21 de Agosto de 2008
Em Julho de 2001, no dia em que o Comité Olímpico Internacional (COI) anunciava que cidade ia receber a Olimpíada de 2008, as autoridades da RAEM montaram um enorme aparato na Praça Flor de Lótus, incluindo um ecrã gigante e bancadas, para que a população local pudesse assistir em directo e em ambiente de festa à divulgação da escolha do COI. A confiança na candidatura de Pequim era quase ilimitada e deu-se uma enorme explosão de euforia popular mal Juan Antonio Samaranch soletrou o nome da capital chinesa. Também eu me encontrava ali com amigos, quando fui “apanhado” por uma jornalista, que, de telemóvel em riste, me questionou sobre tudo aquilo, em directo para um programa da Rádio Macau. Ainda que, devo confessar, com algum receio de me estar a meter em problemas, destoei do ambiente que me rodeava e respondi-lhe que discordava da decisão do COI, por entender que estava a “pôr a carroça à frente dos bois”. Isto é, para mim, a China deveria primeiro mostrar ao mundo uma franca evolução no campo dos direitos humanos e só depois o seu esforço ser premiado; não o contrário – receber os jogos olímpicos como incentivo para proceder a essa evolução –, como acabara de suceder.
Em 20 de Março último – quase cinco meses antes de a prova começar –, voltei a falar disso neste espaço, recordando a repressão no Tibete, a filtragem da informação televisiva e da Internet no continente, os entraves ao trabalho dos jornalistas, etc.. Em suma, as promessas incumpridas.
Hoje, com a prova a três dias do fim, nada parece ter mudado. Um exemplo: as autoridades chinesas haviam designado três parques de Pequim para a realização de protestos públicos organizados, sujeitos a autorização prévia. Na segunda-feira passada, a agência noticiosa oficial do regime, a Xinhua, anunciou que nenhum (!) dos 77 pedidos submetidos fora autorizado. Entretanto, o prazo para a sua apresentação expirou no dia seguinte, pelo que tudo indica que não haverá mesmo nenhuma contestação popular “legítima” até ao próximo domingo, quando os jogos se encerrarem. Segundo li no Hoje Macau de ontem, o South China Morning Post foi ao ponto de qualificar de «“truque” a designação das três regiões», uma vez que as administrações das mesmas declararam ao jornal de Hong Kong que ainda não haviam recebido «nenhuma ordem da polícia para habilitar as zonas para a realização de protestos». Na mesma esteira, a Human Rights Watch acusa que «o procedimento proposto pela China para a realização de protestos autorizados nunca teve por finalidade conceder mais liberdade de expressão às pessoas, mas apenas tornar mais fácil à polícia suprimir as liberdades».
A conceituada revista alemã Der Spiegel é ainda mais dura e escreve: «depois de suportar dias de silêncios, adulações e mentiras vindos dos organizadores, os jornalistas em campo enfrentaram uma nova certeza: este país não vai mudar. Este país sequestrou os jogos, apenas para se auto-celebrar e congratular, sem reacção do COI, que assiste obediente ou impotentemente». E continua, de forma lapidar: «está a tornar-se claro que, em Pequim, nas cadeiras do poder que rodeiam a agora sempre abandonada Praça de Tiananmen, nunca ninguém pensou seriamente em acomodar Jacques Rogge e os seus ideais – pelo menos, não mais do que na medida absolutamente necessária».
Nos campos estritamente desportivo e organizativo, parece indiscutível que a Olimpíada de Pequim está a ser um sucesso, como nunca duvidei que fosse, ou não estivesse em causa uma oportunidade única de a nova China se afirmar orgulhosamente perante o mundo. A própria Del Spiegel concede que «dificilmente este festival atlético global foi alguma vez organizado de forma tão perfeita». Mas alerta: «O COI (...) não quer ter nada a ver com problemas políticos e está intoxicado pela perfeição destes jogos».
Já li algures que o impacto deste acontecimento ia ser tão grande na China que a sua história passaria a estar dividida em dois períodos: a.J. e d.J., antes dos Jogos e depois dos Jogos. Sou, contudo, bem mais comedido e receio que desta competição apenas vou reter o recorde de oito medalhas de ouro de Michael Phelps e a espectacularidade da cerimónia de abertura (e, provavelmente, da de encerramento), sem esquecer aquelas duas “pequenas”, mas elucidativas, farsas a que todos assistimos. De resto, será business as usual...
Em 20 de Março último – quase cinco meses antes de a prova começar –, voltei a falar disso neste espaço, recordando a repressão no Tibete, a filtragem da informação televisiva e da Internet no continente, os entraves ao trabalho dos jornalistas, etc.. Em suma, as promessas incumpridas.
Hoje, com a prova a três dias do fim, nada parece ter mudado. Um exemplo: as autoridades chinesas haviam designado três parques de Pequim para a realização de protestos públicos organizados, sujeitos a autorização prévia. Na segunda-feira passada, a agência noticiosa oficial do regime, a Xinhua, anunciou que nenhum (!) dos 77 pedidos submetidos fora autorizado. Entretanto, o prazo para a sua apresentação expirou no dia seguinte, pelo que tudo indica que não haverá mesmo nenhuma contestação popular “legítima” até ao próximo domingo, quando os jogos se encerrarem. Segundo li no Hoje Macau de ontem, o South China Morning Post foi ao ponto de qualificar de «“truque” a designação das três regiões», uma vez que as administrações das mesmas declararam ao jornal de Hong Kong que ainda não haviam recebido «nenhuma ordem da polícia para habilitar as zonas para a realização de protestos». Na mesma esteira, a Human Rights Watch acusa que «o procedimento proposto pela China para a realização de protestos autorizados nunca teve por finalidade conceder mais liberdade de expressão às pessoas, mas apenas tornar mais fácil à polícia suprimir as liberdades».
A conceituada revista alemã Der Spiegel é ainda mais dura e escreve: «depois de suportar dias de silêncios, adulações e mentiras vindos dos organizadores, os jornalistas em campo enfrentaram uma nova certeza: este país não vai mudar. Este país sequestrou os jogos, apenas para se auto-celebrar e congratular, sem reacção do COI, que assiste obediente ou impotentemente». E continua, de forma lapidar: «está a tornar-se claro que, em Pequim, nas cadeiras do poder que rodeiam a agora sempre abandonada Praça de Tiananmen, nunca ninguém pensou seriamente em acomodar Jacques Rogge e os seus ideais – pelo menos, não mais do que na medida absolutamente necessária».
Nos campos estritamente desportivo e organizativo, parece indiscutível que a Olimpíada de Pequim está a ser um sucesso, como nunca duvidei que fosse, ou não estivesse em causa uma oportunidade única de a nova China se afirmar orgulhosamente perante o mundo. A própria Del Spiegel concede que «dificilmente este festival atlético global foi alguma vez organizado de forma tão perfeita». Mas alerta: «O COI (...) não quer ter nada a ver com problemas políticos e está intoxicado pela perfeição destes jogos».
Já li algures que o impacto deste acontecimento ia ser tão grande na China que a sua história passaria a estar dividida em dois períodos: a.J. e d.J., antes dos Jogos e depois dos Jogos. Sou, contudo, bem mais comedido e receio que desta competição apenas vou reter o recorde de oito medalhas de ouro de Michael Phelps e a espectacularidade da cerimónia de abertura (e, provavelmente, da de encerramento), sem esquecer aquelas duas “pequenas”, mas elucidativas, farsas a que todos assistimos. De resto, será business as usual...
2 comentários:
Boa nota amigo. Mas acho que valerá a pena ser um pouco mais ambicioso nos balanços. E ver pelo lado da afirmação nacionalista e do resgate de "uma centena" de anos de humilhações históricas que une [no vaticínio] gente tão díspare como Mao Zedong, Chiang Kai-Shek e Sun Yat-Sen. Há uma lado de irracionalidade colectiva que estes Jogos sublimam e que é preciso perceber para perceber o material de que os homens são feitos.
Caro AG, obrigado pelo seu comentário. Na minha crónica de ontem, 28 de Agosto, falei um pouco mais sobre isto, mas confesso que não tive vagar para ser tão alargado como gostaria. Você é que poderia disponibilizar um tempinho das suas férias para nos brindar com algo de maior fôlego. Seria, certamente, interessante!
Um abraço.
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