sábado, 9 de maio de 2009

Novamente, em que ficamos?

Nuno Lima Bastos
9 de Maio de 2009

A minha crónica de há duas semanas sobre o hipotético aparecimento de uma candidatura às próximas eleições legislativas locais que disputasse o eleitorado lusófono à ATFPM e, conexamente, sobre as relações entre os portugueses naturais de Macau e os seus compatriotas vindos do cantinho europeu suscitou diversas reacções, no meu blogue e através de mensagens privadas, como já imaginava, dada a enorme sensibilidade do assunto. À semelhança do meu texto, também os comentários que recebi versaram os dois aspectos da questão, ainda que variando na atenção dedicada a cada um deles. Seja como for, foram em quantidade e qualidade mais do que suficientes para justificar alguns considerandos adicionais sobre o tema.
Comecemos pela questão eleitoral. À margem das “farpas” que lancei ao facto de a comunidade macaense não admitir, aparentemente, ser representada num sufrágio local por um “forasteiro” – sendo certo que os forasteiros como eu estão representados no Conselho das Comunidades Portuguesas por três macaenses e convivemos com isso sem qualquer problema ‑, algumas declarações minhas têm vindo a ser interpretadas como de apoio mais ou menos expresso a José Pereira Coutinho. É verdade que, se tivesse que votar hoje, essa seria uma das minhas opções, mas não a única, como também já esclareci.
Diferentemente, tenho é procurado salientar que, para mim, não faz qualquer sentido reclamar-se, sem mais, o (re)lançamento de uma lista alternativa da comunidade portuguesa ‑ ou, de forma mais abrangente, lusófona – com o exíguo argumento de que o líder da ATFPM «a não representa». Ainda que concedendo que o deputado é, fundamentalmente, um sindicalista, reputo de injusto resumir a sua actuação política às reivindicações laborais ou esquecer o contributo que tem dado para a manutenção de uma presença lusa em diversos fóruns da vida de Macau. Mais do que injusto, chega a ser acintoso.
Um dos comentários ao meu texto de 23 de Abril invocava que Pereira Coutinho só estaria disposto a entregar o segundo lugar da sua equipa a um “metropolitano”, não a um filho da terra. Nunca ouvi semelhante coisa e isso até contraria as suas declarações públicas sobre negociações decorridas com figuras da Macau Sempre, mas, se assim sucedesse, qual era o problema? Nem para número dois servimos?
Replicam-me que são precisos os votos chineses para conquistar assentos na legislatura e os macaenses, por questões linguísticas, chegam mais facilmente a esse eleitorado. Permitam-me uma elementar observação: não basta o factor língua para qualquer macaense ser uma mais-valia para a Nova Esperança. Falar cantonês ou mandarim sem substrato e sem provas dadas no terreno não serve para nada (a não ser que se tenha os muitos milhões de certos candidatos...). Daí que Pereira Coutinho ceder o seu lugar-tenente a outro macaense que não tenha estofo nem imagem pública firmada pode degenerar numa dupla perda: nem o ajuda a reforçar a sua penetração no sector chinês, nem a reunir o voto daqueles lusófonos que, tendencialmente, não o apoiariam.
Para encerrar as minhas divagações sobre este tópico, folgo em ver que Casimiro Pinto teve o bom senso de não avançar e só lamento que se tenha manifestado favorável a uma «lista étnica» (sic), exactamente a expressão que os seus promotores da esfera da Macau Sempre têm procurado afastar. Por outro lado, com toda a sinceridade e o devido respeito, quando se diz que Pereira Coutinho não é representativo da comunidade e se insinuam, em alternativa, nomes como o do jovem intérprete-tradutor, ou se anda a brincar com as pessoas ou se perdeu completamente a noção da realidade... Quando, a acrescer a isso, este putativo candidato é preferido pelos seus mentores a qualquer nome “de fora” ‑ e haveria aqui diversas e interessantes opções ‑, então, estamos mesmo a falar de listas étnicas, mas não no sentido amplo de portuguesas... E, quanto a isso, poupem-me de vez à afronta, que eu “vos” poupo ao exercício do meu direito à indignação!
Algumas palavras finais para o excelente e sentido comentário que um leitor apenas identificado como «Jorge» deixou no meu blogue. Dele retive, em particular, estas passagens: «quando chega o “cheirinho do poder”, é natural que [os macaenses] se reservem o direito de o disputar sem o partilharem com os “reinóis”. Trata-se de um direito que lhes advém da sua filiação à terra de Macau, uma jus solis macanensis. Não têm outra. Apenas esta. É a luta pela vida. (...) É legítimo o sentimento de exclusividade do macaense pela terra que o viu nascer, pelo secular sentimento de precariedade pela posse de Macau pelos portugueses».
Percebo o drama da luta de quem se deve sentir, bastas vezes, como um estrangeiro na sua própria terra. Lembro-me de Leonel Alves falar nisso em vésperas da transferência de soberania. O seu semblante e o tom das suas palavras eram a expressão do receio de toda uma colectividade quanto ao futuro nebuloso que aí vinha. Mas este é um caminho a percorrer solidariamente por todos nós. Quanto mais não seja – e estou a ser tão redutor! ‑, porque a dimensão do desafio assim o exige. E convinha que o interiorizássemos de uma vez por todas... Mas também porque uma comunidade com uma diáspora tão vasta como a macaense tem mais do que obrigação de compreender o quão infeliz é discriminar os seus próprios compatriotas que aqui aportaram em busca de uma vida melhor.

PS: por razões profissionais, O Protesto vai fazer uma pausa de duas semanas, regressando no final do mês.

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».

1 comentário:

macaense de lisboa disse...

O sr. Nuno Lima Bastos refere neste texto que um dos comentários ao seu texto anterior "invocava que Pereira Coutinho só estaria disposto a entregar o segundo lugar da sua equipa a um metropolitano". (Mas que termo tão anacrónico. Não consegue arranjar outro melhor?).

Penso que esteja a referir-se ao meu comentário.

Ora não fui eu que invoquei isso.
Você é que num comentário a um anónimo (1h 31m)referiu que concordaria com essa ideia vinda do sr Ricardo Pinto.

Só para que fiquemos esclarecidos.

Quanto ao parágrafo seguinte, é uma evidência que nem merece discussão.
Quando eu disse que uma pessoa com conhecimentos de lingua chinesa penetra muitíssimo mais facilmente no eleitorado chinês, é obvio que eu não estava a dizer que qualquer mentecapto serve para numero dois do sr Coutinho só porque fala chinês.
Isto é senso comum.

Assim como é senso comum de qualquer pessoa que conheça os chineses de Macau que eles não votam num kwai lou que de chinês só sabe dizer mkoi ou chou san.
A não ser, como disse e muito bem, que haja alguns milhões envolvidos na coisa...

E os chineses estão e sempre estiveram completamente a leste das movimentações da comunidade portuguesa e dos seus protagonistas, ainda mais agora que ja não administramos esta terra.

Isto é Macau, não é HK.

Mesmo em HK nao tenho conhecimento de nenhum "bife" que tivesse sido eleito para o LegCo, mas posso estar errado.

E só os tais votos lusófonos não chegam para eleger coisíssima nenhuma.
Sem votos de chineses nada feito.