quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mais uma oportunidade perdida?

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
8 de Outubro de 2009

Foram ontem apurados os votos da emigração nas eleições legislativas portuguesas, responsáveis pela partilha dos últimos quatro lugares em São Bento. Retardei o mais possível a elaboração desta crónica, na esperança de saber já os resultados quando a iniciasse, mas não fui afortunado. Por isso, parto em desvantagem em relação aos leitores, que vão ter acesso a estas linhas já conhecendo esse desfecho...

É claro que, em face dos 226 deputados já definidos, este encerramento do escrutínio não altera nada. O Partido Socialista, com 96 assentos, vai continuar a precisar dos 21 votos do CDS-PP para chegar à maioria absoluta na Assembleia da República. Só mudaria alguma coisa se o PS conseguisse o resultado “impossível” (e jamais atingido por qualquer cor partidária) de açambarcar os quatro deputados dos círculos da Europa e de Fora da Europa. Aí, os 16 parlamentares do Bloco de Esquerda já permitiriam a formação de uma maioria absoluta de esquerda sem os comunistas.

Em 2005, o PSD elegeu José Cesário e Carlos Páscoa Gonçalves pelo círculo em que Macau se integra, graças aos 7707 votos que os emigrantes lhe conferiram. Com 3607 votos, o PS ficou a escassos 247 boletins de dividir os lugares com os laranjas.

Este ano, as contas devem ser ainda mais renhidas, dado que, até ao final da manhã de anteontem, apenas haviam chegado a Lisboa 7059 sobrescritos de eleitores a residir fora do velho continente – um total, portanto, abaixo do que o partido vencedor alcançou sozinho em 2005. Aliás, com tão poucos votantes, os escrutínios que o PS recebeu há quatro anos seriam suficientes para garantir agora os dois assentos.

Independentemente de quem irá cantar vitória com o cabeça-de-lista do PSD (cuja reeleição me parece evidente), sinto que Macau desbaratou mais uma excelente oportunidade de chegar à Assembleia da República. Já o disse antes e continuo a repeti-lo. Afinal, quão difícil seria associações como a ATFPM, a APOMAC e a Casa de Portugal juntas mobilizarem três ou quatro mil votos de cidadãos portugueses aqui no território? Impossível não seria, estou convencido.

Compreendo que a ATFPM se não queira envolver abertamente nesta contenda, uma vez que constitui o sustentáculo dos três membros do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) eleitos por Macau. O facto de o actual presidente do CCP ser um destes conselheiros – o médico Fernando Gomes – torna a situação ainda mais sensível, já que uma articulação da ATFPM com uma dada força partidária para efeitos de combate eleitoral poderia dificultar a cooperação institucional entre a direcção do CCP e os diversos partidos com assento parlamentar, já para não falar dos potenciais riscos para a própria coesão interna da equipa de Fernando Gomes.

Muito bem, mas continuaria a ser possível concertar a abstenção da ATFPM com uma postura activa das outras associações de matriz portuguesa, nomeadamente as duas que referi atrás, assegurando os apoios necessários para meter um nome de Macau em São Bento.

Já sei que viriam novamente ao de cima os eternos medos das iniciativas fracturantes, tão típicos deste nosso microscópico burgo (aliás, os mesmo que levam a que nem sequer se aceite debater certos temas, quando mais tomar posição sobre eles...). Sugeria, então, que se mandassem os grandes partidos “às malvas” e se procurasse negociar um entendimento eleitoral com um pequeno partido. Se não o CDS-PP ou o Bloco de Esquerda (os comunistas jamais entrariam no meu imaginário), uma das outras onze cores sem representação parlamentar. No meio de tanta aberração, até há alguns campos que escapam...

Certo é que, enquanto formos olhando para estas ideias como mero fruto de uma imaginação delirante, vamos continuar condenados a aturar políticos que se limitam a vir fazer turismo a Macau, inchados pelo habitual tempo de antena que a nossa comunicação social insiste em lhes dar para nada de útil ou de novo exprimirem. Para esse peditório é que, garantidamente, não dou mais...

Costuma dizer-se que cada sociedade merece os governantes (e os representantes) que tem. Eu acredito que merecemos melhor. Resta saber se alguma vez faremos por isso ou vamos preferir resignar-nos ao interminável choradinho de que ninguém nos liga em Lisboa...

Adenda: em reforço do que acima escrevi, recordaria que dois dos três deputados do PSD eleitos pela emigração são, eles próprios, emigrantes de longa data: Carlos Gonçalves, o cabeça-de-lista pelo círculo da Europa, vive em França e o seu homónimo Carlos Páscoa Gonçalves, número dois pelo círculo de Fora da Europa, reside no Brasil. Só José Cesário é que nunca foi emigrante. Ora, se o Brasil e França podem ter, cada qual, o seu deputado na Assembleia da República, não vejo porque não possa ter Macau também o seu...

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a selecção desta crónica para as suas «Leituras» da semana.

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