quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Estudos...

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
12 de Fevereiro de 2009

O Centro de Estudos Estratégicos para o Desenvolvimento Sustentável (CEEDS), um organismo da Administração criado em Maio de 2006, pago pela Fundação Macau e funcionando na directa dependência e sob orientação do Chefe do Executivo, divulgou anteontem os resultados do seu «Estudo sobre a Qualidade de Vida Global dos Residentes de Macau» relativo ao ano transacto.
Sobre as imperfeições metodológicas da sondagem já se pronunciou ontem o director deste jornal, em termos que não posso deixar de subscrever: em síntese, não tendo sido divulgada a sua ficha técnica – apenas foi referido que os dados resultaram de entrevistas telefónicas a 1017 pessoas –, não é possível aferir com rigor da sua fiabilidade e representatividade da população do território.
Mas os resultados divulgados, as ilações deles extraídas e algumas declarações adicionais dos responsáveis pelo trabalho também não ajudaram à festa. Desde logo, esta frase de Timothy Wong, também director-adjunto do Instituto de Investigação Ásia-Pacífico da Universidade Chinesa de Hong Kong: «Macau tem um Governo democrático e, por isso, recorre a consultas públicas»! Não sei que conceito terá este senhor de democracia, mas não é, seguramente, idêntico ao meu: numa região com mais de meio milhão de habitantes, um Chefe do Executivo eleito por uma comissão de meras trezentas almas, por muito iluminadas que sejam, nunca poderá, por definição, ser epitetado de «democrático»...
Curiosamente, a maioria dos inquiridos pareceu querer dar razão ao académico da RAEHK, já que 30% destes entenderam que um Governo democrático era o que estava «disposto a consultar a opinião pública», contra apenas 25,9% que o ligaram umbilicalmente ao voto do povo. Terá o senhor sido influenciado pela opinião dos residentes de Macau ou vice-versa?
Enfim, não querendo lançar atoardas contra o bom nome de ninguém, não consigo deixar de notar que, nesse e em diversos outros pontos, as conclusões da iniciativa encaixam que nem uma luva ao que tem sido a ladainha do nosso Executivo em matéria de democratização do sistema. Basta recordarmos o que foi dito há perto de um ano, aquando da consulta pública sobre a revisão das leis eleitorais: que a democracia não era «só números, mas, sobretudo, qualidade» (no que remeto para a resposta que dei na minha crónica de 13 de Março passado, disponível no meu blogue), que a população local não manifestara nas suas respostas o desejo de acesso ao sufrágio universal (ainda que a questão não tivesse sido minimamente suscitada nos documentos de consulta; bem pelo contrário, com expliquei na minha coluna de 15 de Maio) ou que o aprofundamento da democracia era incompatível com o eficaz combate à corrupção eleitoral (já agora, para serem 100% eficazes, é só acabarem com as eleições tout court...), só para citar alguns exemplos mais flagrantes.
E em que medida é que o estudo do CEEDS parece “adequado” a este tipo de argumentação? Além dos dados que já referi atrás, é atentarmos nesta contradição crassa (mencionada, aliás, pelos jornalistas portugueses que cobriram a conferência de imprensa daquele organismo): 45% dos auscultados afirmaram não ter interesse na política e outros 13% assumiram mesmo um desinteresse absoluto; além disso, 44% consideraram não ter qualquer influência na política governativa, 85% nunca manifestaram a sua opinião sobre essa política através de funcionários, departamentos públicos ou outros serviços e 82% nunca participaram em actividades organizadas por associações políticas. Não obstante tamanho desinteresse, 66% dos respondentes pretendem votar nas próximas eleições para a Assembleia Legislativa!
Ou seja: não precisamos de mais democracia; a que temos está bem para nós, obrigado! A nomenklatura que escolha e o Chefe que governe; que nós, bons cidadãos, vamos abnegadamente pôr o nosso insignificante voto na urna de quatro em quatro anos...
Como diz o velho ditado, à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo...

PS: na semana passada, manifestei curiosidade em saber se a Melco Crown tencionava dar preferência aos trabalhadores do Hotel Crown que quisessem mudar-se para o futuro complexo City of Dreams, de forma a recuperarem um posto a tempo inteiro. Segundo li no JTM do último domingo, o cenário parece confirmar-se, estando previsto o novo empreendimento receber entre quinhentos e seiscentos trabalhadores daquela unidade hoteleira. Resta, então, saber se, após o emagrecimento, os seus antigos colegas verão os respectivos horários e vencimentos repostos. À atenção da DSAL!

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».

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