sexta-feira, 31 de outubro de 2008
What do we care?
Reportagem publicada na revista Macau Closer deste mês e também disponível no blogue da autora, Alice in Motherland. O conteúdo integral da revista (e dos seis números anteriores) pode ser descarregado gratuitamente aqui.
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
Primeiras impressões
Nuno Lima Bastos
(*) Depois da publicação desta crónica, o jornalista da Rádio Macau e meu amigo José Carlos Matias esclareceu-me que, segundo terá apurado após ouvir Wang Zhenmin, não há serviço militar obrigatório na China, pelo que ou este se equivocou ou houve um erro na tradução das suas declarações.
30 de Outubro de 2008
A divulgação, há uma semana, do projecto de lei que regulamenta o artigo 23.º da Lei Básica apanhou-me em Pequim, a meio de uma acção de formação, pelo que não acompanhei “em directo” as reacções ao novo articulado, nem tive ainda oportunidade de actualizar devidamente a minha leitura da imprensa local desses dias. Feita esta ressalva, a suma importância do tema impele-me a adiantar já algumas considerações sobre o que fui já conseguindo absorver.
Desde logo, a minha primeira impressão sobre o projecto de «Lei relativa à defesa da segurança do Estado» é de algum alívio. Não que considere o seu texto imaculado, mas porque lhe reconheço a preocupação de delimitar significativamente o respectivo âmbito de aplicação.
Já lá iremos, depois de uma questão prévia: porquê esta insistência do Chefe do Executivo em avançar com a densificação do artigo 23.º a um escasso ano do termo do seu mandato? Aumento da pressão de Pequim, até para desbravar o difícil caminho ao Governo de Hong Kong? Vontade de agradar às autoridades centrais, a pensar também no seu futuro pessoal pós-2009? Ou, vendo as coisas numa perspectiva benemérita, o desejo, igualmente, de prevenir futuras iniciativas legislativas mais desfavoráveis às liberdades da população de Macau? Este último argumento até pode soar a pura ingenuidade, mas tenho para mim que o conteúdo do projecto está, apesar de tudo, bastante aquém (isto é, bastante mais suave) do que desejariam muitos ortodoxos do sistema. Daí achar que “do mal, o menos” – considerando o ditame da Lei Básica – e admitir que, tendo a RAEM que legislar neste tocante, o nosso Executivo tenha preferido encerrar o assunto de uma forma tão equilibrada quanto possível.
É, contudo, mais do que provável que o motivo decisivo tenha sido o primeiro, com uma ajudinha do segundo. Até porque, cruzando algumas declarações que fui registando aqui e ali, fico com a sensação de que Pequim terá decidido apostar numa nova estratégia de pressão sobre as suas duas regiões “tresmalhadas”: ao invés de apenas continuar a insistir que a regulamentação do artigo 23.º é um dever constitucional, optou por começar a destacar que Macau e Hong Kong são dois espaços privilegiados no contexto nacional, fruto, precisamente, do elenco de direitos que as Leis Básicas lhes conferem. Logo, se querem usufruir das benesses destes normativos, há que começar a cumprir também com as obrigações neles gravadas.
Foi neste sentido que interpretei as palavras do director da Faculdade de Direito de Tsinghua e membro do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, Wang Zhenmin, durante a sua intervenção nas recentes Segundas Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa de Macau, sugerindo que os residentes de Macau deviam pagar um imposto a Pequim e cumprir o serviço militar obrigatório (os nacionais chineses, claro) (*). Aliás, afirmou claramente que os residentes das duas regiões administrativas especiais tinham «muito mais direitos e até privilégios» do que os seus compatriotas do continente, não sendo «verdadeiramente cidadãos chineses» enquanto não começassem a cumprir aqueles dois deveres (Jornal Tribuna de Macau de 21 do corrente).
No dia seguinte, um «mainland legal expert» não identificado declarou ao South China Morning Post que os «Hongkongers should not be reluctant to discharge their constitutional duty while they are eager to enjoy the rights enshrined in the Basic Law», acrescentando que «it would not be in line with the spirit of the rule of law if Hongkongers only fight for rights such as the introduction of universal suffrage while refusing to discharge their duties under the Basic Law, such as enactment of a national security law».
Curiosamente, na mesmíssima altura, numa das aulas de formação que estava a receber em Pequim, ouvi o professor Xu Chongde, do Instituto de Leis da Universidade do Povo, expressar opiniões em tudo semelhantes às de Wang Zhenmin. Mera coincidência? Não creio!
Entrando no articulado do projecto, limito-me a destacar-lhe, por agora, uma virtude e duas aparentes dificuldades. Virtude, como já atrás referi, ao circunscrever o âmbito da criminalização dos diversos actos previstos no artigo 23.º da Lei Básica. Isto é tanto mais visível no caso das actividades das organizações ou associações políticas: perante a vaga expressão da Lei Básica no sentido de serem produzidas leis que proibissem actividades políticas de entidades estrangeiras na RAEM e o estabelecimento de laços entre estruturas locais e estrangeiras de natureza política, o legislador optou por apenas punir os actos das estruturas forasteiras «contra a segurança do Estado» e o estabelecimento de ligações com esse intuito entre estruturas locais e do exterior. Em teoria, uma decisão de aplaudir.
Quanto às dificuldades, afigura-se-me incontornável a indeterminação do que sejam «os actos preparatórios dos crimes» (artigo 9.º). A nota explicativa define-os como os que «preordenam o crime sem iniciar a execução», o que é muito pouco para me deixar descansado. Por outro lado, o escopo do «segredo de Estado» deixa também a desejar, especialmente quando prevê que «os órgãos judiciais devem obter do Chefe do Executivo uma certidão sobre os documentos, informações ou objectos específicos respeitantes a segredo de Estado, sempre que se levantem questões em processo penal; antes de emitir tal certidão, o Chefe do Executivo deve obter documento certificativo do Governo Popular Central» (n.º 5 do artigo 6.º). Até percebo a suposta bondade da previsão normativa, mas não consigo deixar de pensar também no risco que encerra: se a questão se levanta em sede de processo penal, isso significa que o acto já foi praticado e está a ser investigado ou julgado. Logo, parece existir o risco de se ser criminalmente punido pela subtracção de algo que não estava qualificado como segredo de Estado à data da prática do acto...
Desde logo, a minha primeira impressão sobre o projecto de «Lei relativa à defesa da segurança do Estado» é de algum alívio. Não que considere o seu texto imaculado, mas porque lhe reconheço a preocupação de delimitar significativamente o respectivo âmbito de aplicação.
Já lá iremos, depois de uma questão prévia: porquê esta insistência do Chefe do Executivo em avançar com a densificação do artigo 23.º a um escasso ano do termo do seu mandato? Aumento da pressão de Pequim, até para desbravar o difícil caminho ao Governo de Hong Kong? Vontade de agradar às autoridades centrais, a pensar também no seu futuro pessoal pós-2009? Ou, vendo as coisas numa perspectiva benemérita, o desejo, igualmente, de prevenir futuras iniciativas legislativas mais desfavoráveis às liberdades da população de Macau? Este último argumento até pode soar a pura ingenuidade, mas tenho para mim que o conteúdo do projecto está, apesar de tudo, bastante aquém (isto é, bastante mais suave) do que desejariam muitos ortodoxos do sistema. Daí achar que “do mal, o menos” – considerando o ditame da Lei Básica – e admitir que, tendo a RAEM que legislar neste tocante, o nosso Executivo tenha preferido encerrar o assunto de uma forma tão equilibrada quanto possível.
É, contudo, mais do que provável que o motivo decisivo tenha sido o primeiro, com uma ajudinha do segundo. Até porque, cruzando algumas declarações que fui registando aqui e ali, fico com a sensação de que Pequim terá decidido apostar numa nova estratégia de pressão sobre as suas duas regiões “tresmalhadas”: ao invés de apenas continuar a insistir que a regulamentação do artigo 23.º é um dever constitucional, optou por começar a destacar que Macau e Hong Kong são dois espaços privilegiados no contexto nacional, fruto, precisamente, do elenco de direitos que as Leis Básicas lhes conferem. Logo, se querem usufruir das benesses destes normativos, há que começar a cumprir também com as obrigações neles gravadas.
Foi neste sentido que interpretei as palavras do director da Faculdade de Direito de Tsinghua e membro do Comité Permanente da Assembleia Nacional Popular, Wang Zhenmin, durante a sua intervenção nas recentes Segundas Jornadas de Direito e Cidadania da Assembleia Legislativa de Macau, sugerindo que os residentes de Macau deviam pagar um imposto a Pequim e cumprir o serviço militar obrigatório (os nacionais chineses, claro) (*). Aliás, afirmou claramente que os residentes das duas regiões administrativas especiais tinham «muito mais direitos e até privilégios» do que os seus compatriotas do continente, não sendo «verdadeiramente cidadãos chineses» enquanto não começassem a cumprir aqueles dois deveres (Jornal Tribuna de Macau de 21 do corrente).
No dia seguinte, um «mainland legal expert» não identificado declarou ao South China Morning Post que os «Hongkongers should not be reluctant to discharge their constitutional duty while they are eager to enjoy the rights enshrined in the Basic Law», acrescentando que «it would not be in line with the spirit of the rule of law if Hongkongers only fight for rights such as the introduction of universal suffrage while refusing to discharge their duties under the Basic Law, such as enactment of a national security law».
Curiosamente, na mesmíssima altura, numa das aulas de formação que estava a receber em Pequim, ouvi o professor Xu Chongde, do Instituto de Leis da Universidade do Povo, expressar opiniões em tudo semelhantes às de Wang Zhenmin. Mera coincidência? Não creio!
Entrando no articulado do projecto, limito-me a destacar-lhe, por agora, uma virtude e duas aparentes dificuldades. Virtude, como já atrás referi, ao circunscrever o âmbito da criminalização dos diversos actos previstos no artigo 23.º da Lei Básica. Isto é tanto mais visível no caso das actividades das organizações ou associações políticas: perante a vaga expressão da Lei Básica no sentido de serem produzidas leis que proibissem actividades políticas de entidades estrangeiras na RAEM e o estabelecimento de laços entre estruturas locais e estrangeiras de natureza política, o legislador optou por apenas punir os actos das estruturas forasteiras «contra a segurança do Estado» e o estabelecimento de ligações com esse intuito entre estruturas locais e do exterior. Em teoria, uma decisão de aplaudir.
Quanto às dificuldades, afigura-se-me incontornável a indeterminação do que sejam «os actos preparatórios dos crimes» (artigo 9.º). A nota explicativa define-os como os que «preordenam o crime sem iniciar a execução», o que é muito pouco para me deixar descansado. Por outro lado, o escopo do «segredo de Estado» deixa também a desejar, especialmente quando prevê que «os órgãos judiciais devem obter do Chefe do Executivo uma certidão sobre os documentos, informações ou objectos específicos respeitantes a segredo de Estado, sempre que se levantem questões em processo penal; antes de emitir tal certidão, o Chefe do Executivo deve obter documento certificativo do Governo Popular Central» (n.º 5 do artigo 6.º). Até percebo a suposta bondade da previsão normativa, mas não consigo deixar de pensar também no risco que encerra: se a questão se levanta em sede de processo penal, isso significa que o acto já foi praticado e está a ser investigado ou julgado. Logo, parece existir o risco de se ser criminalmente punido pela subtracção de algo que não estava qualificado como segredo de Estado à data da prática do acto...
O debate continua nas próximas semanas. Façamos bom uso dele!
(*) Depois da publicação desta crónica, o jornalista da Rádio Macau e meu amigo José Carlos Matias esclareceu-me que, segundo terá apurado após ouvir Wang Zhenmin, não há serviço militar obrigatório na China, pelo que ou este se equivocou ou houve um erro na tradução das suas declarações.
Fernando Gomes e o CPP
A recente eleição do médico local Fernando Gomes para a presidência do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) continua a dar que falar. No último número do Boletim Interno do Secretariado das Comunidades Portuguesas do Partido Social Democrata, é recordado o pedido de impugnação do acto eleitoral que deu entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa e transcrito o início de uma posta do blogue Causa Emigrante onde são dirigidos fortes ataques a Fernando Gomes.
O Boletim Interno, editado por António Dias da Costa, membro do Conselho Nacional do PSD pelo círculo da Europa (reside na Suíça), assume, assim, partido pelo candidato derrotado nas eleições internas do CCP, Eduardo Manuel Dias, ele próprio também antigo membro daquele órgão laranja pelo círculo europeu (é residente no Luxemburgo). Dá vontade de perguntar o que pensa disto tudo o presidente do Secretariado das Comunidades Portuguesas do PSD, o nosso bem conhecido José Cesário - quer do acto eleitoral impugnado, quer da utilização do órgão informativo do "seu" secretariado para tomar posição nesta contenda.
Quem deve estar a sentir-se muito desconfortável com tudo isto é o senhor mais à esquerda na foto acima: trata-de de Armando de Jesus, eleito para o CCP na lista de Pereira Coutinho e Fernando Gomes e, simultaneamente, actual vice-presidente do PSD-Macau...
O Boletim Interno, editado por António Dias da Costa, membro do Conselho Nacional do PSD pelo círculo da Europa (reside na Suíça), assume, assim, partido pelo candidato derrotado nas eleições internas do CCP, Eduardo Manuel Dias, ele próprio também antigo membro daquele órgão laranja pelo círculo europeu (é residente no Luxemburgo). Dá vontade de perguntar o que pensa disto tudo o presidente do Secretariado das Comunidades Portuguesas do PSD, o nosso bem conhecido José Cesário - quer do acto eleitoral impugnado, quer da utilização do órgão informativo do "seu" secretariado para tomar posição nesta contenda.
Quem deve estar a sentir-se muito desconfortável com tudo isto é o senhor mais à esquerda na foto acima: trata-de de Armando de Jesus, eleito para o CCP na lista de Pereira Coutinho e Fernando Gomes e, simultaneamente, actual vice-presidente do PSD-Macau...
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quarta-feira, 29 de outubro de 2008
O drama do carvão na China
(com a devida vénia ao blogue China em Reportagem pela prévia divulgação do vídeo)
Durão Barroso em Pequim
Coincidência das coincidências, quem visitou o Instituto Nacional de Administração da China (INA) precisamente na mesma altura que nós (ver posta anterior) foi o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. Ao que parece, aproveitou a presença na sétima edição da ASEM (Encontro Ásia-Europa) para ir ao INA fazer um discurso alusivo ao lançamento de um curso de direito China-Europa.
Porque estas coincidências acontecem uma vez na vida, alguns de nós solicitaram ao INA que nos proporcionasse uma breve oportunidade de cumprimentarmos o nosso ilustre compatriota, mas tal acabou por não ser possível, supostamente por razões de protocolo e segurança. Foi-nos explicado que a visita era organizada directamente pelo Conselho de Estado e ia ter lugar à porta fechada, apenas com a presença de pessoas devidamente credenciadas com antecedência.
No entanto, a fazer fé em algumas das fotografias sobre o evento disponíveis no website do INA, abaixo reproduzidas, a circunstância não parece ter sido tão restrita que justificasse a inflexibilidade demonstrada. Enfim, diferentes formas de ver as coisas...
Porque estas coincidências acontecem uma vez na vida, alguns de nós solicitaram ao INA que nos proporcionasse uma breve oportunidade de cumprimentarmos o nosso ilustre compatriota, mas tal acabou por não ser possível, supostamente por razões de protocolo e segurança. Foi-nos explicado que a visita era organizada directamente pelo Conselho de Estado e ia ter lugar à porta fechada, apenas com a presença de pessoas devidamente credenciadas com antecedência.
No entanto, a fazer fé em algumas das fotografias sobre o evento disponíveis no website do INA, abaixo reproduzidas, a circunstância não parece ter sido tão restrita que justificasse a inflexibilidade demonstrada. Enfim, diferentes formas de ver as coisas...
Formação em Pequim
Entre os dias 18 e 25 deste mês, esteve em Pequim um grupo de colaboradores portugueses da Administração Pública de Macau, para participar na última sessão do «Programa de Estudos Essenciais para Funcionários Públicos de Nível Intermédio», realizado no Instituto Nacional de Administração da China (China National School of Administration).
Aqui fica a foto da turma 46 (falta a colega PV), que integrei com imenso gosto (e fica, assim, também esclarecido o motivo da não publicação da minha habitual crónica do JTM na passada semana).
Nos próximos dias, conto publicar mais fotografias e detalhes desta jornada na capital chinesa.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Eleições presidenciais e videojogos
Para quem subestima a força dos videojogos, eis um bom exemplo da importância desta indústria, que ultrapassa os casinos em receitas a nível mundial: o candidato presidencial norte-americano Barack Obama adquiriu espaço publicitário em mapas multiplayer (para competições online) do popular jogo de corridas Burnout Paradise, das plataformas Xbox 360 e PlayStation 3. Na foto abaixo (e aqui, em tamanho maior), pode ver um desses anúncios em pleno jogo. Impressionante, sem dúvida!
Mais pormenores podem ser consultados aqui e aqui.
Mais pormenores podem ser consultados aqui e aqui.
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quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Muita atenção, pede-se!
Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
16 de Outubro de 2008
O Gabinete para a Reforma Jurídica (GRJ) tem estado a promover estudos para a revisão do Código de Processo Penal de Macau, em vigor há onze anos e meio.
De acordo com os esclarecimentos ontem prestados por um dos seus responsáveis, não foi ainda consultado nenhum especialista português, situação algo estranha se atendermos a que o “pai” do diploma foi, como se sabe, Figueiredo Dias e que este código acompanha de perto o articulado que então vigorava em Portugal.
A Associação dos Advogados de Macau (AAM) também continua de fora nas auscultações já efectuadas, não obstante representar uma das classes profissionais que mais lidam com esta matéria – a par dos magistrados e dos órgãos de polícia criminal.
É certo que o GRJ prevê que este processo legislativo se prolongue até ao final de 2009, havendo, por isso, ainda muito tempo para todas as partes interessadas se pronunciarem, mas algumas opções já tomadas talvez ajudem a perceber um pouco melhor as prioridades daquele gabinete.
Desde logo, recaiu sobre a Universidade de Ciência e Tecnologia (UCT) a escolha do GRJ para a elaboração de um estudo de direito comparado sobre o assunto, o que traz imediatamente à colação as dissensões entre aquele estabelecimento de ensino superior, por um lado, e a Universidade de Macau (UM) e a AAM, por outro, em relação aos cursos de direito. Ora, o Professor Doutor Figueiredo Dias é dos quadros da Universidade de Coimbra e esta é a principal parceira da Faculdade de Direito da UM no fornecimento de docentes e intercâmbio de alunos. Depois, a Faculdade de Direito da UM é onde se concentram quase todos os académicos portugueses desta área que leccionam em Macau. Finalmente, a AAM tem dado muito melhor acolhimento nos seus estágios de advocacia aos alunos da UM do que aos da UCT, por razões objectivas: ao longo dos anos, o curso de direito da UCT tem estado muito mais focalizado no ordenamento jurídico da China continental do que no de Macau, o que conduz a desempenhos desastrosos dos seus licenciados nas provas de acesso ao estágio de advocacia (quem, como eu, teve já oportunidade de lidar profissionalmente com alguns destes licenciados sabe do que estou a falar. Generalizar é sempre um risco e frequentemente uma injustiça, mas que a má impressão ficou, lá isso ficou).
Somando as coisas, percebe-se que talvez não tenha sido mera coincidência, inocente opção procedimental ou assomo patriótico resultar desta colaboração GRJ-UCT a preferência, nesta fase de arranque, pelo exame da legislação processual penal de Hong Kong, da China e de Taiwan, e o convite a académicos mainlanders para colaborarem no projecto.
O lado positivo desta quase evidência é que nos permite ouvir com maior alívio as palavras de Chen Guangzhong, catedrático continental e coordenador da equipa de peritos seus compatriotas convidados, quando garante que não há qualquer intenção de se impor o direito da China no território. Tanto que, segundo ele, foram igualmente analisadas as legislações alemã, francesa e portuguesa, incluindo as reformas do ano transacto ao Códigos Penal e Processual Penal do nosso país.
Pergunto-me é se a UCT – cuja escolha por um organismo governamental, em detrimento da universidade pública, me parece francamente questionável – não irá aproveitar a oportunidade para dar umas “alfinetadas” na sua rival académica e na AAM, que tantos dissabores lhe tem causado. E aí, ainda que livres de eventuais impulsos nacionalistas que poderiam ferir de morte a matriz portuguesa do direito penal e processual penal de Macau – um dos mais nobres legados que aqui deixámos –, continuamos na contingência de o GRJ vir a fazer orelhas moucas aos contributos que os operadores do direito local integrados na AAM e os pensadores deste direito inseridos na UM poderiam emprestar a este importantíssimo processo legislativo.
Os ventos que sopram pedem olhos atentos e sentido crítico apurado: não é só este código; é também a regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica – matéria igualmente penal, ainda que com uma carga política muito mais intensa –, é a lei da criminalidade informática – que não deverá demorar muito a ver a luz do dia, a fazer fé em recentes declarações da Secretária para a Administração e Justiça – e é o alargamento dos poderes do Comissariado Contra a Corrupção. Tudo isto num ano em que muito se tem falado na monitorização da Internet, em escutas telefónicas, em detenções de cibernautas e em listas negras de activistas políticos, para impedir a sua entrada no território. Um ano em que ocorreram dois julgamentos conexos de crimes económicos que surpreenderam pela medida das penas de prisão aplicadas (a este respeito, é lapidar a comparação feita pelo jornalista José Carlos Matias no seu blogue O Sínico, em Pesos, Medidas e Proporções). Um ano em que até o Procurador Ho Chio Meng cometeu um enorme lapsus linguae, ao proferir declarações que soaram como uma manifestação de desagrado pela inexistência de pena de morte em Macau, posteriormente esclarecidas em sentido diverso.
Este Governo pode estar bastante fragilizado e em contagem decrescente para as eleições do próximo ano, mas muita água ainda vai correr por estes lados. A proposta de lei da «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas», agora em debate na Assembleia Legislativa, dá-nos um cheirinho do rumo que as coisas poderão tomar nos próximos tempos. Muita atenção, pede-se!
Nota: agradeço o lisonjeiro elogio do Bairro do Oriente a esta crónica, assim como os comentários do Exílio de Andarilho (embora me pareça que o meu amigo AG tenha interpretado as minhas palavras num sentido ligeiramente diferente do que eu tinha em mente).
Jornal Tribuna de Macau
16 de Outubro de 2008
O Gabinete para a Reforma Jurídica (GRJ) tem estado a promover estudos para a revisão do Código de Processo Penal de Macau, em vigor há onze anos e meio.
De acordo com os esclarecimentos ontem prestados por um dos seus responsáveis, não foi ainda consultado nenhum especialista português, situação algo estranha se atendermos a que o “pai” do diploma foi, como se sabe, Figueiredo Dias e que este código acompanha de perto o articulado que então vigorava em Portugal.
A Associação dos Advogados de Macau (AAM) também continua de fora nas auscultações já efectuadas, não obstante representar uma das classes profissionais que mais lidam com esta matéria – a par dos magistrados e dos órgãos de polícia criminal.
É certo que o GRJ prevê que este processo legislativo se prolongue até ao final de 2009, havendo, por isso, ainda muito tempo para todas as partes interessadas se pronunciarem, mas algumas opções já tomadas talvez ajudem a perceber um pouco melhor as prioridades daquele gabinete.
Desde logo, recaiu sobre a Universidade de Ciência e Tecnologia (UCT) a escolha do GRJ para a elaboração de um estudo de direito comparado sobre o assunto, o que traz imediatamente à colação as dissensões entre aquele estabelecimento de ensino superior, por um lado, e a Universidade de Macau (UM) e a AAM, por outro, em relação aos cursos de direito. Ora, o Professor Doutor Figueiredo Dias é dos quadros da Universidade de Coimbra e esta é a principal parceira da Faculdade de Direito da UM no fornecimento de docentes e intercâmbio de alunos. Depois, a Faculdade de Direito da UM é onde se concentram quase todos os académicos portugueses desta área que leccionam em Macau. Finalmente, a AAM tem dado muito melhor acolhimento nos seus estágios de advocacia aos alunos da UM do que aos da UCT, por razões objectivas: ao longo dos anos, o curso de direito da UCT tem estado muito mais focalizado no ordenamento jurídico da China continental do que no de Macau, o que conduz a desempenhos desastrosos dos seus licenciados nas provas de acesso ao estágio de advocacia (quem, como eu, teve já oportunidade de lidar profissionalmente com alguns destes licenciados sabe do que estou a falar. Generalizar é sempre um risco e frequentemente uma injustiça, mas que a má impressão ficou, lá isso ficou).
Somando as coisas, percebe-se que talvez não tenha sido mera coincidência, inocente opção procedimental ou assomo patriótico resultar desta colaboração GRJ-UCT a preferência, nesta fase de arranque, pelo exame da legislação processual penal de Hong Kong, da China e de Taiwan, e o convite a académicos mainlanders para colaborarem no projecto.
O lado positivo desta quase evidência é que nos permite ouvir com maior alívio as palavras de Chen Guangzhong, catedrático continental e coordenador da equipa de peritos seus compatriotas convidados, quando garante que não há qualquer intenção de se impor o direito da China no território. Tanto que, segundo ele, foram igualmente analisadas as legislações alemã, francesa e portuguesa, incluindo as reformas do ano transacto ao Códigos Penal e Processual Penal do nosso país.
Pergunto-me é se a UCT – cuja escolha por um organismo governamental, em detrimento da universidade pública, me parece francamente questionável – não irá aproveitar a oportunidade para dar umas “alfinetadas” na sua rival académica e na AAM, que tantos dissabores lhe tem causado. E aí, ainda que livres de eventuais impulsos nacionalistas que poderiam ferir de morte a matriz portuguesa do direito penal e processual penal de Macau – um dos mais nobres legados que aqui deixámos –, continuamos na contingência de o GRJ vir a fazer orelhas moucas aos contributos que os operadores do direito local integrados na AAM e os pensadores deste direito inseridos na UM poderiam emprestar a este importantíssimo processo legislativo.
Os ventos que sopram pedem olhos atentos e sentido crítico apurado: não é só este código; é também a regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica – matéria igualmente penal, ainda que com uma carga política muito mais intensa –, é a lei da criminalidade informática – que não deverá demorar muito a ver a luz do dia, a fazer fé em recentes declarações da Secretária para a Administração e Justiça – e é o alargamento dos poderes do Comissariado Contra a Corrupção. Tudo isto num ano em que muito se tem falado na monitorização da Internet, em escutas telefónicas, em detenções de cibernautas e em listas negras de activistas políticos, para impedir a sua entrada no território. Um ano em que ocorreram dois julgamentos conexos de crimes económicos que surpreenderam pela medida das penas de prisão aplicadas (a este respeito, é lapidar a comparação feita pelo jornalista José Carlos Matias no seu blogue O Sínico, em Pesos, Medidas e Proporções). Um ano em que até o Procurador Ho Chio Meng cometeu um enorme lapsus linguae, ao proferir declarações que soaram como uma manifestação de desagrado pela inexistência de pena de morte em Macau, posteriormente esclarecidas em sentido diverso.
Este Governo pode estar bastante fragilizado e em contagem decrescente para as eleições do próximo ano, mas muita água ainda vai correr por estes lados. A proposta de lei da «Proibição da produção, do tráfico e do consumo ilícitos de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas», agora em debate na Assembleia Legislativa, dá-nos um cheirinho do rumo que as coisas poderão tomar nos próximos tempos. Muita atenção, pede-se!
Nota: agradeço o lisonjeiro elogio do Bairro do Oriente a esta crónica, assim como os comentários do Exílio de Andarilho (embora me pareça que o meu amigo AG tenha interpretado as minhas palavras num sentido ligeiramente diferente do que eu tinha em mente).
terça-feira, 14 de outubro de 2008
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Quem vai ser o próximo Chefe do Executivo?
A revista Macau Closer está a promover um inquérito online subordinado ao tema «Quem gostaria que fosse o próximo Chefe do Executivo?». Pode votar aqui.
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domingo, 12 de outubro de 2008
Humor negro
Actualização em 24 de Novembro: segundo uma notícia do jornal Público de 13 de Novembro, «um funcionário superior da Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) viu ser-lhe levantado um processo disciplinar com intenção de despedimento depois de ter reenviado para colegas seus um e-mail» com esta fotografia. «A imagem, que apareceu pela primeira vez no blogue humorístico brasileiro Gordonerd, foi considerada ofensiva e xenófoba pela administração da EPUL. Segundo a nota de culpa enviada ao funcionário pela advogada habitualmente contratada pela empresa para levantar processos disciplinares aos trabalhadores da casa, a mensagem de correio electrónico reencaminhada por Eduardo Almeida Faria é "particularmente grave" devido ao seu "conteúdo racista"». E pensar que eu usei esta mesma imagem para apoiar Barack Obama de uma forma bem humorada! Alguém na EPUL ou não está a ver bem as coisas ou tem uma enorme falta de sentido de humor...
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
Detenções compensadoras (?)
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Macau esquecido (como de costume...)
Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
9 de Outubro de 2008
Foi sem surpresa alguma que li no Ponto Final de segunda-feira passada que Carlos Páscoa Gonçalves, deputado do PSD eleito pelo círculo de Fora da Europa, ainda não tinha concretizado a única promessa feita aquando da sua última visita a Macau, em Abril último: dirigir ao Ministério da Educação um requerimento sobre a formação dos professores da Escola Portuguesa, «assim que chegar a Lisboa» (segundo citação da imprensa local reproduzida pelo autor daquela peça, João Paulo Meneses).
Devo reconhecer que me é ingrato pegar neste tema, não só pela minha assumida militância laranja, mas também pelo agradável tratamento pessoal que o nosso dignitário parlamentar sempre me dispensou. Simpatias à parte, há, contudo, que assumir a realidade e exigir que os nossos eleitos cumpram as suas promessas e, afinal, justifiquem os cargos que desempenham, pagos pelo erário público.
Ora, por diferentes vias, costumo receber, há já vários anos, cópias das interpelações escritas que os deputados do meu partido apresentam ao governo português sobre as mais diversas questões relacionadas com a nossa diáspora, o mesmo sucedendo com as intervenções orais que fazem na Assembleia da República neste âmbito. Recebo, inclusivamente, recortes da imprensa nacional sobre tais assuntos. Gestos que considero reveladores da atenção dos serviços administrativos do grupo parlamentar e do partido para com os militantes no exterior cujo endereço electrónico possuem.
Já quando se trata de medir a eficiência dos nossos mandatários em São Bento no que toca a Macau, a escala cai a pique, numa espécie de “crise do subprime parlamentar”, mas de longa duração: João Paulo Meneses afirma que o último requerimento relativo ao território que deu entrada na Assembleia da República data de Janeiro de 2006, abordando a mudança das instalações da Escola Portuguesa. Pois eu vou mais longe: que me lembre, não houve qualquer outro documento sobre Macau produzido pelos nossos deputados – todos eles, estou em crer, desde o PCP ao CDS/PP – desde que Manuela Aguiar abandonou (melhor, foi forçada a abandonar) o hemiciclo após as eleições legislativas de Fevereiro de 2005.
Este desinteresse é, obviamente, tanto mais grave no caso do PSD, atendendo a que são deste quadrante os dois deputados eleitos pelo círculo que engloba Macau. José Cesário já cá esteve meia dúzia de vezes nessa qualidade; Carlos Páscoa Gonçalves outras duas. Circularam, foram às associações de matriz portuguesa e às nossas instituições oficiais (consulado, IPOR, Escola Portuguesa), e até se reuniram com representantes do governo local. Receberam os representantes do movimento pela reabertura do processo de ingresso (que se extinguiu?). Proferiram inúmeras declarações junto da comunicação social de língua portuguesa, ora manifestando preocupação com determinados problemas que se vêm arrastando, ora atacando o governo socialista por não os resolver, ora assumindo o compromisso de fazer pressão política em Lisboa para que a tutela se mexa. Afinal, a montanha tem parido ratos atrás de ratos...
Bem dizia Marcelo Rebelo de Sousa nas suas Escolhas, em Junho do ano passado, que Macau deixou de interessar aos partidos portugueses a partir do momento em que a árvore das patacas secou. Até então, terão saído do território financiamentos para partidos, candidaturas, fundações e sabe-se lá mais o quê. João Paulo Meneses escreveu mesmo um livro de ficção sobre o assunto, intitulado, precisamente, «A Árvore das Patacas», que o próprio assumiu ser «uma espécie de “vingança” (...) de quem não conseguiu aprofundar um conjunto de factos para tratamento jornalístico e, a partir de certa altura, desistiu».
Quem não desiste de pensar que esta indiferença dos nossos representantes não pode permanecer impune ad aternum sou eu. À falta de instituições partidárias activas no território que fiscalizem o governo e a oposição em Portugal nas questões de Macau, ao menos que as nossas associações e a nossa imprensa façam o seu papel! Em linguagem simples: deixem-se de meras cortesias, declarações de circunstância e perguntas inócuas, e peçam contas cara-a-cara, que eles não mordem! O pior que pode acontecer é nunca mais cá voltarem. Mas entre isso e virem fazer turismo, o diabo que escolha...
Jornal Tribuna de Macau
9 de Outubro de 2008
Foi sem surpresa alguma que li no Ponto Final de segunda-feira passada que Carlos Páscoa Gonçalves, deputado do PSD eleito pelo círculo de Fora da Europa, ainda não tinha concretizado a única promessa feita aquando da sua última visita a Macau, em Abril último: dirigir ao Ministério da Educação um requerimento sobre a formação dos professores da Escola Portuguesa, «assim que chegar a Lisboa» (segundo citação da imprensa local reproduzida pelo autor daquela peça, João Paulo Meneses).
Devo reconhecer que me é ingrato pegar neste tema, não só pela minha assumida militância laranja, mas também pelo agradável tratamento pessoal que o nosso dignitário parlamentar sempre me dispensou. Simpatias à parte, há, contudo, que assumir a realidade e exigir que os nossos eleitos cumpram as suas promessas e, afinal, justifiquem os cargos que desempenham, pagos pelo erário público.
Ora, por diferentes vias, costumo receber, há já vários anos, cópias das interpelações escritas que os deputados do meu partido apresentam ao governo português sobre as mais diversas questões relacionadas com a nossa diáspora, o mesmo sucedendo com as intervenções orais que fazem na Assembleia da República neste âmbito. Recebo, inclusivamente, recortes da imprensa nacional sobre tais assuntos. Gestos que considero reveladores da atenção dos serviços administrativos do grupo parlamentar e do partido para com os militantes no exterior cujo endereço electrónico possuem.
Já quando se trata de medir a eficiência dos nossos mandatários em São Bento no que toca a Macau, a escala cai a pique, numa espécie de “crise do subprime parlamentar”, mas de longa duração: João Paulo Meneses afirma que o último requerimento relativo ao território que deu entrada na Assembleia da República data de Janeiro de 2006, abordando a mudança das instalações da Escola Portuguesa. Pois eu vou mais longe: que me lembre, não houve qualquer outro documento sobre Macau produzido pelos nossos deputados – todos eles, estou em crer, desde o PCP ao CDS/PP – desde que Manuela Aguiar abandonou (melhor, foi forçada a abandonar) o hemiciclo após as eleições legislativas de Fevereiro de 2005.
Este desinteresse é, obviamente, tanto mais grave no caso do PSD, atendendo a que são deste quadrante os dois deputados eleitos pelo círculo que engloba Macau. José Cesário já cá esteve meia dúzia de vezes nessa qualidade; Carlos Páscoa Gonçalves outras duas. Circularam, foram às associações de matriz portuguesa e às nossas instituições oficiais (consulado, IPOR, Escola Portuguesa), e até se reuniram com representantes do governo local. Receberam os representantes do movimento pela reabertura do processo de ingresso (que se extinguiu?). Proferiram inúmeras declarações junto da comunicação social de língua portuguesa, ora manifestando preocupação com determinados problemas que se vêm arrastando, ora atacando o governo socialista por não os resolver, ora assumindo o compromisso de fazer pressão política em Lisboa para que a tutela se mexa. Afinal, a montanha tem parido ratos atrás de ratos...
Bem dizia Marcelo Rebelo de Sousa nas suas Escolhas, em Junho do ano passado, que Macau deixou de interessar aos partidos portugueses a partir do momento em que a árvore das patacas secou. Até então, terão saído do território financiamentos para partidos, candidaturas, fundações e sabe-se lá mais o quê. João Paulo Meneses escreveu mesmo um livro de ficção sobre o assunto, intitulado, precisamente, «A Árvore das Patacas», que o próprio assumiu ser «uma espécie de “vingança” (...) de quem não conseguiu aprofundar um conjunto de factos para tratamento jornalístico e, a partir de certa altura, desistiu».
Quem não desiste de pensar que esta indiferença dos nossos representantes não pode permanecer impune ad aternum sou eu. À falta de instituições partidárias activas no território que fiscalizem o governo e a oposição em Portugal nas questões de Macau, ao menos que as nossas associações e a nossa imprensa façam o seu papel! Em linguagem simples: deixem-se de meras cortesias, declarações de circunstância e perguntas inócuas, e peçam contas cara-a-cara, que eles não mordem! O pior que pode acontecer é nunca mais cá voltarem. Mas entre isso e virem fazer turismo, o diabo que escolha...
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
A ASAE e os produtos chineses
A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que tantas críticas vinha sofrendo desde a sua criação, parece ter recuperado algum prestígio junto dos consumidores e comerciantes portugueses desde que rebentou o escândalo do leite chinês contaminado com melamina. Isto porque aquela entidade tem vindo a fazer inspecções em larga escala a estabelecimentos asiáticos por todo o país, tendo já verificado 863 deles, seis dos quais foram encerrados por falta de higiene.
Segundo o Público, foram apreendidos «mais de 400 quilos de alimentos compostos com leite chinês, 11 unidades de produtos lácteos e 7500 quilos de produtos alimentares mal rotulados e fora do prazo de validade». Foram, ainda, «retiradas 644 unidades de produtos não alimentares, por deficiente ou falta de rotulagem em português, e levantados autos de contra-ordenação, incluindo a falta de livro de reclamações, falta de rotulagem, falta de tradução para português e falta de HACCP (Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos)», afirma um comunicado da ASAE citado por aquele jornal.
Nada como uma "crisezita" destas para os consumidores e os comerciantes perceberem - da pior maneira, infelizmente - a importância dos procedimentos de controlo da qualidade e segurança alimentar. E para combater o mau hábito de se pensar que compensa sempre comprar mais barato.
É como as tascas e muitos supermercados e mercearias de Macau: se as inspecções sanitárias existissem e funcionassem a sério, mais de metade já tinham fechado as portas... Mas os consumidores locais não parecem preocupados com isso. Pois se até já vi clientes a escarrar no interior de estabelecimentos de comidas!
Nós em Macau
Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
2 de Outubro de 2008
Li com atenção a entrevista que a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), Maria Amélia António, concedeu a este jornal no início da semana. Do seu olhar atento e experiente sobre a realidade local e a comunidade portuguesa do território, retive, em particular, a seguinte frase: «é uma destruição a longo prazo esta tendência dos portugueses se remeterem a uma certa tonalidade cinzenta para não darem nas vistas». Não podia estar mais de acordo!
A verdade é que, em quase catorze anos que levo desta terra, raramente vi os portugueses aqui residentes se juntarem em número significativo na discussão e defesa dos seus problemas específicos ou, sequer, de uma qualquer importante questão local. Num rápido esforço de memória, ocorrem-me apenas duas circunstâncias: os encontros promovidos por personalidades como Leonel Alves e Rui Afonso no período final da transição, essencialmente motivados pelos receios de que a China não reconhecesse a nacionalidade portuguesa aos filhos da terra, e as sessões magnas que decorreram entre Março e Maio de 2001 com vista à constituição da CPM.
O contexto, claro, era outro: antes do handover, eram imensas as incertezas quanto à viabilidade da nossa presença em Macau a médio e longo prazo (até a curto...). Mesmo depois de aparentemente ultrapassadas algumas dúvidas, a “poeira anti-colonialista” – ou os “rituais de poder”, como lhes chamou Adriano Moreira – subsistiu durante mais algum tempo, talvez até Pequim avançar com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A nossa comunidade sentiu o seu futuro ameaçado e mexeu-se. Primeiro, afluiu em massa ao auditório do consulado no dia 15 de Março de 2001; depois, continuou a comparecer em massa às sessões realizadas no ginásio da Escola Portuguesa e, finalmente, aprovou a criação da CPM na assembleia geral constituinte de 25 de Maio, no Centro de Actividades Turísticas.
Depois, já se sabe o que aconteceu: o entusiasmo (ou a preocupação?) esmoreceu e os associados da CPM deixaram de marcar presença nas assembleias gerais anuais, poupando-se para as festas de Natal e outros eventos lúdicos. Não vou discorrer novamente sobre os factores endógenos à associação que contribuíram para isso, mas, volvidos oito anos, julgo ser inegável a prevalência de um factor exógeno: a tal forma de estar cinzenta e acomodada dos portugueses em Macau, de que falava a Dra. Amélia António.
Houve um outro momento em que senti que a nossa comunidade poderia espevitar: há cinco anos e meio, quando o território participou pela primeira vez nas eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Não é que este órgão tivesse qualquer currículo ou visibilidade, mas esse desconhecimento até parecia produzir em nós um efeito inverso ao que seria expectável, alimentando-nos a ilusão de que poderia estabelecer a tal ponte que faltava – e continua a faltar – entre o Macau português e a pátria distante, de vistas curtas e orelhas moucas.
Uma vez mais, a ilusão feneceu, atingida, primeiro, por um desprestigiante acto eleitoral e, depois, pela progressiva tomada de consciência da incapacidade do dito órgão para alterar o que quer que fosse no nosso fado.
Outro potencial meio de participação pública seriam os partidos políticos portugueses. Não para intervir nos assuntos internos de Macau, claro, mas para manter o Terreiro do Paço atento aos seus interesses e obrigações nesta parte do mundo. Infelizmente, também esta via não parece ter futuro entre nós, ou porque nos sentimos demasiado distantes do nosso rectângulo europeu, ou porque as tricas partidárias nacionais nos causam asco ou, simplesmente, porque receamos que os chineses não vejam com bons olhos a nossa coloração política. Vindo aí a famigerada regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica, pior será ainda...
E, assim, chegamos ao ponto actual de que fala, com justificada preocupação, a presidente da CPM (que me parece ter a natureza conciliadora de que esta instituição tanto necessita). Temos associações de matriz portuguesa que parecem existir apenas para prosseguir os interesses pessoais de um pequeno grupo de dirigentes e amigos (ou, pior ainda, que não fazem nem deixam fazer nada); outras que se restringem a actividades recreativas, desportivas e culturais; e outras que até têm uma relevante componente assistencial, mas não estão vocacionais para debater e acompanhar os problemas globais da comunidade portuguesa enquanto tal, nem parecem estar nisso interessadas. E temos a ATFPM, mas que não é exactamente o que eu chamaria de “associação de matriz portuguesa”, sem qualquer desprimor. Não é, porque não é especificamente esse o seu universo. Tal como não o é a Associação dos Advogados (e ser assim vista só poderia ser fonte de problemas para ela e para a comunidade jurídica portuguesa).
A somar a tudo isto, temos um consulado com poucos meios para fazer mais do que assegurar o seu expediente normal, um IPOR com os problemas que todos conhecemos, uma Escola Portuguesa que ainda não conseguiu assentar, uma Fundação Oriente cada vez menos oriental (tirando o museu) e mais o quê? Acho que só sobramos nós, as pessoas. Orgulhosamente isolados, cada um a pensar nas patacas, no câmbio, na reforma, na casa para pagar em Portugal, nas propinas dos filhos que estudam lá fora, nas férias, nas compras em Zuhai ou em Hong Kong, na viagem a fazer no próximo feriado. Amélia António é que tem razão: é uma destruição a longo prazo. E nem sei se será assim tão longo. Quem vai ser o próximo Chefe do Executivo?
Jornal Tribuna de Macau
2 de Outubro de 2008
Li com atenção a entrevista que a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), Maria Amélia António, concedeu a este jornal no início da semana. Do seu olhar atento e experiente sobre a realidade local e a comunidade portuguesa do território, retive, em particular, a seguinte frase: «é uma destruição a longo prazo esta tendência dos portugueses se remeterem a uma certa tonalidade cinzenta para não darem nas vistas». Não podia estar mais de acordo!
A verdade é que, em quase catorze anos que levo desta terra, raramente vi os portugueses aqui residentes se juntarem em número significativo na discussão e defesa dos seus problemas específicos ou, sequer, de uma qualquer importante questão local. Num rápido esforço de memória, ocorrem-me apenas duas circunstâncias: os encontros promovidos por personalidades como Leonel Alves e Rui Afonso no período final da transição, essencialmente motivados pelos receios de que a China não reconhecesse a nacionalidade portuguesa aos filhos da terra, e as sessões magnas que decorreram entre Março e Maio de 2001 com vista à constituição da CPM.
O contexto, claro, era outro: antes do handover, eram imensas as incertezas quanto à viabilidade da nossa presença em Macau a médio e longo prazo (até a curto...). Mesmo depois de aparentemente ultrapassadas algumas dúvidas, a “poeira anti-colonialista” – ou os “rituais de poder”, como lhes chamou Adriano Moreira – subsistiu durante mais algum tempo, talvez até Pequim avançar com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A nossa comunidade sentiu o seu futuro ameaçado e mexeu-se. Primeiro, afluiu em massa ao auditório do consulado no dia 15 de Março de 2001; depois, continuou a comparecer em massa às sessões realizadas no ginásio da Escola Portuguesa e, finalmente, aprovou a criação da CPM na assembleia geral constituinte de 25 de Maio, no Centro de Actividades Turísticas.
Depois, já se sabe o que aconteceu: o entusiasmo (ou a preocupação?) esmoreceu e os associados da CPM deixaram de marcar presença nas assembleias gerais anuais, poupando-se para as festas de Natal e outros eventos lúdicos. Não vou discorrer novamente sobre os factores endógenos à associação que contribuíram para isso, mas, volvidos oito anos, julgo ser inegável a prevalência de um factor exógeno: a tal forma de estar cinzenta e acomodada dos portugueses em Macau, de que falava a Dra. Amélia António.
Houve um outro momento em que senti que a nossa comunidade poderia espevitar: há cinco anos e meio, quando o território participou pela primeira vez nas eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Não é que este órgão tivesse qualquer currículo ou visibilidade, mas esse desconhecimento até parecia produzir em nós um efeito inverso ao que seria expectável, alimentando-nos a ilusão de que poderia estabelecer a tal ponte que faltava – e continua a faltar – entre o Macau português e a pátria distante, de vistas curtas e orelhas moucas.
Uma vez mais, a ilusão feneceu, atingida, primeiro, por um desprestigiante acto eleitoral e, depois, pela progressiva tomada de consciência da incapacidade do dito órgão para alterar o que quer que fosse no nosso fado.
Outro potencial meio de participação pública seriam os partidos políticos portugueses. Não para intervir nos assuntos internos de Macau, claro, mas para manter o Terreiro do Paço atento aos seus interesses e obrigações nesta parte do mundo. Infelizmente, também esta via não parece ter futuro entre nós, ou porque nos sentimos demasiado distantes do nosso rectângulo europeu, ou porque as tricas partidárias nacionais nos causam asco ou, simplesmente, porque receamos que os chineses não vejam com bons olhos a nossa coloração política. Vindo aí a famigerada regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica, pior será ainda...
E, assim, chegamos ao ponto actual de que fala, com justificada preocupação, a presidente da CPM (que me parece ter a natureza conciliadora de que esta instituição tanto necessita). Temos associações de matriz portuguesa que parecem existir apenas para prosseguir os interesses pessoais de um pequeno grupo de dirigentes e amigos (ou, pior ainda, que não fazem nem deixam fazer nada); outras que se restringem a actividades recreativas, desportivas e culturais; e outras que até têm uma relevante componente assistencial, mas não estão vocacionais para debater e acompanhar os problemas globais da comunidade portuguesa enquanto tal, nem parecem estar nisso interessadas. E temos a ATFPM, mas que não é exactamente o que eu chamaria de “associação de matriz portuguesa”, sem qualquer desprimor. Não é, porque não é especificamente esse o seu universo. Tal como não o é a Associação dos Advogados (e ser assim vista só poderia ser fonte de problemas para ela e para a comunidade jurídica portuguesa).
A somar a tudo isto, temos um consulado com poucos meios para fazer mais do que assegurar o seu expediente normal, um IPOR com os problemas que todos conhecemos, uma Escola Portuguesa que ainda não conseguiu assentar, uma Fundação Oriente cada vez menos oriental (tirando o museu) e mais o quê? Acho que só sobramos nós, as pessoas. Orgulhosamente isolados, cada um a pensar nas patacas, no câmbio, na reforma, na casa para pagar em Portugal, nas propinas dos filhos que estudam lá fora, nas férias, nas compras em Zuhai ou em Hong Kong, na viagem a fazer no próximo feriado. Amélia António é que tem razão: é uma destruição a longo prazo. E nem sei se será assim tão longo. Quem vai ser o próximo Chefe do Executivo?
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