quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ainda sobre a habitação pública em Macau

Nuno Lima Bastos
26 de Fevereiro de 2009

Na entrevista que dei ao Jornal Tribuna de Macau na segunda-feira passada, critiquei abertamente a falta de empenho do nosso Governo em matéria de habitação pública, entre outras. Analisando a minha posição, o director deste matutino recordou, no seu editorial do dia seguinte, o eterno confronto entre o intervencionismo público e a iniciativa privada na economia.
Devo dizer, para dissipar quaisquer dúvidas a este respeito, que sou ideologicamente adepto de uma economia de mercado aberta, mas sujeita a regras que assegurem uma sã concorrência e contribuam para a edificação de uma sociedade justa e solidária, onde o Estado, dentro das suas possibilidades, deve apoiar ao máximo as necessidades básicas da população e, em particular, dos mais desfavorecidos – entre elas, claro, o acesso à habitação, à saúde, à educação e à justiça. Não creio que isto colida minimamente com o “segundo sistema” que foi definido para funcionar em Macau até 2049 ou com o princípio da prevalência da iniciativa privada a ele inerente.
Cingindo-me, por hoje, apenas ao aspecto da habitação pública, basta-me olhar para os nossos vizinhos de Hong Kong – exemplo política e economicamente muito mais avançado do “segundo sistema” do que Macau – e actualizar a comparação que fiz neste mesmo espaço há precisamente um ano, quando escrevi uma crónica intitulada «O (mau) estado da habitação pública em Macau» (JTM de 28 de Fevereiro de 2008).
Assim, passando os olhos pelos últimos dados estatísticos disponíveis no website da Hong Kong Housing Authority, verificamos que, até ao final de Março passado, havia 1 110 000 apartamentos públicos ao dispor da população daquele território – isso mesmo, mais de um milhão de fogos, entre habitação social (para arrendar, correspondendo a quase dois terços do total) e habitação económica (para vender a preços controlados)! Dez anos antes, eram 947 000, um número já de si impressionante, mas que significa que, na última década, o Governo continuou a entregar aos seus concidadãos uma média líquida de 16 300 fracções por ano!
Deste notável esforço continuado das autoridades de Hong Kong (na esteira do governo colonial britânico, diga-se em boa verdade) resultou que, no primeiro trimestre de 2008, quase metade (47,8%) dos seus cerca de sete milhões de habitantes viviam em habitação pública!
Não querendo esmiuçar mais estes números, resta-me acrescentar que a Housing Authority deixou de construir unidades residenciais para venda em 2003, passando a concentrar-se exclusivamente no mercado de arrendamento. A mensagem parece-me clara: quem quiser e puder comprar a sua casa vá ao mercado privado; quem não tiver condições para tanto ou, sequer, para suportar uma renda livre pode vir bater à nossa porta, que vamos tentar garantir um tecto condigno para todos, evitando, ao mesmo tempo, que o mercado privado fique (ainda mais) desenfreado.
Olhando, agora, cá para dentro, consultemos os dados do nosso Instituto de Habitação sobre a oferta de habitação pública desde a transferência de soberania. Começando pelos edifícios para arrendamento já concluídos, temos apenas um em nove anos: a «Habitação Social da Ilha Verde», com 210 fracções, cuja licença de utilização foi emitida em Junho de 2007. Isto dá uma média de 23 apartamentos por ano desde que este Governo tomou posse...
Depois, o projecto mais próximo de estar finalizado é o complexo de «Habitação Social do Fai Chi Kei, 2.ª Fase», com 884 fracções. Temos, ainda, o «Lote 4 do Bairro da Ilha Verde», com 500 fracções, «em projecto»; a «Habitação Social de Mong Há, 1.ª Fase», com 588 fracções, onde «estão em curso as obras básicas»; o «Complexo de Habitação Social na Ilha Verde – Bloco A», com 357 fracções, que ainda não passou do «design do projecto de execução»; o «Complexo de Habitação Social na Ilha Verde – Bloco B», com 672 fracções, onde «a obra de estrutura do edifício está em curso»; e, finalmente, o «Complexo de Habitação Social na Ilha Verde – Bloco C», com 252 fracções, na mesma situação. Se tudo correr como anunciado, estes prédios irão representar mais 3253 apartamentos, a juntar aos 210 já operacionais. No total, 3463 fogos construídos para arrendar em mais de dez anos (já que não ficarão todos concluídos até ao final do corrente ano), para uma população à volta das 550 000 almas.
Quanto à habitação económica, os números do Instituto de Habitação revelam 2816 fracções licenciadas para venda no mesmo período de tempo, a que acrescem 880 em construção nos «Lotes HR e HS – Rua da Tranquilidade do Hipódromo» e 2703 de um projecto que ainda não passou da adjudicação, o «Lote TN27 – Estrada Coronel Nicolau de Mesquita, Taipa». Tudo somado, 6399 apartamentos para venda económica até 2011 – qualquer coisa como 533 por ano.
Em síntese, mesmo com todos os investimentos anunciados nos últimos tempos, os resultados dos dois mandatos de Edmund Ho em habitação pública não vão chegar às dez mil fracções, entre o que está feito e o que já passou das meras intenções (isto é, que já entrou, pelo menos, em fase de projecto). Vale a pena fazer comparações com Hong Kong? Ou estarão os nossos vizinhos a perverter o “segundo sistema”?

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».

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