quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O cabo dos trabalhos

Nuno Lima Bastos
15 de Janeiro de 2009

Depois de uma longa paragem natalícia de quatro semanas (que, por acaso, até coincidiu com duas quintas-feiras em que o JTM não se publicou: o dia de Natal e o Primeiro de Janeiro), O Protesto regressa ao convívio dos leitores com um tema bastante mais mundano do que o debate jurídico-político em torno da regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica, que preencheu boa parte deste espaço na ponta final do ano transacto (e promete aqui voltar...). Com efeito, o início de ano afigura-se-me um bom momento para relatar uma situação que há mais de um ano me vem afectando e aos demais residentes do complexo residencial Jardins do Oceano, na Taipa: o funcionamento do serviço da TV Cabo Macau. Se, no passado, utilizei várias vezes a caneta para sair em defesa desta concessionária contra os chamados “anteneiros”, hoje tenho que me colocar no campo oposto e denunciar o que considero ser uma prática comercial lesiva dos seus clientes.
Para melhor enquadrar o problema, há que esclarecer que a TV Cabo celebrou, há alguns anos, um acordo com a empresa gestora dos Jardins do Oceano, nos termos do qual passou a fornecer o serviço terrestre de televisão por subscrição a todas as suas fracções autónomas, sem necessidade de outorgar contratos individuais com os moradores, ficando o pagamento da respectiva assinatura mensal automaticamente incorporado no valor da prestação do condomínio. Foi uma solução globalmente vantajosa para ambas as partes, uma vez que garantia, por um lado, à TV Cabo a penetração total nesta urbanização e, por outro, aos seus condóminos o acesso a alguns canais premium sem encargos adicionais, além de ficarem dispensados do pagamento do aluguer mensal do descodificador.
Tudo parecia correr bem até que, por volta de Setembro de 2007, a concessionária anunciou que iria instalar cabos de fibra óptica nestes edifícios, para melhorar a qualidade do sinal televisivo. Além disso, com a migração da rede, as set-top boxes deixariam de funcionar, passando os canais a ser directamente sintonizados em cada televisor. E aqui começaram os problemas: quando, volvido um mês, ficámos definitivamente sem os descodificadores, todos os programas antes recebidos em estereofonia (e nicam, que permite escolher o idioma falado) passaram a monofonia, alguns deles começando também a padecer de manifestos problemas de degradação de imagem nunca antes verificados.
Após um ano a assistir a jogos da liga inglesa e das taças europeias de futebol com comentários frequentemente apenas em mandarim, assim como partidas de ténis do Grand Slam ou corridas de Fórmula Um em idênticas condições – consequência da falta do nicam –, decidi vencer a inércia e expor o assunto à administração do condomínio, que o encaminhou para a TV Cabo. Poucos dias depois, fui contactado por uma funcionária desta, que admitiu que o suposto “upgrade” não previa a distribuição do sinal em estereofonia. Para isso, teríamos que continuar a utilizar os descodificadores – os tais que os seus colegas haviam recolhido compulsoriamente porta-a-porta um ano antes, por já não serem necessários (nem compatíveis, aliás, com a nova configuração da rede, segundo alegavam)...
No final de Novembro último, em resposta a uma mensagem electrónica minha insistindo no assunto, outro elemento da TV Cabo informou-me que a empresa ia instalar nos Jardins do Oceano os equipamentos necessários para que os canais de desporto pudessem ser novamente sintonizados em nicam (presumo que terão existido mais queixas desta natureza), deixando escapar que a migração do sistema visara também obstar ao elevado índice de avarias que se vinha verificando nos descodificadores individuais.
Outro objectivo era, naturalmente, preparar a rede para a difusão de programas em alta definição, o que implicaria a compra ou aluguer dos necessários equipamentos pelos clientes da TV Cabo – nada contra, antes pelo contrário, desde que não degradassem a qualidade do serviço que vinham prestando a quem dispensasse a alta definição...
A resposta da concessionária, obviamente, não me satisfez. Porquê? Pelo incontornável motivo de que eu e os meus vizinhos continuamos a pagar o mesmo (incorporado nas despesas de condomínio) por um produto agora inferior: num universo de mais de cinquenta canais, só perto de uma dezena está em estereofonia e nicam – os três de desporto (ESPN, Star Sports e Star Sports Southeast Asia), a nossa TDM e as ATV e TVB de Hong Kong. Todos os outros – filmes e música incluídos – voltaram à monofonia, à idade da pedra do audiovisual, sem esquecer as maleitas na imagem de três ou quatro deles. A título comparativo, a qualidade do serviço da TV Cabo Madeira era incomparavelmente melhor há mais de dez anos do que a da sua homónima em Macau hoje (pelo menos, na área onde resido)!
É verdade que a TV Cabo Macau tem tido uma vida difícil desde o seu lançamento, em face da concorrência ilegal e desleal dos “anteneiros”, mas não é menos verdade que adoptou uma solução tecnológica que nunca a favoreceu. Aliás, de “cabo” esta empresa sempre teve muito pouco, pois que, para tentar cobrir rapidamente a maior área possível do território, preferiu recorrer à transmissão de feixes de micro-ondas e à colocação de receptores no topo dos prédios dos clientes, ao invés de abrir valas nas vias públicas e instalar uma verdadeira rede de cabo. Ficou, assim, com uma rede de qualidade inferior, sujeita à influência dos elementos naturais (daí o “arroz” na imagem em dias de tufão), além de unidireccional, o que não lhe permite a prestação de serviços de valor acrescentado que exigem bidireccionalidade, como o acesso à Internet ou o video on demand.
Comportar-se da forma como fez nos Jardins do Oceano foi mais um passo atrás para a “nossa” TV Cabo. Disso já lhes dei conta e continuo à espera de uma resposta definitiva há mais de mês e meio. Enquanto esta não chega, vou sonhando com o fim de mais este monopólio, em Abril de 2014...

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a lisonjeira referência a esta minha primeira crónica do ano na sua habitual rubrica «Leituras».

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