuldade na redacção desta antologia para o JTM vai ser em seleccionar e condensar todo esse material (e em arranjar tempo para o fazer, claro).
Um abraço
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