Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
28 de Agosto de 2008
Como seria de esperar, muito se tem escrito nestes últimos dias em jeito de balanço dos Jogos Olímpicos de Pequim. Eu próprio fiz um pequeníssimo exercício antecipado na minha crónica da semana passada, centrado na questão dos direitos humanos, e gostaria de o rematar aqui com mais alguns pensamentos soltos, reflectindo sobre algumas coisas que tenho lido na imprensa local. Não porque me considere um arauto dos direitos humanos, mas simplesmente porque o assunto me preocupa e incomoda a ponto de não conseguir ser indiferente a certas realidades de que vou tendo conhecimento, nomeadamente nesta zona do mundo onde vivo, como julgo ser natural.
Desde logo, confesso a minha dificuldade em perceber como é que, depois de as mais diversas organizações internacionais, muitas delas altamente conceituadas, e de inúmeros órgãos de comunicação social de todos os cantos do mundo, quantos deles de referência, apontarem insistentemente o dedo ao Governo Central pelo incumprimento das promessas de abertura feitas aquando da apresentação da candidatura de Pequim à organização desta Olimpíada e de, encerrada a competição, reiterarem os seus alertas, alguns comentadores locais bem familiarizados com a realidade chinesa preferem falar agora de banalização do discurso dos direitos humanos. Nunca será banal discutir-se um assunto tão vital à condição humana, em particular quando há tanto ainda por fazer neste campo.
Reconheço, também, o meu desconforto quando se riposta ao que se passa na China com o que supostamente sucede em outros pontos do globo. Primeiro, porque o mau registo deste país na matéria é suficientemente extenso no conteúdo e no tempo para merecer os holofotes do mundo; segundo, porque houve expectativas criadas de dentro para fora relacionadas com um acontecimento que teve lugar agora. Logo, é perfeitamente legítimo e natural que se preste especial atenção nesta altura à China e às promessas (incumpridas) dos seus dirigentes. Em 2012, quando a competição se realizar em Londres, também o mundo dará particular atenção aos ingleses, pelos bons e maus motivos que então surgirem. Os acontecimentos ditam a agenda internacional e não há que usar isso como subterfúgio para menorizar a denúncia do que está mal. Quando muito, que se denuncie a desatenção do mundo no resto do tempo...
Quanto ao sucesso da organização dos jogos propriamente ditos, sintetizo a minha perspectiva recorrendo a um comentário que deixei num conhecido blogue local: a atribuição da prova à capital chinesa foi, no essencial, uma decisão comercial. Nada mais. A partir daí, cada um de nós avalia o resultado dessa escolha com base nos factores que considera mais relevantes. Se só nos interessar a vertente desportiva, estes jogos foram uma aposta ganha pelo Comité Olímpico Internacional e pela China. Se formos empresários e estivermos interessados na vertente comercial, ainda melhor. Se, como eu, se entender que o desejo de um país em ser anfitrião de uma prova desta dimensão é uma oportunidade excepcional para o escrutinar e o pressionar a corrigir determinadas condutas, então a entrega da olimpíada deste ano a Pequim foi, muito provavelmente, o desbaratar de um dos melhores instrumentos de que a comunidade internacional dispunha para ajudar aqueles que sofrem às mãos do regime chinês.
Não quer isto dizer que não reconheça a evolução que este país sofreu ao longo das últimas duas ou três décadas. Claro que sim. A China de hoje não é, e ainda bem, a mesma da Revolução Cultural ou, até, a de 1989. Mas as grilhetas do poder continuam lá, bem apertadas, prosseguindo comportamentos autocráticos que esmagam qualquer sopro mais atrevido. E não me venham dizer que o Partido Comunista tem que ser firme porque o país é especial, é demasiado populoso, tem muitos problemas, ainda muita pobreza e todo aquele discurso sobejamente conhecido. Acredito que o Partido se preocupe com o seu povo, sim. O problema é que a primeira preocupação do regime, de qualquer regime desta natureza, é a sua perpetuação no poder. E, por isso, quando tem que decidir entre a sua sobrevivência e o bem do povo, opta sempre pela primeira. E foi por isso que Tiananmen aconteceu. E foi também por isso que nenhum dos pedidos de protestos públicos foi autorizado durante a realização dos Jogos Olímpicos. E foi ainda por isso que estes Jogos constituíram, mais do que qualquer outra coisa, um exercício de força e propaganda do regime, procurando unir o povo à sua volta e ganhar o respeito reverencial do mundo – independentemente da beleza e qualidade do evento, e para lá do desportivismo e simpatia do povo que acolheu os seus visitantes. Parabéns? Sim, mas...
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2 comentários:
Muito bom Nuno.
Obrigado!
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