sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Antologia da transparência (VII)

Nuno Lima Bastos
7 de Agosto de 2009

A 25 de Fevereiro de 2000, o Ponto Final fazia a primeira página com outro caso de contornos, aparentemente, afins dos da FJA: «dezenas de milhões de patacas foram canalizadas para a criação do Instituto Internacional de Macau, presidido pelo ex-secretário-adjunto Jorge Rangel. A principal benemérita foi a Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento, mas também a Fundação Macau participou no novel organismo constituído no segundo semestre do ano passado. Que viu serem-lhe atribuídos outros 3,6 milhões para uma revista, autorizados por... Jorge Rangel».

A escritura notarial de constituição do Instituto Internacional de Macau (IIM), celebrada no cartório privado de António Dias Azedo em 25 de Junho de 1999, ainda Jorge Rangel integrava o Executivo do general Rocha Vieira como titular da pasta da Administração, Educação e Juventude, referia tratar-se de uma «organização não governamental, com a natureza de pessoa colectiva de direito privado, de carácter associativo e sem fins lucrativos, prosseguindo objectivos académicos, científicos e culturais». Apresentava como sócios-fundadores o próprio Jorge Rangel, a deputada Edith Silva (actual directora da Escola Portuguesa de Macau) e o director da Revista de Cultura, Luís Sá Cunha.

A comissão instaladora do IIM era presidida por José Amaral, então chefe de gabinete de Jorge Rangel. «Em reunião realizada no dia 16 de Dezembro de 1999, os sócios-fundadores desta organização não governamental – convocados pelo presidente da comissão instaladora – procederam à eleição da direcção do IIM. Jorge Rangel foi designado presidente do instituto e, como vice, José Amaral, que presidira à comissão instaladora». Tudo “em família”, portanto.

A génese do IIM não foi secreta: meros três dias após a sua formalização em escritura, foi enviado um comunicado à imprensa, anunciando os objectivos do novo organismo. Dois meses depois, em 25 de Agosto, a escritura era publicada em Boletim Oficial.

O problema residia no seu financiamento: a origem dos fundos, os montantes envolvidos e quem os autorizara. Escrevia Severo Portela que, «segundo fontes ligadas à anterior administração de Macau, o IIM terá sido financiado com subsídios que atingirão um montante estimado entre os 60 e os 85 milhões de patacas. Estes (subsídios) terão sido atribuídos, em fracções desiguais, pela Fundação para a Cooperação e Desenvolvimento, pela Fundação Macau e por verbas canalizadas através do orçamento privativo do gabinete de Rocha Vieira.

Contactada a FCDM, Farinha Soares, membro do conselho de administração, pediu escusa, alegando “o inquérito em curso” a propósito da controversa dotação da Fundação Jorge Álvares.

O Ponto Final contactou igualmente a Fundação Macau – entidade tutelada, ao tempo do eventual subsídio, por Jorge Rangel e a cujo conselho de curadores presidia Rocha Vieira – e obteve uma resposta neutra. Wu Zhiliang, confrontado com a alegada transferência de uma verba da FM para o Instituto Internacional, declarou “não confirmar, nem desmentir”», remetendo «o esclarecimento da questão para o relatório de contas de 1999, a ser publicado até ao final do primeiro semestre do ano corrente» (2000).

Quanto à eventual participação do gabinete do ex-governador no financiamento do IIM, o jornal não conseguiu obter qualquer dado adicional, o mesmo sucedendo junto do instituto, porquanto «Jorge Rangel, apesar de disponível para esclarecer qualquer aspecto relativo aos objectivos do IIM, recusou concretizar o esquema financeiro que vai suportar a actividade da instituição (...). Mesmo assim, considerou o montante apurado pelo Ponto Final como “absolutamente fantasioso”. Não será, por isso, fantasioso afirmar que subsídios, há. Los hay»!

Mas este novo episódio de promiscuidade entre dinheiros públicos e projectos privados de Rocha Vieira e membros da sua equipa governativa não se ficava por aqui. Paulo Azevedo expunha os factos adicionais: «Jorge Rangel autorizou, enquanto membro do anterior governo, o pagamento de 3,6 milhões de patacas ao Instituto Internacional de Macau, organismo de que passou a ser presidente antes mesmo de ter cessado as funções de secretário-adjunto. Uma verba pedida pelo seu chefe de gabinete, para uma revista trimestral (...). Ao que este jornal apurou, o então chefe de gabinete de Jorge Rangel, José Amaral, que, na altura, assumiu o cargo de presidente da comissão instaladora do IIM, apresentou o projecto da revista ao Gabinete Coordenador das Cerimónias de Transferência (GCCT), dirigido por Costa Antunes mas sob a alçada directa de Jorge Rangel, propondo que fossem atribuídos 3,6 milhões de patacas à publicação.

A revista “Macau Focus”, em língua inglesa, apresentada então como futura publicação oficial daquele instituto, e com periodicidade trimestral, teria os primeiros quatro números, a serem editados este ano, dedicados à transferência de poderes e ao debate e análise sobre a realidade de Macau, já sob a forma de região administrativa especial».

Perante o pedido do chefe de gabinete de Jorge Rangel, em nome do IIM, supostamente destinado ao pagamento desses primeiros quatro números da revista, o GCCT resolve – pasme-se! – enviar uma proposta em conformidade ao Secretário-Adjunto para a Administração, Educação e Juventude; isto é, ao próprio Rangel, sócio-fundador e futuro presidente (daí a pouco mais de um mês) do instituto que solicitava o dinheiro! Em Novembro de 1999, este autorizava a concessão do subsídio.

No entretanto, Jorge Rangel emitia o Despacho n.º 38/SAAEJ/99, publicado no Boletim Oficial de 13 de Outubro, atribuindo ao seu IIM a qualidade de pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, permitindo-lhe, assim, beneficiar do respectivo regime de isenções fiscais.

Nesse mesmo mês, o ainda governante aproveitava uma deslocação oficial ao Brasil para assinar, já em nome do IIM – pasme-se novamente! –, «uma série de protocolos com a Universidade Federal de Pernambuco, com a Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e, no Rio de Janeiro, com (...) o Real Gabinete Português de Leitura. Isto para além das duas casas de Macau, em São Paulo e no Rio de Janeiro, passando o instituto a representá-las em Macau», conforme veio a declarar, sem pruridos, em entrevista concedida ao Ponto Final em 17 de Dezembro seguinte.

(continua na próxima semana)

Sem comentários: