quinta-feira, 5 de março de 2009

A "silly season"

Nuno Lima Bastos
5 de Março de 2009

Nos últimos tempos, parece não haver semana que passe sem que os nossos diligentes Serviços de Migração barrem a entrada no território de cidadãos de Hong Kong. Ainda por cima, andamos em fase de estreias absolutas, o que dá maior visibilidade à coisa: foi a primeira vez, tanto quanto se sabe, que um fotojornalista (qualquer jornalista, aliás) ou um académico não puderam vir a Macau fazer o seu trabalho.
Quem será, então, o próximo estreante? Um desportista que tenha recusado participar nos recentes Jogos Olímpicos por causa do apoio de Pequim aos regimes criminosos da Birmânia e do Sudão? Um actor de cinema simpatizante do Dalai Lama, como Richard Gere ou Sharon Stone (nem sei como deixam a Damiani utilizar aquele enorme outdoor com a sua foto em frente à agência do Banco da China na Avenida da Praia Grande)? Uma banda musical como os britânicos Oasis, cujo líder, Noel Gallagher, actuou num concerto de apoio à causa tibetana há mais de uma década (e, por isso, acaba de ver cancelados dois espectáculos que estavam agendados para Pequim e Xangai dentro de um mês)? Faites vos joeux! Tudo parece ser possível nos dias que correm! O melhor é cada potencial visitante, antes de gastar dinheiro num bilhete de barco, helicóptero ou avião para Macau, fazer uma séria e minuciosa introspecção aos “erros sínicos” do seu passado e avaliar o risco que corre de ser recambiado quando aqui aportar.
No meio desta já “normalidade”, a escandalosa recusa de entrada, na passada sexta-feira, ao director da Faculdade de Direito da Universidade de Hong Kong e antigo presidente da associação de advogados do território vizinho, Johannes Chan, assume contornos de alguma ironia, dado que o reputado académico vinha à Universidade de Macau realizar uma prelecção subordinada ao tema «o direito constitucional a uma audiência justa e o procedimento administrativo» – matéria que, tal como a necessidade de fundamentação dos actos administrativos que decidam em contrário de pretensão formulada por interessado (artigo 114.º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo), parece escapar de todo ao conhecimento das nossas autoridades fronteiriças, a julgar pela forma arbitrária como aplicam a Lei de Bases da Segurança Interna...
Mas é igualmente irónico que isto continue a suceder numa altura em que os representantes locais à Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, reunidos em Pequim, se preparam para apresentar uma proposta para a criação de um visto único para as duas regiões administrativas especiais, apoiada «no princípio de que Macau e Hong Kong, pertencendo agora à República Popular da China, poderiam beneficiar de uma política de circulação de pessoas no Interior da China», segundo explicou Leonel Alves, um dos mentores da iniciativa. Ora, se nem os cidadãos chineses isentos de visto para aqui entrar (os titulares de BIR da RAEHK) conseguem circular livremente entre os dois territórios...
Outro pormenor digno de nota é que Johannes Chan declarou à Cable TV da ex-colónia britânica que os agentes policiais do terminal de jetfoil lhe haviam comunicado que o seu nome constava de uma lista. Depois dos deputados “mentirosos”, estaria também ele a mentir? Pois se não há listas negras...
Comentando a situação para a TDM, Emily Lau, a respeitada vice-presidente do Partido Democrático de Hong Kong e membro do LegCo, afirmava ontem que estes acontecimentos faziam Macau parecer silly (parvo) na cena internacional. Pois é exactamente essa a impressão com que fico cada vez que vejo os nossos governantes a responder à comunicação social que desconhecem os pormenores de casos concretos, que Macau recebe todos os visitantes de braços abertos, que a polícia age em conformidade com a lei ou que estes procedimentos são normais em todos os países do mundo.
Também ontem, à partida para Pequim, o Chefe do Executivo afiançou que estas situações mais recentes nada tinham a ver com o processo legislativo de implementação do artigo 23.º da Lei Básica – e até acredito sem dificuldade nenhuma! Afinal, com uma utilização tão “generosa” dos poderes conferidos às autoridades policiais por outros diplomas, quem é que verdadeiramente precisa de uma lei de defesa da segurança do Estado? Pelos vistos, não as nossas polícias, nem quem nelas manda...

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».

3 comentários:

Anónimo disse...

Eu chamava-lhe a "Dangerous Season"

Anónimo disse...

Eu chamava-lhe a "Dangerous Season"

Nuno Lima Bastos disse...

É bem verdade...
Cumprimentos!