Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
27 de Março de 2008
«O Partido Comunista é como o pai do povo Tibetano
e é sempre atencioso para com as necessidades dos seus filhos.
O Comité Central do Partido é o verdadeiro Buda para os Tibetanos.»
A frase é de Zhang Qingli, líder do Partido Comunista do Tibete, e foi proferida na semana passada, na sequência das manifestações populares contra a dominação chinesa, e espelha bem a forma de pensar e de estar dos dirigentes comunistas chineses em relação à cultura, à religião e à vida em geral do povo tibetano (e do próprio povo chinês). E foi também uma elucidativa resposta às acusações de genocídio cultural no Tibete...
Esta e outras tiradas de idêntico calibre (ainda que, porventura, menos imaginativas) contribuíram, certamente, para motivar a iniciativa de um grupo de trinta intelectuais chineses, que divulgaram na Internet uma carta aberta ao Governo Central, instando-o e aos meios de comunicação oficiais a deixarem de utilizar propaganda «que atiça o ódio racial» e «linguagem reminescente da Revolução Cultural» para vilipendiar o Dalai Lama. A carta foi assinada, entre outros, por um respeitado escritor de assuntos tibetanos, Wang Lixiong, pelo escritor dissidente Liu Xiaobo, pelo advogado ligado a causas de direitos humanos Pu Zhiqiang e por Ding Zilin, do grupo Mães de Tiananmen, que representa famílias de vítimas do massacre de 1989 na praça do mesmo nome. O documento defende também o livre acesso ao Tibete dos jornalistas estrangeiros e da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, argumentando, ainda, que a China devia conduzir os seus assuntos como um país civilizado e deixar de usar retórica que afecta a sua imagem internacional.
O contra-ataque de Pequim tem passado, como se sabe, por acérrimas críticas à comunicação social estrangeira, acusada de difundir uma visão deliberadamente distorcida e unilateral dos acontecimentos. Parece, aliás, que o único media forasteiro isento é o jornal oficial da Coreia do Norte, o Rodong Sinmun, citado pela Xinhua como tendo afirmado que «as repugnantes forças internacionais que tentam politizar e destruir os Jogos Olímpicos de Pequim estão condenadas ao fracasso».
A estas atoardas respondeu, com notável limpidez, a jornalista portuguesa residente em Pequim Vera Penêdo (e não, não era a ela que me referia na minha última crónica), no seu blogue De olho no dragão, em directo de Beijing: «depois de dias a impedir que os jornalistas entrassem em Lhasa ou nas províncias vizinhas do Tibete (Gansu, Sichuan e Qinqhai), a China vem agora dizer que a imprensa estrangeira não viu a verdadeira realidade dos acontecimentos. Depois de dias a calar as fontes de informação tibetanas e internacionais, a China vem agora afirmar que o mundo não conhece a verdade dos factos. Depois de dias a produzir propaganda e a calar vozes independentes (analistas, dissidentes, estudantes), a China vem declarar que o mundo está contra si (...). Ora, se não há nada a esconder, porquê impedir o acesso à informação; se não há nada a ocultar, por que razão os jornalistas não podem fazer o seu trabalho?». E conclui: «a China não é uma democracia com provas no cumprimento da lei. Semanas antes dos tumultos, quando os Jogos Olímpicos ainda dominavam as notícias, Pequim assegurava que ia dar maior liberdade de movimentos e acesso às fontes durante a época dos JO. A China diz, desdiz, esquece e governa como bem entende».
Em todo o caso, a realização da próxima Olimpíada poderá constituir uma rara oportunidade para o mundo conseguir saber um pouco mais do que realmente se passa na sociedade chinesa, não obstante o apertado controlo de movimentos que as autoridades irão, decerto, aplicar a todos os jornalistas estrangeiros em serviço no evento. Mas serão muitos profissionais para o novo “Buda” vigiar de uma só vez...
Entretanto, as autoridades judiciais deste país onde, segundo escreveu há quinze dias um conhecido jornalista de Macau, «ano após ano, são dados passos no sentido de uma democracia mais real do que a que existe, por exemplo, nos Estados Unidos», acabam de condenar o seu cidadão Yang Chunlin a cinco anos de cadeia pela prática do crime de subversão. Que fez ele? Apenas organizou um abaixo-assinado denunciando a apropriação ilegal de terras por altos funcionários da província de Heilongjiang e exigindo «Direitos Humanos e não Jogos Olímpicos».
O novo “Buda” e os seus tentáculos têm mão pesada. E o mundo agacha-se, porque esta China, mais do que vermelha, é verde – verde-dólar, a cor que move o mundo.
Jornal Tribuna de Macau
27 de Março de 2008
«O Partido Comunista é como o pai do povo Tibetano
e é sempre atencioso para com as necessidades dos seus filhos.
O Comité Central do Partido é o verdadeiro Buda para os Tibetanos.»
A frase é de Zhang Qingli, líder do Partido Comunista do Tibete, e foi proferida na semana passada, na sequência das manifestações populares contra a dominação chinesa, e espelha bem a forma de pensar e de estar dos dirigentes comunistas chineses em relação à cultura, à religião e à vida em geral do povo tibetano (e do próprio povo chinês). E foi também uma elucidativa resposta às acusações de genocídio cultural no Tibete...
Esta e outras tiradas de idêntico calibre (ainda que, porventura, menos imaginativas) contribuíram, certamente, para motivar a iniciativa de um grupo de trinta intelectuais chineses, que divulgaram na Internet uma carta aberta ao Governo Central, instando-o e aos meios de comunicação oficiais a deixarem de utilizar propaganda «que atiça o ódio racial» e «linguagem reminescente da Revolução Cultural» para vilipendiar o Dalai Lama. A carta foi assinada, entre outros, por um respeitado escritor de assuntos tibetanos, Wang Lixiong, pelo escritor dissidente Liu Xiaobo, pelo advogado ligado a causas de direitos humanos Pu Zhiqiang e por Ding Zilin, do grupo Mães de Tiananmen, que representa famílias de vítimas do massacre de 1989 na praça do mesmo nome. O documento defende também o livre acesso ao Tibete dos jornalistas estrangeiros e da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, argumentando, ainda, que a China devia conduzir os seus assuntos como um país civilizado e deixar de usar retórica que afecta a sua imagem internacional.
O contra-ataque de Pequim tem passado, como se sabe, por acérrimas críticas à comunicação social estrangeira, acusada de difundir uma visão deliberadamente distorcida e unilateral dos acontecimentos. Parece, aliás, que o único media forasteiro isento é o jornal oficial da Coreia do Norte, o Rodong Sinmun, citado pela Xinhua como tendo afirmado que «as repugnantes forças internacionais que tentam politizar e destruir os Jogos Olímpicos de Pequim estão condenadas ao fracasso».
A estas atoardas respondeu, com notável limpidez, a jornalista portuguesa residente em Pequim Vera Penêdo (e não, não era a ela que me referia na minha última crónica), no seu blogue De olho no dragão, em directo de Beijing: «depois de dias a impedir que os jornalistas entrassem em Lhasa ou nas províncias vizinhas do Tibete (Gansu, Sichuan e Qinqhai), a China vem agora dizer que a imprensa estrangeira não viu a verdadeira realidade dos acontecimentos. Depois de dias a calar as fontes de informação tibetanas e internacionais, a China vem agora afirmar que o mundo não conhece a verdade dos factos. Depois de dias a produzir propaganda e a calar vozes independentes (analistas, dissidentes, estudantes), a China vem declarar que o mundo está contra si (...). Ora, se não há nada a esconder, porquê impedir o acesso à informação; se não há nada a ocultar, por que razão os jornalistas não podem fazer o seu trabalho?». E conclui: «a China não é uma democracia com provas no cumprimento da lei. Semanas antes dos tumultos, quando os Jogos Olímpicos ainda dominavam as notícias, Pequim assegurava que ia dar maior liberdade de movimentos e acesso às fontes durante a época dos JO. A China diz, desdiz, esquece e governa como bem entende».
Em todo o caso, a realização da próxima Olimpíada poderá constituir uma rara oportunidade para o mundo conseguir saber um pouco mais do que realmente se passa na sociedade chinesa, não obstante o apertado controlo de movimentos que as autoridades irão, decerto, aplicar a todos os jornalistas estrangeiros em serviço no evento. Mas serão muitos profissionais para o novo “Buda” vigiar de uma só vez...
Entretanto, as autoridades judiciais deste país onde, segundo escreveu há quinze dias um conhecido jornalista de Macau, «ano após ano, são dados passos no sentido de uma democracia mais real do que a que existe, por exemplo, nos Estados Unidos», acabam de condenar o seu cidadão Yang Chunlin a cinco anos de cadeia pela prática do crime de subversão. Que fez ele? Apenas organizou um abaixo-assinado denunciando a apropriação ilegal de terras por altos funcionários da província de Heilongjiang e exigindo «Direitos Humanos e não Jogos Olímpicos».
O novo “Buda” e os seus tentáculos têm mão pesada. E o mundo agacha-se, porque esta China, mais do que vermelha, é verde – verde-dólar, a cor que move o mundo.
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