quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Antologia da transparência (IX)

Nuno Lima Bastos
20 de Agosto de 2009

Em editorial no Ponto Final de 3 de Março, Ricardo Pinto reagia à forma como Jorge Rangel justificara, em sucessivas declarações a diversos meios de comunicação social locais, o subsídio atribuído ao IIM: «é uma opinião a que tem direito, naturalmente, e que respeitamos (...). Mas também temos o direito de não concordar com essa tese. Somos, na verdade, dos que pensam que em circunstância alguma devem os governantes colocar-se em situação de poder violar os princípios e as regras da isenção e independência, a que estão obrigados por lei (...). Igualmente condenável, em nossa opinião, é o apelo lançado pelo antigo secretário-adjunto, na entrevista à TDM, para que alegados desestabilizadores de um clima de boa harmonia fossem “isolados e identificados”. É algo que não esperávamos ouvir nos dias que correm. Soa, decididamente, a caça às bruxas, muito comum em sociedades não democráticas, onde o papel da imprensa se resume à mera amplificação dos desígnios do poder e onde qualquer desvio à norma transforma o seu autor num inimigo a abater».

No dia seguinte, o Público apresentava duas cartas recebidas de Manuel Coelho da Silva e Jorge Rangel, contestando a peça «Jorge Rangel imita Rocha Vieira», de 25 de Fevereiro. No essencial, o primeiro desmentia ter alguma vez «definido os macaenses como “eunucos culturais”», conforme «demonstrado em processo judicial (...) que culminou com esclarecimentos públicos e pedidos formais de desculpas dos principais envolvidos na atribuição de tal afirmação». Já o presidente do IIM acusava o autor da notícia (Luís Andrade de Sá) de procurar «dar difusão nacional a questões locais tratadas num órgão paroquial vendendo semanalmente centenas de exemplares» (o Ponto Final) e insistia na argumentação esgrimida, por exemplo, junto do Macau Hoje e da TDM.

A 10 de Março, o Ponto Final anunciava que Edmund Ho, acabado de regressar de uma sessão da Assembleia Nacional Popular, em Pequim, receberia, ao final desse dia, o relatório da comissão de inquérito por si nomeada para averiguar o subsídio de 50 milhões de patacas que Rocha Vieira mandara a FCDM transferir para a FJA.

Uma semana depois, o mesmo jornal avançava que as conclusões do documento, de 91 páginas, seriam divulgadas até ao fim do mês, após a sua apreciação pelo Chefe do Executivo, e que a comissão se encontrava já a trabalhar num segundo relatório, este dedicado ao exame das regras de funcionamento das fundações públicas locais em geral; designadamente, a FCDM e a Fundação Macau.

Simultaneamente, o Ponto Final dava conta da censura da Associação dos Macaenses (ADM), então liderada por Luís Pedruco, ao caso FJA, em tomada de posição veiculada no último número do seu boletim, A Voz: «bem andariam os órgãos competentes do Estado Português se também promovessem um inquérito sobre a correcção legal, moral e política do modo como foi feita a angariação de fundos para a discutida fundação (...). Quando é posto em causa de forma tão estrondosa e negativa o mais alto representante de Portugal em Macau, é indispensável que tudo se esclareça, é necessário ilibar ou responsabilizar». Para a ADM, a opinião pública «não se contenta com juízos de legalidade, não precisa de ir ao advogado para aprovar ou reprovar, para sentir o que está bem e o que está mal» e este tipo de iniciativas (fundos públicos de Macau transferidos para fundações privadas sediadas em Portugal) «nunca foi bem aceite pela população de Macau (...). A comunidade portuguesa de Macau, apanhada de surpresa, tem assistido a tudo com pesar e, naturalmente, sofre e sente humilhação quando vê atingido o bom nome dos portugueses», merecendo, por isso, «uma explicação sobre o que se passa com a nova fundação».

O anúncio público das conclusões da comissão de inquérito acabaria por ser agendado para uma conferência de imprensa ao meio-dia de 24 de Março. O Ponto Final aproveitava o facto de sair nessa manhã (ainda funcionava em formato semanal) para recordar os passos de Edmund Ho desde que recebera o documento e antecipar o seu conteúdo. Os leitores ficavam, assim, a saber que os membros dos conselhos de administração, de curadores e fiscal da FCDM já se haviam reunido duas vezes com o Chefe do Executivo nessa semana: a primeira, para lhes serem distribuídas cópias do relatório e trocarem algumas impressões sobre este; a segunda, para o debaterem a fundo, num encontro que se teria prolongado «por cerca de quatro horas» e ainda continuado mais tarde, embora já sem a presença de alguns dos membros dos órgãos sociais da FCDM.

Sobre o primeiro desses encontros, Ricardo Pinto assegurava que, «após uma leitura rápida das conclusões, houve logo quem tivesse manifestado desagrado face ao teor do documento (...). Os elementos mais críticos foram Jorge Rangel, curador da FCDM e também da FJA, e Stanley Au, presidente do Conselho Fiscal da FCDM». À entrada para a segunda reunião, três dias depois, um dos elementos da FCDM teria reconhecido aos jornalistas que «as conclusões do documento representavam, acima de tudo, “um imenso desconforto”». Após quatro horas fechados, Stanley Ho, também ele curador da FCDM, deixava escapar aos jornalistas que havia «sérias divergências entre os elementos da FCDM quanto a questões jurídicas emergentes do processo e à forma como estas foram tratadas pela comissão de inquérito».

Relativamente ao teor concreto do relatório, o director do Ponto Final adiantava inúmeros detalhes; bem mais, aliás, do que aqueles que Edmund Ho acabaria por revelar horas depois de o jornal chegar às bancas. Mas disso falaremos na próxima semana...

(continua na próxima semana)

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