26 de Março de 2009
1. Em poucos dias, aconteceram duas situações na Assembleia Legislativa que me deixaram deveras surpreendido: há uma semana, a posição do Comissariado de Auditoria (*) em relação às contas públicas de 2007, com este organismo a emitir um «parecer com reservas»; anteontem, o forte desagrado de grande parte dos deputados face à proposta de alargamento das competências do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC) ao sector privado.
Assombrou-me a primeira porque, em quase década e meia de Macau, não me recordo de alguma vez ter visto um organismo público – estatutariamente independente, é certo, mas cujo dirigente responde perante o Chefe do Executivo – criticar formalmente o Governo local. O economista e meu bom amigo Albano Martins já exprimiu a sua avisada opinião sobre o diferendo em termos nada favoráveis a Fátima Choi, mas, questões técnicas à parte, aqueles momentos acalorados no hemiciclo cheiraram a verdadeira democracia! Só é pena que tivéssemos que esperar pelos derradeiros meses do segundo mandato de Edmund Ho para assistir a tão inaudita cena... É caso para perguntar: onde andou esta (e outra) gente ao longo de tantos anos de acumulação ilícita de riqueza por um ex-governante?
Questão que nos leva ao “incidente” da última terça-feira, quando os representantes do CCAC foram “maltratados” pelos legisladores. Também neste tocante, já uma voz autorizada – o advogado João Miguel Barros – se pronunciou na imprensa de ontem, em moldes que inteiramente subscrevo, pelo que me escuso de os repetir, apenas acrescentando uma observação: a adjunta do Comissário, ao dar a cara pelo projecto, alegou que este reunia «grande consenso entre a população», um argumento muito caro ao Governo, que o tem usado amiúde na apresentação de projectos sensíveis. Foi assim com a reforma das leis eleitorais, com a regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica ou com a redução da idade de imputabilidade criminal dos menores, apenas para recordar os casos mais recentes. Só não consegui perceber ainda como é que o Executivo consegue auscultar tão eficazmente o conjunto da população do território. Aliás, tão eficaz quanto discretamente, pois sigo as notícias todos os dias e nunca dou por nada, tirando uns inquéritos promovidos, de quando em vez, por algumas entidades públicas e associações “alinhadas”, que de científicos e representativos pouco ou nada têm...
Presumo que o suposto consenso público invocado há um ano para legitimar a proposta de revisão do regime eleitoral apenas na perspectiva do combate à corrupção, deixando de lado qualquer avanço na democratização do sistema, deve ser o mesmo que legitimou as despudoradas manobras de bastidores que vão levar a que o próximo Chefe do Executivo seja apurado por um conclave que, além de compreender meros trezentos assentos, nem sequer vai ser eleito! Como se já não nos bastasse o que sucede com os dez deputados saídos do pseudo-sufrágio indirecto, que tem sempre tantos candidatos quantos os lugares, ainda temos agora mais este notável exemplo da vontade do povo... Haja decência, meus senhores, haja decência!
2. Ainda à volta dos consensos, é com alguma curiosidade que irei assistir, mais logo, ao debate promovido pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau sobre o papel da nossa comunidade na vida política do território. O tema e os oradores convidados – Leonel Alves, Pereira Coutinho, Amélia António e Carlos Marreiros – tornam incontornável a questão da candidatura única de matriz portuguesa às próximas eleições legislativas, defendida por elementos ligados à «Por Macau», lista esmagada há quatro anos pela «Nova Esperança» do líder da ATFPM, com uma relação de votos de onze para um (9973 contra 892). Perante estes números, fará sentido reiterar uma aposta de matriz portuguesa distinta da equipa de Pereira Coutinho? E forçar (mais) um falso consenso? Jorge Fão, que até está de fora, já veio a terreiro dizer que há feridas inultrapassáveis entre a comunidade local...
(*) E não Comissariado da Auditoria, como o próprio se intitula, violando o diploma que o criou (a Lei n.º 11/1999, uma das “leis da meia-noite”. Por incrível, no mesmo número do Boletim Oficial, foi publicado o Regulamento Administrativo n.º 8/1999, que aprovou a «orgânica e funcionamento do Serviço do Comissariado da Auditoria», erro em que têm reincidido todos os demais normativos que se lhe referem).
Assombrou-me a primeira porque, em quase década e meia de Macau, não me recordo de alguma vez ter visto um organismo público – estatutariamente independente, é certo, mas cujo dirigente responde perante o Chefe do Executivo – criticar formalmente o Governo local. O economista e meu bom amigo Albano Martins já exprimiu a sua avisada opinião sobre o diferendo em termos nada favoráveis a Fátima Choi, mas, questões técnicas à parte, aqueles momentos acalorados no hemiciclo cheiraram a verdadeira democracia! Só é pena que tivéssemos que esperar pelos derradeiros meses do segundo mandato de Edmund Ho para assistir a tão inaudita cena... É caso para perguntar: onde andou esta (e outra) gente ao longo de tantos anos de acumulação ilícita de riqueza por um ex-governante?
Questão que nos leva ao “incidente” da última terça-feira, quando os representantes do CCAC foram “maltratados” pelos legisladores. Também neste tocante, já uma voz autorizada – o advogado João Miguel Barros – se pronunciou na imprensa de ontem, em moldes que inteiramente subscrevo, pelo que me escuso de os repetir, apenas acrescentando uma observação: a adjunta do Comissário, ao dar a cara pelo projecto, alegou que este reunia «grande consenso entre a população», um argumento muito caro ao Governo, que o tem usado amiúde na apresentação de projectos sensíveis. Foi assim com a reforma das leis eleitorais, com a regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica ou com a redução da idade de imputabilidade criminal dos menores, apenas para recordar os casos mais recentes. Só não consegui perceber ainda como é que o Executivo consegue auscultar tão eficazmente o conjunto da população do território. Aliás, tão eficaz quanto discretamente, pois sigo as notícias todos os dias e nunca dou por nada, tirando uns inquéritos promovidos, de quando em vez, por algumas entidades públicas e associações “alinhadas”, que de científicos e representativos pouco ou nada têm...
Presumo que o suposto consenso público invocado há um ano para legitimar a proposta de revisão do regime eleitoral apenas na perspectiva do combate à corrupção, deixando de lado qualquer avanço na democratização do sistema, deve ser o mesmo que legitimou as despudoradas manobras de bastidores que vão levar a que o próximo Chefe do Executivo seja apurado por um conclave que, além de compreender meros trezentos assentos, nem sequer vai ser eleito! Como se já não nos bastasse o que sucede com os dez deputados saídos do pseudo-sufrágio indirecto, que tem sempre tantos candidatos quantos os lugares, ainda temos agora mais este notável exemplo da vontade do povo... Haja decência, meus senhores, haja decência!
2. Ainda à volta dos consensos, é com alguma curiosidade que irei assistir, mais logo, ao debate promovido pela Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau sobre o papel da nossa comunidade na vida política do território. O tema e os oradores convidados – Leonel Alves, Pereira Coutinho, Amélia António e Carlos Marreiros – tornam incontornável a questão da candidatura única de matriz portuguesa às próximas eleições legislativas, defendida por elementos ligados à «Por Macau», lista esmagada há quatro anos pela «Nova Esperança» do líder da ATFPM, com uma relação de votos de onze para um (9973 contra 892). Perante estes números, fará sentido reiterar uma aposta de matriz portuguesa distinta da equipa de Pereira Coutinho? E forçar (mais) um falso consenso? Jorge Fão, que até está de fora, já veio a terreiro dizer que há feridas inultrapassáveis entre a comunidade local...
(*) E não Comissariado da Auditoria, como o próprio se intitula, violando o diploma que o criou (a Lei n.º 11/1999, uma das “leis da meia-noite”. Por incrível, no mesmo número do Boletim Oficial, foi publicado o Regulamento Administrativo n.º 8/1999, que aprovou a «orgânica e funcionamento do Serviço do Comissariado da Auditoria», erro em que têm reincidido todos os demais normativos que se lhe referem).
Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a lisonjeira recomendação desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».
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