sexta-feira, 13 de novembro de 2009

As prisões negras da China

Francisca Gorjão Henriques
Público
12 de Novembro de 2009

Não são assassinos, não infringem a lei. No entanto, as autoridades não os querem na rua. Os peticionários chineses cumprem uma tradição milenar de sair das suas terras para procurar justiça em Pequim, ou noutras grandes cidades. O que encontram está mais perto do inferno, segundo a descrição de um relatório que hoje é publicado pela Human Rights Watch.

Chamam-lhe as “prisões negras”. Não são as tradicionais cadeias, com polícias à porta, mas geralmente, hotéis estatais, lares ou hospitais psiquiátricos. Sequestram as pessoas na rua, colocam-nas em carros, e fecham-nas durante dias ou meses. Uma vez detidas, são espancadas, violadas, ameaçadas, roubadas.

“Todos os dias, só me deixavam dormir três horas e acordavam-me a qualquer momento para que eu não pudesse fugir. Eu estava sempre com fome, mas não conseguia comida suficiente. A segunda vez que fui detido, por 37 dias, perdi 20 quilos”. A Human Rights Watch (HRW) fez esta entrevista a um antigo detido, mas como nos outros casos, deixou secreta a sua identificação. Nada garante que este ex-preso, como todos os outros, não volte a estar na mira dos guardas.

“Sabemos há algum tempo, pelo menos desde 2003, que a China tem uma história desonrosa de prisões à margem da lei”, comentou por telefone ao PÚBLICO a investigadora da HRW Sophie Richardson, a partir de Hong Kong.

É impossível saber quantos estão presos, porque oficialmente não foram detidos. Tudo se passa à margem do sistema judicial, tão à margem que as autoridades governamentais negam que essa realidade exista. “O Governo chinês repudiou publicamente um sistema que permitia à polícia deter migrantes sem qualquer base legal”, continua Sophie Richardson, mas sabe e fecha os olhos às “prisões negras”.

No relatório de 53 páginas, intitulado “Via para o Inferno”, a HRW explica que os detidos são peticionários, a maioria proveniente das zonas rurais, que vão para Pequim ou outras capitais de província à procura de resposta das autoridades aos abusos de que se sentem alvo – desde confiscação de terras, à corrupção governamental. Os responsáveis locais procuram com as “prisões negras” impedir que as suas queixas se façam ouvir, para que não tenham de responder às sanções burocráticas que são impostas quando existe um grande número de petições.

“A grande maioria dos detidos são peticionários, mas também não excluímos a hipótese de que possa haver pessoas que não agradam ao Governo”, como dissidentes políticos, adianta Richardson. Da mesma forma, os casos estudados foram de pessoas presas durante dias ou meses, mas isso não quer dizer que alguns passem anos detidos nas “prisões negras”.

“Fizemos 40 entrevistas, todos tinham sido detidos sem que lhes dissessem quanto tempo iam estar presos, e todos sem saberem qual era a acusação. Alguns foram sequestrados na rua”, continua a investigadora.

“São desumanos”, relatou uma entrevistada da província de Jiangsu, que passou um mês presa. “Duas pessoas puxaram-me pelo cabelo e puseram-me num carro. Amarram-me as mãos e eu não conseguia mexer-me. Depois, puseram-me dentro de um quarto onde estavam duas mulheres que me despiram e me bateram na cabeça e deram pontapés”.

Há informações de que entre os detidos há menores de 18 anos, incluindo uma rapariga de 15 que foi raptada em Pequim, onde se preparava para apresentar uma petição por causa do pai, que fora fechado num lar da província de Gansu durante mais de dois meses, onde foi espancado.

“O Governo deveria tomar acções céleres para encerrar estas instalações, investigar os que as gerem e dar assistência aos que foram vítimas de abusos nelas”, lê-se no relatório.

Sem comentários: