13 de Novembro de 2008
Há quinze dias, tive oportunidade de apresentar neste espaço as minhas primeiras impressões sobre o projecto de «Lei relativa à defesa da segurança do Estado». No entretanto, muito mais tem sido dito sobre o assunto. À cabeça das preocupações já manifestadas por cidadãos e associações parecem estar os actos preparatórios e o segredo de Estado, precisamente as duas «dificuldades» que apontei na minha anterior crónica. Gostaria de me alargar sobre estes e outros aspectos do articulado, mas a escassez de tempo obriga-me a deixá-lo para futuro ensejo, circunscrevendo-me, por agora, a alguns pensamentos adicionais sobre os preliminares: a oportunidade da iniciativa legislativa e a sua auscultação pública.
Pois bem, olhando para o calendário eleitoral das duas regiões administrativas especiais, julgo ser possível cogitar com um pouco mais de fiabilidade sobre o que vai nas mentes de Pequim: Macau tem eleições simultâneas para o Chefe do Executivo e a Assembleia Legislativa em finais de 2009, sucedendo o mesmo em Hong Kong em meados de 2012. Assim, este projecto avança agora, entra no parlamento local em Dezembro ou Janeiro (o Governo já disse que o quer enviar até ao final do corrente ano) e é aprovado antes das próximas eleições. O sucessor de Edmund Ho safa-se da “batata quente” e também não haverá tempo para que a aplicação do diploma exerça influência relevante nas opções dos eleitores quando forem novamente chamados a escolher os seus deputados.
Depois, é só esperar dois anos. Tenho para mim que esse primeiro biénio de vigência da lei vai ser calmo, sem pressões do Governo Central. Porquê? Claro, porque chegamos a 2011 e ficamos a um ano dos actos eleitorais de Hong Kong. E, então, Donald Tsang fará o mesmo que Edmund Ho: apresentará aos seus governados um projecto da mesma natureza (ainda que não necessariamente com conteúdo próximo), depois de Pequim recordar muito bem a toda a gente que a aplicação da lei não trouxe problemas de espécie alguma aos cidadãos de Macau. Entra em vigor o normativo na antiga colónia britânica antes do seu duplo sufrágio do Verão de 2012 e, lá como cá, nem a “batata quente” é passada para o novo Chefe do Executivo, nem haverá ainda problemas de aplicação concreta dos novos tipos de crimes susceptíveis de mexer muito com o apuramento do novo LEGCO.
O timing é, pois, único! Macau vai ter brevemente esta lei, não porque dela careça, não porque a segurança nacional a imponha, mas, simplesmente, porque Pequim “não pode” perder este calendário ideal para impor a sua vontade e recuperar a face, manchada que ficou com aquele meio milhão de pessoas a protestar nas ruas em 1 de Julho de 2003.
Não deixa, aliás, de ser curioso que o documento de consulta não faça uma única menção ao falhado projecto de Tung Chee Hwa. A Secretária para a Administração e Justiça já esclareceu que a omissão se devia apenas ao facto de Hong Kong ter um sistema de common law, mas não deixa de ser verdade que o artigo 23.º é exactamente igual nas duas Leis Básicas... Enfim, presumo que, para os nossos dirigentes, o lema é mesmo não olhar para trás...
Por outro lado, tenho ouvido representantes do Governo a afirmar e reiterar que os cidadãos não precisam estar preocupados com o diploma, pois muito dificilmente será alguma vez aplicado. Se assim é – e acredito que sim enquanto Hong Kong não nos imitar (depois, não sei) –, então para quê perder-se tanto tempo e esforço com ele? Numa perspectiva de interesse público – e essa deveria ser sempre a bitola condutora da actuação de qualquer governo –, faria muito mais sentido legislar-se sobre outras duas matérias que a Lei Básica também prevê: a liberdade de associação sindical e o direito à greve. Ainda para mais, no presente contexto de forte crise financeira internacional, potenciador de situações de conflitualidade laboral, como bem evocava um académico nestes dias.
É o mal de se legislar com motivações políticas: fica toldada a lucidez e invertem-se as prioridades...
Bem pode a equipa governativa, na sua boa vontade, clamar que o novo articulado não vai atingir os jornalistas, os opinadores, os contestatários pacifistas e outros. Quando, pela lei das probabilidades, algum desgraçado for parar à barra do tribunal, sempre quero ver se o vão ilibar com recurso às gravações das sessões públicas de esclarecimento. Eu não me fiava, até porque, como dizia um dos meus interlocutores do debate radiofónico de sábado passado, por muitos exemplos concretos que pudessem dar nessas sessões (e não deram), cada caso é diferente dos outros. Por isso, ou esqueçam esta “oportunidade ideal” ou façam-me o favor de blindar o projecto contra futuros aplicadores menos sensatos, que é o que mais há por aí...
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua rubrica «Leituras» da semana.
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