quarta-feira, 30 de abril de 2008

Irá a tocha "queimar" Macau?

A notícia da detenção de um indivíduo suspeito de instigar ao furto da tocha olímpica em Macau já chegou a Portugal, acompanhada da referência ao impedimento da entrada no território de dois activistas pró-democracia de Hong Kong (ver mais detalhes aqui). Os dois homens queixaram-se ao South China Morning Post e, francamente, a imagem de Macau começa a ficar "chamuscada" antes mesmo de a chama olímpica aqui chegar.

Além disso, está a tornar-se um (péssimo) hábito as autoridades locais vedarem o acesso ao território de pessoas conotadas com a luta pelas reformas democráticas em Hong Kong, como se de criminosos ou hooligans se tratassem.

Conto abordar este assunto na minha crónica de amanhã no JTM.

domingo, 27 de abril de 2008

Os «oportunistas» segundo Vicente Moura

De acordo com uma notícia da LUSA, o presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), Vicente Moura, terá classificado de «oportunistas» os que defendem um boicote aos Jogos Olímpicos de Pequim devido às questões do Tibete e dos direitos humanos na China. A peça não esclarece se o adjectivo é extensível aos dirigentes e individualidades mundiais que sustentam apenas o boicote da cerimónia de abertura da prova por aquelas razões. Seria interessante que este ponto fosse esclarecido por Vicente Moura.

Segundo a mesma notícia, o presidente do COP refuta uma eventual restrição da liberdade de expressão dos atletas, «pois estes são livres e vivem num país livre». Não deixa, no entanto, de adiantar que os atletas terão «que responder pelas suas declarações» e que espera que estes «percebam o que está em jogo». Será impressão minha ou isto é uma intimidação subreptícia dos atletas olímpicos?

Estava previsto Vicente Moura ser um dos portadores da tocha olímpica em Macau, como referi na minha crónica do passado dia 10 deste mês, mas acabam de me informar que, afinal, essa vinda foi cancelada.

Estas declarações têm suscitado muitos comentários dos leitores no sítio do jornal Público. Mais detalhes aqui.

sábado, 26 de abril de 2008

Diálogo com o Dalai Lama

A China acaba de anunciar que está disposta a dialogar com um representante do Dalai Lama sobre a situação do Tibete. Esperemos que seja um gesto genuíno de boa vontade e não uma mera manobra para aliviar as pressões internacionais, face à aproximação dos Jogos Olímpicos. Mais detalhes aqui.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

As Pastas do Cerco

Será uma nova fronteira?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Os cobardes

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
24 de Abril de 2008

«Veneno: a arma dos cobardes»
(John Fletcher, 1579-1625)

Há muito que planeara escrever hoje sobre as eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Não obstante o manifesto desinteresse da maioria da nossa comunidade “expatriada” em relação ao sufrágio de domingo passado – ou talvez por isso mesmo –, julgo que este órgão é merecedor de atenção e reflexão. Ficará para uma próxima oportunidade.
Sucedeu, entretanto, que voz amiga me deu a conhecer que alguém terá enviado uma carta anónima ao governo de Macau, esbaforindo contra a minha crónica de há duas semanas, «as forças externas» (ainda disponível no sítio do JTM e no meu recém-criado blogue, em oprotesto-macau.blogspot.com). Desconheço, por ora, os termos da missiva e a reacção exacta de quem a recebeu, embora exista uma disposição legal a determinar que «as sugestões, queixas e reclamações anónimas podem ser destruídas» (n.º 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 5/98/M, de 2 de Fevereiro).
Espero, contudo, que o queixoso continue a ler as minhas crónicas semanais, até porque esta lhe é particularmente dedicada. Depois, poderá também destilar o seu veneno anónimo no meu blogue, uma vez que (ainda) não é requerida qualquer identificação para ali se expressar.
Este consternado leitor poderia, como qualquer outro, ter dirigido a sua indignação a este jornal, que estou certo da publicação das suas palavras, como tantas vezes já aconteceu. Não desejando expor-se publicamente, poderia, em alternativa, ter solicitado ao JTM o meu contacto e me abordar directamente. Mas não! Como um verdadeiro cobarde, preferiu dirigir-se de forma oculta ao executivo local, certamente na expectativa de que alguma represália fosse exercida sobre mim por via do meu vínculo jurídico-laboral com a administração do território, mesmo não havendo qualquer mistura entre o que escrevo na comunicação social e a minha actividade profissional e os deveres funcionais dela decorrentes.
Caricato em tudo isto é que, enquanto eu manifesto abertamente a minha postura crítica face ao poder central em matérias tão sensíveis como o Tibete, os direitos humanos no continente ou a democratização do sistema político de Macau, o biltre recorre ao anonimato até para assumir posições alinhadas com o poder! Haverá maior cobardia?
Já mais do que uma vez ouvi aqui, até de outros portugueses, comentários do género: «és um convidado nesta terra e os convidados não devem dizer mal de quem os recebe». Gostaria de esclarecer, de uma vez por todas, que não me considero, nem aceito ser considerado, um “convidado” em Macau. Sou um cidadão, um residente permanente e um eleitor deste território. Posso votar e ser eleito para o parlamento local. Com excepção do acesso a meia-dúzia de cargos, tenho os precisos direitos de qualquer cidadão chinês de Macau e julgava ter sido esse um dos grandes objectivos da diplomacia do meu país nas negociações da transferência de soberania com a China, assim como acreditava ser essa uma decorrência da Declaração Conjunta Luso-Chinesa Sobre a Questão de Macau e da Lei Básica. Além do mais, esta terra não é propriedade dos seus dirigentes, mas de todo o seu povo. Será isto tão difícil de perceber?
Aos patriotas exacerbados e aos oportunisticamente patriotas gostaria, também, de clarificar que não sou anti-China ou anti-chinês. Nem eu nem, estou em crer, a maioria daqueles cidadãos do mundo que têm protestado à passagem da tocha olímpica pelas suas cidades. Somos é pelo respeito incondicional desse conjunto de valores supra-nacionais a que se convencionou chamar direitos humanos. Para nós, a nação chinesa não se resume ao regime totalitário a que continua agrilhoada ou à sua nomenklatura. Por isso é que, nos quatro cantos do mundo, estivemos ao lado dos estudantes de Tiananmen em 1989 e chorámos de raiva e impotência quando os tanques avançaram sobre eles. E por isso é que rejubilamos sempre que testemunhamos eleições livres em Taiwan, porque nos fazem acreditar que o povo chinês consegue viver em liberdade e democracia, ao contrário do que alguns teimosamente asseveram.
O seguidismo cego, a cultura do “trabalha e cala”, a sabujice do poder, tão típicos entre nós, são um cancro social, o cancro que potencia o aparecimento dos Ao Man Long deste pequeno burgo e tantos actos polémicos e suspeitos de gestão da coisa pública que têm vindo a terreiro nos últimos tempos.
Não fora a determinação de um pequeno grupo de cidadãos desinteressados e alguma vez o executivo teria fixado os recentes limites à construção em altura para proteger o Farol da Guia (ainda que a medida peque por tardia e insuficiente)? Claro que não! Ou já nos esquecemos daquela famosa frase de que o progresso de Macau não podia ser travado por “romantismos”? Como este, há tantos outros exemplos. Tantos que não percebo porque é que temos que andar sempre a avivar a memória das pessoas, especialmente a dos nossos queridos líderes e seus patrióticos servidores.
Acreditem ou não, nem todos nos orientamos com intuitos mercenários ou de projecção pública, da mesma maneira que nem todos pensamos que a economia justifica tudo ou é incompatível com a democracia e a liberdade, que o nosso emprego é mais importante do que os nossos princípios ou que os nossos dirigentes são incontestáveis e infalíveis. Infalível, só Deus. Cá em baixo, alguns de nós ainda vivemos na doce convicção de que podemos e devemos contribuir para um mundo melhor. Quanto aos cobardes, deles não reza a história.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Behind the "modern" China

Com a devida vénia ao Exílio de Andarilho pela prévia divulgação, aqui fica uma perspicaz análise à "moderna" China:

Robert Kagan
The Washington Post
March 23, 2008

China can go for great stretches these days looking like the model of a postmodern, 21st-century power. Visitors to Shanghai see soaring skyscrapers and a booming economy. Conference-goers at Davos and other international confabs see sophisticated Chinese diplomats talking about "win-win" instead of "zero-sum." Western leaders meet their Chinese counterparts and see earnest technocrats trying to avoid the many pitfalls on the path to economic modernization.
But occasionally the mask slips, and the other side of China is revealed. For China is also a 19th-century power, filled with nationalist pride, ambitions and resentments; consumed with questions of territorial sovereignty; hanging on repressively to old conquered lands in its interior; and threatening war against a small island country off its coast.
It is also an authoritarian dictatorship, albeit of a modern variety. The nature of its rule isn't visible on the streets of Shanghai, where people enjoy a degree of personal freedom as long as they keep their noses out of politics. It is only when someone challenges its authority that the brute power on which the regime ultimately rests shows itself. In 1989, it was students in Tiananmen Square. A few years ago it was the Falun Gong. Today it is Tibetan protesters. Tomorrow it may be protesters in Hong Kong. Someday it may be dissidents on a "reunified" island of Taiwan.
This is the aspect of China that does not seem to change, despite our liberal progressive conviction that it must. In the 1990s, China watchers insisted it was only a matter of time before China opened. It was precisely this current generation of technocrats, not schooled in Soviet-style communism, who were supposed to begin reforming the system. Even if they didn't want to reform, the requirement of a liberalizing economy would leave them no choice: The growing Chinese middle class would demand greater political power, or the demands of a globalized economy in the age of the Internet would force China to change in order to compete.
Today this all looks like so much wishful thinking -- self-interested wishful thinking, to be sure, since, according to the theory, China would get democratic while Western business executives got rich. Now it looks as if the richer a country gets, whether China or Russia, the easier it may be for autocrats to hold on to power. More money keeps the bourgeoisie content and lets the government round up the few discontented who reveal their feelings on the Internet. More money pays for armed forces and internal security forces that can be pointed inward at Tibet and outward at Taiwan. And the lure of more money keeps a commerce-minded world from protesting too loudly when things get rough.
The question for observers of Chinese foreign policy is whether the regime's behavior at home has any relevance to the way it conducts itself in the world. Recall that in the 1990s we assumed there was a strong correlation: A more liberal China at home would be a more liberal China abroad, and this would gradually ease tensions and facilitate China's peaceful rise. That was the theory behind the strategy of engagement. Many still argue that the goal of American foreign policy should be, in scholar G. John Ikenberry's words, to "integrate" China into the "liberal international order."
But can a determinedly autocratic government really join a liberal international order? Can a nation with a 19th-century soul enter a 21st-century system? Some China watchers imagine the nations of East Asia gradually becoming a kind of European Union-style international entity, with China, presumably, in the role of Germany. But does the German government treat dissent the way China does, and could the European Union exist if it did?
China, after all, is not the only country dealing with restless, independence-minded peoples. In Europe, all kinds of subnational movements aspire to greater autonomy or even independence from their national governments, and with less justification than Tibet or Taiwan: the Catalans in Spain, for instance, or the Flemish in Belgium, or even the Scots in the United Kingdom. Yet no war threatens in Barcelona, no troops are sent to Antwerp and no one clears the international press out of Edinburgh. But that is the difference between a 21st-century postmodern mentality and a nation still fighting battles for empire and prestige left over from a distant past.
These days, China watchers talk about it becoming a "responsible stakeholder" in the international system. But perhaps we should not expect too much. The interests of the world's autocracies are not the same as those of the democracies. We want to make the world safe for democracy. They want to make the world safe, if not for all autocracies at least for their own. People talk about how pragmatic Chinese rulers are, but like all autocrats what they are most pragmatic about is keeping themselves in power. We may want to keep that in mind as we try to bring them into our liberal international order.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

China vende armas ao Zimbabwe

Com a devida vénia ao Última Hora do jornal Público, reproduzo aqui a seguinte notícia (é o Sudão, é o Zimbabwe - e depois ficam muito incomodados em Pequim com as críticas internacionais...):

Armamento estava a bordo de um navio
China confirma ter vendido armas ao Zimbabwe e defende legalidade do negócio
21.04.2008 - 13h32 Lusa

A China admitiu hoje ter vendido ao governo do Zimbabwe as armas a bordo do navio chinês em rota para Angola, com Pequim a defender a legalidade do negócio depois de Moçambique ter recusado à embarcação licença para aportar.
"A venda de armas chinesas ao Zimbabwe é legal. A imprensa ocidental está simplesmente a usar o assunto para pressionar a China", diz hoje a agência noticiosa estatal chinesa Nova China, que cita declarações de Guo Xiaobin, investigador do Instituto de Relações Internacionais Contemporâneas da China, uma instituição estatal.
A Nova China não comenta, porém, o facto de o navio An Yue Jiang, que carrega o armamento, ter abandonado águas sul-africanas na sexta-feira, depois de um tribunal sul-africano ter recusado que as armas fossem transportadas através do país para o Zimbabwe.
O An Yue Jiang navega agora em direcção a Angola, onde espera aportar em Luanda, segundo disse Paulo Zucula, ministro dos Transportes e Comunicações de Moçambique, país que recusou a entrada da embarcação que transporta seis contentores de armamento chinês.
"Sabemos que o registo do seu próximo destino explicita Luanda porque não permitimos que penetrasse em águas moçambicanas sem diligências prévias", disse Zucula.
Contactado pela a Lusa, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês recusou-se hoje a fazer qualquer comentário, quer sobre a venda de armas ao Zimbabwe, quer sobre o itinerário do An Yue Jiang."Essas perguntas deverão ser feitas amanhã durante a conferência de imprensa de rotina do nosso Ministério", disse um funcionário do gabinete do porta-voz da diplomacia chinesa, que não se identificou.
Entre as armas transportadas encontram-se três milhões de munições para as espingardas automáticas AK-47, 1500 RPG (morteiros com auto-propulsão) e mais de três mil granadas de morteiro.
O supremo tribunal de Durban, na África do Sul, recusou permissão para o transporte do armamento para o Zimbabwe, que não tem acesso ao mar, por recear que a carga do An Yue Jiang possa alimentar a crise no Zimbabwe.
Em Fevereiro, um relatório da Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu apelou à União Europeia para que pressione a China a deixar de vender armas aos países africanos e ao Zimbabwe em particular.
O Zimbabwe vive actualmente um clima de tensão, uma vez que a comissão eleitoral do país ainda não divulgou os resultados das eleições presidenciais de 29 de Março.
A oposição no Zimbabwe afirma que pelo menos dez pessoas foram mortas desde 29 de Março, e desde então cerca de 400 militantes da oposição foram detidos, três mil pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas e mais de 500 hospitalizadas.

Actualização em 24 de Abril: depois de muita pressão internacional, o navio acabou por regressar à China com as armas. Mais detalhes aqui.

Falsos monges?


A descrição que acompanhava esta fotografia quando a recebi dizia que estes soldados (ou polícias?) chineses estariam a preparar-se para se disfarçarem de monges budistas em Lassa, no Tibete, com o intuito de provocar tumultos e deitar as culpas nos monges tibetanos. Seria estranho aparecerem em público desta maneira se fosse esse o objectivo, mas a imagem não deixa de ser curiosa.

No YouTube, há um vídeo "patriótico" a desmentir esta versão, invocando que os soldados iam participar num filme. Há idênticos desmentidos em diversos outros sítios da Internet.

Nesta "guerra", que envolve também propaganda de vários quadrantes (há que o reconhecer, independentemente das nossas simpatias individuais), o melhor é cada um fazer a sua pesquisa e tirar as suas próprias conclusões.

sábado, 19 de abril de 2008

Tufão: hasteado o sinal 8


Parece que as previsões falharam: há dois dias, os serviços de meteorologia diziam que dificilmente a passagem do Neoguri os faria hastear o sinal 3 de tempestade tropical. Afinal, já vamos no sinal 8 desde as 13:30 de hoje.

A passagem do Neoguri por Macau teve direito a notícia no Público.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

PSD novamente a votos

Coincidência das coincidências, no preciso dia em que voltei a escrever sobre o PSD, o líder do partido demitiu-se! As novas eleições directas estão marcadas para 31 de Maio (mais desenvolvimentos podem ser lidos aqui, por exemplo).

Uma vez mais, por capricho dos fusos horários, os "laranjas" de Macau serão os primeiros a votar. Espera-se que, desta feita, a convocatória seja enviada por correio, como sempre foi tradição no PSD-Macau, em vez de meramente publicada na edição electrónica do Povo Livre, como sucedeu nas eleições que José Cesário convocou para os órgãos da secção em 28 de Julho último e nas directas de 28 de Setembro seguinte, em que Luís Filipe Menezes foi eleito. É que os militantes do território não andam, propriamente, todos os dias a consultar o Povo Livre no sítio nacional do partido à procura de convocatórias da sua secção...

Espera-se, também, que só os militantes com as quotas em dia possam votar. O actual PSD-Macau deve ser a única secção do partido em todo o mundo onde se pode votar e ser eleito sem nunca se ter pago uma única quota. Haja decoro!

Actualização em 24 de Abril: depois de Manuela Ferreira Leite, Neto da Silva, Patinha Antão e Pedro Passos Coelho, também Santana Lopes acaba de apresentar a sua candidatura a líder do partido! Só falta Alberto João Jardim mudar de ideias e decidir avançar mesmo... Há candidatos para (quase) todos os gostos. É caso para se dizer: não há fome que não dê fartura... Mais detalhes aqui.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

O novo PSD-Macau

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
17 de Abril de 2008

O segundo deputado social-democrata do círculo de Fora da Europa, o sempre agradável Carlos Páscoa Gonçalves, acaba de visitar Macau. Cruzámo-nos casualmente no início da semana, no Clube Militar, e trocámos um abraço amigo e algumas palavras de circunstância, que a oportunidade não dava para mais. Foi, de facto, um encontro puramente casual, uma vez que, enquanto militante do PSD-Macau, não recebi qualquer informação sobre esta vinda (nem eu, nem nenhum dos outros “laranjas” locais com quem falei), à semelhança, aliás, do que aconteceu com as últimas deslocações ao território do outro deputado da emigração, José Cesário. Nada que me surpreendesse, portanto.
O mesmo já não poderei dizer de dois “detalhes” que surgiram nas peças que a imprensa local foi produzindo sobre a presença do parlamentar entre nós: primeiro, o presidente do PSD-Macau, Pedro Bailote, a afirmar ao Jornal Tribuna de Macau de domingo passado que «a vinda de Carlos Páscoa Gonçalves é (...) a prova de que os objectivos da secção se estão a cumprir»; depois, o Ponto Final de segunda-feira a mencionar a realização de «um jantar [do deputado] com o núcleo do PSD local» (e perguntando-lhe, com propriedade, por que não agendava, ao invés, um jantar aberto com a comunidade portuguesa). Aqui, confesso que fiquei já surpreendido. Tanto que resolvi indagar junto de outros militantes e, até, de um dos elementos da comissão política se as coisas estavam mesmo a acontecer e eu é que andava “distraído” ou se, realmente, se confirmava a minha impressão de que o PSD-Macau deixara definitivamente de funcionar enquanto estrutura orgânica.
Pelos vistos, ninguém sabe se houve repasto ou qualquer outro contacto alargado de militantes com o deputado. Sabem, sim, que ninguém os informou ou convidou para nada, incluindo o próprio dirigente com quem falei! Mais: este responsável reclama que, desde que foi eleita em 28 de Julho último – já lá vão oito meses e meio –, a presente comissão política local não reuniu uma única vez! Não compreendo, então, a que objectivos se referia o seu presidente. Talvez aparecer na televisão ao lado dos deputados ou ser-lhes servil, na expectativa de futuras recompensas pessoais. E apenas.
Mas o marasmo não se fica por aqui. Os estatutos do partido determinam que as assembleias de secção reúnem ordinariamente de três em três meses. Ora, não houve uma única assembleia geral nestes quase nove meses que decorreram desde o sufrágio.
Devo dizer, em abono da verdade, que essa periodicidade deixou de ser cumprida há vários anos, mas pela simples razão de que, com o enorme êxodo de portugueses verificado por alturas da transferência de soberania, o PSD-Macau ficou rapidamente reduzido a cerca de duas dezenas de militantes; na sua maioria, pouco disponíveis para continuar a participar em actividades partidárias. Contudo, hoje o contexto é bem diferente: em vésperas da ida às urnas, o candidato único ufanou-se de ter conseguido angariar cerca de oitenta novos militantes entre o início de 2006 e Julho de 2007. É verdade que entraram de forma irregular, pois que, por grosseira negligência de quem, nos serviços centrais do partido, tratou do processo, a então comissão política do núcleo não foi chamada a dar o seu parecer vinculativo sobre as admissões e não foi cobrada a devida jóia, mas o certo é que, até ver, continuam inscritos e, deste modo, o PSD-Macau é suposto ter cerca de cem militantes neste momento, número mais do que suficiente para que as assembleias gerais possam ser convocadas com alguma garantia de não ficarem “desertas”.
Falando em irregularidades, continua por decidir o pedido de impugnação das eleições que submeti ao Conselho de Jurisdição Nacional do PSD. Os estatutos do partido também são claros a este respeito: «as decisões do Conselho são sempre tomadas no prazo máximo de noventa dias, salvo justificado motivo para a sua prorrogação, não devendo, em caso algum, o processo exceder o prazo de cento e oitenta dias até à decisão final». Decorridos 260 dias, não há nem decisão, nem justificação para a sua ausência... O PSD é lesto a apontar o dedo ao governo pelas falhas do nosso sistema judicial, mas não consegue dar o bom exemplo para dentro...
E assim vai o novo PSD-Macau, em normal funcionamento e relançado, como reclamou José Cesário quando decidiu avocar poderes e chamar os militantes locais às urnas em Julho de 2007.

Sondagem: um boicote europeu à Olimpíada?

O jornal Público está a organizar uma sondagem conjunta com os seus congéneres Gazeta Wyborcza, da Polónia, e Volkskrant, da Holanda, sobre um boicote europeu à cerimónia de abertura dos próximos Jogos Olímpicos. Pode votar e deixar os seus comentários aqui.

A China e o mal do mundo


7 de Abril de 2008

Se tivesse vinte anos, eu (que nunca, nem sequer ao de leve, simpatizei com o maoísmo, pelo que não tenho questões psicanalíticas por resolver nesse particular capítulo) andaria certamente a manifestar-me em frente à embaixada da China, e a pedir o boicote aos Jogos Olímpicos. Quando ouvi o presidente do Comité Olímpico Português dizer, tranquilamente, que desporto é desporto e que não temos nada que interferir nos "assuntos internos de outros países", os vinte e cinco anos que os meus vinte anos já levam em cima apagaram-se e uma fúria humana, demasiado humana, ferveu-me no sangue. As aspas de que não consigo abdicar quando oiço o manifesto de indiferença à dor das outras pessoas que se sintetiza na expressão "assuntos internos de outros países" demonstram-me que algo dos meus vinte anos ainda sobrevive. Mas depois começo a pensar, e envelheço. Porque sei que o boicote não resolveria nada - e causaria até um fechamento maior do Império Chinês, e um maior sofrimento àqueles que vivem encarcerados e torturados por ele.
O terror existente na China não começa nem acaba na questão do reconhecimento do Tibete. É um terror silencioso, o terror dos cadáveres dos milhares de chineses presos, torturados e mortos em luta pelas liberdades mais básicas. A China vende ao Sudão as armas que são utilizadas para massacrar a população de Darfur. Porque é que se escolheu este país como anfitrião dos Jogos Olímpicos? O Canadá, que perdeu para a China, não seria muito mais exemplar no que se refere à promoção da paz e da concórdia entre os povos - a nobre intenção que motivou o Barão de Coubertin, fundador das Olimpíadas da Era Moderna? Sim, mas os países bons não são os países líderes. A História da Humanidade tem consistido no desenho sucessivo, e aparentemente inconsciente, de gigantes que se tornam monstros. Quando o poder do monstro é tentacular, os seus criadores tentam seduzi-lo, com falinhas mansas, para que ele os deixe sobreviver. O mundo depende da China, porque a economia dos Estados Unidos da América depende da China. Por isso é que a ausência de direitos humanos na China incomoda menos do que em Cuba. Cuba é pequena, pode ser embargada. Os bodes-expiatórios são sempre os pequeninos. O mundo funcionou sempre com as regras implacáveis utilizadas pelas crianças da escola primária. Terrivelmente simples e impiedosas. Por isso é que é tão difícil converter as crianças à bondade e à justiça. Não só não é isso que existe, como o excessivo zelo justiceiro pode criar injustiças ainda maiores - eis o que, aos vinte anos, felizmente, eu não sabia, nem queria saber.
Seria desejável que estes Jogos Olímpicos se tornassem embaraçosos. O Governo chinês já pondera fazer a transmissão do evento em diferido, temendo os imprevistos. Por isso mesmo, seria bom que os imprevistos fossem arquitectados em conjunto. Seria simpático que todos os atletas da União Europeia surgissem com uma marca de discórdia no corpo - uma faixa num braço, um sinal. Seria um acto de coragem, um gesto de solidariedade. As pequenas coisas podem mudar as grandes - penso assim para não desistir dos meus vinte anos, penso assim porque, apesar de tudo e ao contrário do que oiço dizer, tenho visto o mundo melhorar muito, desde os meus vinte anos. Quando a Indonésia ocupava Timor, Portugal chegou a fazer campanhas de televisão apelando ao boicote dos produtos "made in Indonésia". Conseguimos a independência de Timor - que Timor esfrangalha agora, suicidando-se. Mas outra coisa que a idade nos ensina (e que Angola e Moçambique também já nos ensinaram) é que não podemos obrigar os outros a serem felizes.
Não há só estes exemplos dolorosos: há também, e só para continuar a falar de realidades que nos são mais próximas, a força gloriosa do Brasil, uma promessa solar de superpotência. Os pequenos gestos, multiplicados, tornam-se grandes: o gesto de não comprar objectos produzidos por trabalho escravo, ou semi-escravo, é um deles. O gesto de sinalizar o desgosto face à ditadura de Pequim é outro. Quer queiram ou não, os atletas são também políticos. Toda a intervenção humana na sociedade é política. A separação entre "a política" e "o resto" é uma forma específica de acção política, própria daqueles que só tratam dos seus interesses. A extrema-direita sempre utilizou esta distinção - da mesma maneira que o Partido Comunista Português, lestíssimo a separar por etiquetas os bons e os maus massacres, os bons e os maus ditadores: observe-se o que Jerónimo de Sousa continua a dizer sobre Cuba, a Coreia do Norte ou a acção das FARC, na Colômbia, para além do beneplácito eterno à China, no que está agora bem acompanhado por George Bush.
Não se pode abrir guerra à China - mas pode, pelo menos, arreganhar-se-lhe os dentes. E começar a desenhar um monstro alternativo, com um bocadinho mais de moral.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Alice in motherland


Alice in Motherland é um interessantíssimo blogue de Alice Kok, uma chinesa de Macau que estudou em França e viveu, recentemente, largos meses no Tibete e em Dharamsala, no norte da Índia, onde se encontra uma vasta comunidade tibetana.

Talvez tenham visitado a sua instalação no Centro de Indústrias Criativas de Macau, há pouco mais de dois meses (também aqui). Ou talvez já tenham lido algum dos seus artigos na Macau Closer (também aqui e aqui) ou no Tai Chung Po (aqui, por exemplo).

Seja como for, com textos em chinês, inglês e francês, fotos lindíssimas e uma visão privilegiada sobre uma das questões mais quentes e actuais desta zona do mundo, este blogue é uma visita a não perder.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Boicote ao "made in" China...


Ainda mais eficaz do que o anunciado boicote de muitos líderes mundiais à cerimónia de abertura dos próximos Jogos Olímpicos (o próprio secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, já informou Pequim da sua ausência), seria, provavelmente, um boicote aos produtos made in China... A questão é: e os consumidores conseguiriam passar sem eles?

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Apelo da Amnistia Internacional

Dear friend,

The countdown has started to the Beijing Summer Olympic Games 2008. The Chinese Government is stepping up the "cleansing" campaign. Its aim is to silence the dissident voices. It's not just happening in Tibet: in the rest of the country too, journalists and writers who report the human rights situation in China on a daily basis are heavily repressed.
As a result of the campaign to control speech, there are hundreds of persons imprisoned in China for expressing their opinion. One of them is Shi Tao, who was imprisoned for sending an email from his Yahoo account. Yahoo provided Shi Tao's details at the Government's demand, and he was arrested and condemned to 10 years in prison. His representative, Yu Zhang, has visited Spain and wanted to show us in this video his gratitude for the support which Shi Tao has received.
Now is the time to take a step forward for freedom in China. Join Amnesty International today, so as to be able to help every day.Thank you for being with us and for us.

Esteban Beltrán
Director – Spanish Section of Amnesty International

Os Jogos Olímpicos em cartoons





domingo, 13 de abril de 2008

The torch and freedom

Editorial
The New York Times
April 9, 2008

After facing major protests in London and Paris as the Olympic torch made stops on its journey to Beijing, the Chinese government is said to be looking for a public relations firm to patch up China’s image before the 2008 Games in August. In the spirit of the Olympic ideals, we are prepared to help China — free of charge.
Here’s what you do: Stop arresting dissidents. Stop spreading lies about the Dalai Lama, and start talking to him about greater religious and cultural freedoms for Tibet. Stop being an enabler to Sudan in its genocide in Darfur. In other words, start delivering on the pledge you made to the International Olympic Committee to respect human rights — which, by the way, include the freedom of expression and the freedom of assembly.
It is sadly typical of authoritarian regimes to presume that huge protests of the sort that have accompanied the Olympic torch are provocations instigated by devious foreign foes. It was the same when the United States and several other Western countries boycotted the 1980 Moscow Games over the Soviet invasion of Afghanistan. Since the Kremlin suppressed all dissent, it was beyond the ken of Soviet leaders to imagine that their actions could actually infuriate people and that they would then act on their outrage.
Just so, the Communist authorities in China have been fanning nationalist resentments among their citizens with claims that protests against their repressive policies are staged by hostile foreign forces bent on ruining China’s grand Olympic party. The popular anger then makes it easier for the regime to arrest dissidents, stifle the news media and blame a “Dalai Lama clique” abroad for the troubles in Tibet.
Since the Chinese government does not hesitate to whip up “spontaneous demonstrations” in favor of its policies, it’s not a stretch for it to presume that foreign “enemies” are doing the same along the route of the torch. Thus, the pathetic presumption that a P.R. firm can make the protesters go away. It can’t and won’t.
Nobody expected China to democratize overnight, and, given the country’s mighty economic power, nobody really wants to antagonize Beijing. But a nation that applies to host the Olympic Games also must demonstrate that it is worthy of the honor. China has only itself to blame for messing up its coming-out party.

China hasn't changed, we have

Randy Burton
The StarPhoenix
Saturday, April 12, 2008

The bar for measuring success at the world's greatest sporting event seems to fall a little lower every day.
Rather than faster, higher, stronger, the Olympic ideal is now defined as nobody getting hurt during the torch run. Following the confused and shortened San Francisco leg of the relay this week, International Olympic Committee executive board member Gerhard Heiberg of Norway said "I'm very, very happy because there were no injuries. We were afraid of that. That didn't happen, so this was a very good result."
Anything short of complete disaster is now hailed as a victory. IOC president Jacques Rogge also declared that the San Francisco relay had avoided much of the turmoil that undermined the success of the operation in Europe.
What he didn't say was that most of the event was abandoned and what was left wound up on an unplanned route where nobody could see the torch. The big closing to the event was eventually cancelled and the torch stuffed into a plane so it could quietly decamp for South America.
And this is just the beginning. While protesters dog the torch relay at every stop, various world leaders are declaring that they won't attend the Games' opening ceremonies in Beijing. British Prime Minister Gordon Brown has said he will not go, joining German Chancellor Angela Merkel and Canadian Prime Minister Stephen Harper, who have both opted to stay away.
All of this is in reaction to China's March 14 crackdown in Tibet when Chinese tanks rolled into Lhasa to crush protests against Chinese occupation, which resulted in as many as 150 people being killed. It's hard to tell exactly because China won't let reporters into Tibet.
What is unfolding now is the price to be paid for the policy of "engagement." This is the oft-expressed hope that if the rest of the world pretends China is like a western democracy, then it will eventually begin to behave that way and grant its citizens more freedoms.
China itself made the same argument as part of its case for winning the Games back in 2001. Human rights concerns were raised as a potential issue but Beijing's supporters successfully argued that winning the Olympics would exert a positive influence on China. At the time, the mayor of Beijing said the Olympics would not only support China's economic progress "but benefit the further development of our human rights."
The Chinese ambassador to Canada made the same claims in Montreal that summer, saying the Games amount to a "recognition of the progress China has made in the field of human rights."
How shooting people in the streets of Lhasa amounts to progress is something best left for the Chinese ambassador to explain. But if the rest of the world is beginning to feel like it was suckered in 2001, there's good reason for it.
Engagement implies compromise. It suggests a country is willing to take account of its partners' views and make at least some effort to accommodate them. China has done anything but.
The spectacle of the Chinese crackdown in Tibet serves as a reminder that the IOC had a choice back in 2001. It could have chosen any one of a half dozen other cities, including Toronto.
That it settled on Beijing shows just how successful the Chinese have been in convincing the world that they have changed. In light of recent events, it's pretty obvious China has learned nothing about human rights. It now responds to calls from the IOC to be more lenient as "irrelevant political factors."
And why not? Far from making China act more like western democracies, the policy of engagement has merely made democracies more likely to ignore China's indiscretions.
The truth is that China is already fully engaged in the world of commerce. It has become a global powerhouse, snapping up companies around the world, yet making no accommodation to the international community on human rights issues.
Instead it seems intent on cracking down even harder than it has to date. Before it won the Games, the Chinese government was promising to allow protesters, including Tibetans, the right to conduct public protests. Today, it's going the other way. Far from allowing freedom of expression for Tibetans, the Chinese will now not even allow tourists into Tibet.
Even the athletes will face restrictions at this year's Games. While IOC president Rogge says they will be able to express their political opinions, they won't be able to do it at Olympic venues.
It doesn't help that some western countries are making it even easier for China to get away with this. For example, Australia is demanding its athletes sign a document declaring they will refrain from making any political statements while attending the Olympics. Britain is reportedly also considering such a rule.
In other words, keep your head down, play your sport and shut up. This kind of thing can hardly be regarded as engaging China. It is much more like capitulating to China.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

As forças externas

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
10 de Abril de 2008

No início da semana, o vice-presidente do Comité Olímpico de Macau e presidente da Associação dos Comités Olímpicos de Língua Oficial Portuguesa (ACOLOP), Manuel Silvério, declarou à Agência LUSA não excluir que a prevista passagem da chama olímpica por Macau a 3 de Maio seja perturbada «por forças externas». Anunciou, também, que os presidentes dos Comités Olímpicos de Portugal, Cabo Verde e Moçambique serão alguns dos portadores da tocha no território, ao contrário dos seus homónimos de São Tomé e Príncipe e do Brasil, que, «por dificuldades de agenda», recuaram na intenção inicial de participar no evento.
Não pude deixar de notar a circunstância de os desistentes serem originários precisamente do único membro da ACOLOP que reconhece Taiwan como país soberano (São Tomé e Príncipe) e do mais poderoso Estado daquela organização (o Brasil). Estaremos, pois, perante uma mera coincidência ou uma influência de “forças externas”?
Segunda dúvida: dado que esta é a terceira vez, em quatro semanas, que abordo criticamente os próximos jogos olímpicos, serei eu, que aqui resido há mais de treze anos, uma “força externa”? E se, por exemplo, a Associação Novo Macau Democrático ou colaboradores locais da Amnistia Internacional resolverem empreender algum protesto paralelo à passagem da tocha pelo território, serão também qualificados de “forças externas”? Isto é, quem vive em Macau tem que ser acéfalo ou pró-Governo Central, sob pena de constituir uma “força externa”? Corremos o risco de nos acontecer o mesmo que a Martin Lee quando se dirigiu ao Congresso americano a pedir apoio para o processo de democratização do sistema político de Hong Kong e foi acusado pelas forças locais pró-Pequim de ser um “cão a soldo de potências estrangeiras”? É isso? Da minha parte, se é esse o risco que corro por defender abertamente o respeito pelos direitos humanos no Tibete e na China, assumo-o sem hesitar!
Pode, até, suceder que o “risco” de “forças externas” se fazerem ouvir em Macau no dia 3 de Maio desapareça muito em breve, uma vez que, como se sabe, o Comité Olímpico Internacional está a ponderar o cancelamento do percurso internacional da chama olímpica, depois dos fortes incidentes de Londres, Paris e, agora, São Francisco. Seriam os manifestantes destas três metrópoles, todos eles, também “forças externas”? Um deles, o arcebispo sul-africano e antigo Prémio Nobel da Paz Desmond Tutu (um estrangeiro em solo americano, dirão os adeptos das teses conspirativas), numa vigília anteontem realizada junto ao City Hall da cidade da Golden Gate, apelou aos líderes mundiais: «por amor de Deus, para o bem das nossas crianças, para o bem das crianças deles [dos chineses], para o bem do belo povo do Tibete – não vão [aos jogos olímpicos]»; «digam aos vossos homónimos de Pequim que gostariam de ir, mas consultaram a vossa agenda e verificaram que tinham outros compromissos».
Não obstante este crescendo de reacções mundiais – e não apenas dos tibetanos no exílio, por muito que as autoridades chinesas continuem pateticamente a insistir –, tudo indica que irá prevalecer o entendimento de que um boicote à olimpíada teria como efeito mais relevante o prejuízo dos próprios atletas, à semelhança do que sucedeu com os boicotes alargados aos Jogos Olímpicos de Moscovo e de Los Angeles. Mas, ao mesmo tempo, a componente desportiva nunca deverá estar ao serviço do encobrimento hipócrita de realidades tão graves como a reiterada violação dos direitos humanos no interior da China ou o apoio desta a regimes párias como os da Birmânia ou do Sudão. Daí o apelo de Desmond Tutu, a ausência frontalmente assumida dos presidentes polaco e checo e da chanceler alemã, ou a “incompatibilidade de calendário” de Cavaco Silva.
Há quem persista no argumento histórico de que os inimigos da Antiguidade suspendiam as suas guerras para que os jogos olímpicos pudessem ter lugar, mas, olhando para a História recente, constatamos que nem a última Grande Guerra Mundial (1939-1945) fez uma pausa para que os homens competissem no desporto, nem estes fizeram de conta que não estavam em guerra para se enfrentarem nos recintos desportivos – e, assim, não houve olimpíadas em 1940 e 1944. Há limites para tudo...
Finalmente, leio com assombro gente culta a arrazoar entre nós que os tibetanos estão «a poluir, na actualidade, uma das mais belas manifestações da humanidade», revelando falta de «respeito pela liberdade dos outros em comemorar um encontro pacífico entre todos os homens, independentemente da sua religião, política ou filosofia, nem que seja por apenas um mês» (editorial do jornal Hoje Macau de ontem)! Mas o governo chinês respeita, por um dia que seja, as diferenças religiosas e políticas dentro das suas fronteiras? Para assinalar os “seus” jogos olímpicos, Pequim fez uma pausa na perseguição e encarceramento de dissidentes ou de simples sacerdotes católicos que não alinham com a chamada Igreja Patriótica? Fez uma pausa no genocídio cultural do Tibete? Permitiu alguma evolução no sistema político das suas regiões administrativas especiais? Pressionou o governo sudanês sobre o desastre humanitário no Darfur? Desviou os mísseis apontados a Taiwan? Nada! Mas os oprimidos, os enclausurados, os exilados, as mães de Tiananmen, esses sim, devem respeitar o ideal olímpico e sofrer em silêncio durante umas semanitas, para que a grande máquina de propaganda do regime possa funcionar no seu esplendor e mostrar ao mundo a inexorável ascensão da nova superpotência.
O primeiríssimo princípio da Carta Olímpica, a que a China também aderiu, define que, «combinando desporto com cultura e educação, o Olimpismo procura criar um modo de vida baseado no prazer do esforço, no valor educacional do bom exemplo e no respeito pelos princípios éticos universais fundamentais». Quem quer ser anfitrião dos jogos olímpicos tem, mais do que qualquer outro participante, obrigação de cumprir este princípio, dentro e fora de campo. Se Pequim não o esquecesse, o mundo saberia reconhecer o gesto.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Lei Básica: quinze anos de vida e novamente o artigo 23

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
3 de Abril de 2008

Na passada segunda-feira, dia 31 de Março, assinalaram-se os quinze anos da promulgação da Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau pelo então Presidente da República Popular da China, Jiang Zemin. Uma vez mais, o famigerado artigo 23.º da “mini-constituição” do território veio à baila. Entre outras vozes, um professor da Academia de Ciências Sociais da Faculdade de Direito de Xangai, Huang Lai Ji, terá qualificado de «falha legal séria (...) a não regulamentação» daquele normativo, segundo declarações ao jornal Ou Mun, reproduzidas no Hoje Macau de ontem.
Fazendo uma retrospectiva da questão, é de notar que os crimes previstos na primeira parte do artigo 23.º da Lei Básica – traição à pátria, secessão, sedição, subversão e subtracção de segredos de Estado – tiveram previsão legal em Macau até à transferência de soberania, através do Código Penal de 1886, onde se encontravam integrados no Título II do Livro Segundo, «Dos crimes contra a segurança do Estado». O Decreto-Lei n.º 58/95/M, de 14 de Novembro, que aprovou o actual Código Penal do território e determinou a sua entrada em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1996, manteve a vigência daquele segmento do vetusto código até 19 de Dezembro de 1999, precisamente porque essa matéria não era tratada no novo articulado e Portugal não a quis deixar a “descoberto” enquanto exercesse a soberania sobre Macau. Por outras palavras, o legislador português não quis que, num espaço ainda sob a sua bandeira, condutas tão graves ficassem descriminalizadas; ainda para mais, num período tão sensível como os últimos anos da transição.
Em alternativa a este deixar “arrastar” de um conjunto de normas com mais de cem anos de existência, muitas das quais redigidas numa terminologia já completamente desajustada da realidade contemporânea, foi ponderada a elaboração de um diploma avulso com recurso à fórmula “crimes contra a segurança do Estado responsável pelas relações externas de Macau”, que permitiria a sua aplicação sem sobressaltos antes e depois do handover. No entanto, a intenção não terá merecido receptividade da parte chinesa no Grupo de Ligação Conjunto, à semelhança do que sucedera, aliás, em Hong Kong na fase final da administração britânica. Certamente a pensar já na regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica pelo futuro legislador local pró-Pequim, a China terá entendido que a criação de um novo quadro normativo de matriz portuguesa, ou sequer a manutenção do antigo, neste âmbito poderia funcionar com uma (indesejável) condicionante do teor da futura legislação. Por aqui se compreende que, se o ordenamento jurídico da RAEM apresenta esta «falha legal séria», a China, com a sua agenda própria e consequente inflexibilidade negocial antes do handover, deve olhar, antes de mais, para si própria quando procura apurar responsabilidades.
Como referi atrás, o mesmo problema ocorreu em Hong Kong, embora com incomparável dimensão mediática, face ao braço-de-ferro que a Administração Patten travou com a parte chinesa antes de Julho de 1997: dois anos antes da transferência de soberania do território vizinho, os ingleses submeteram à contraparte chinesa uma proposta de emenda da Crimes Ordinance, envolvendo alguns dos crimes previstos no artigo 23.º. A China recusou sistematicamente todas as propostas que lhe foram apresentadas, com a justificação de que deveria ser a futura região administrativa especial a produzir essa legislação. Chris Patten manteve a sua obstinação e acabou por enviar ao Legislative Council (LEGCO) um projecto que, no essencial, adicionava à Crimes Ordinance os crimes de secessão e subversão (ambos implicando um elemento de violência na tipologia legal, o que merecia a total oposição do lado chinês), bem como redefinia os crimes de traição e sedição para reflectir adequadamente o legado da common law neste tocante. Para os ingleses, estas alterações eram consistentes com a sua Bill of Rights, a Declaração Conjunta, a Lei Básica e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, fornecendo «uma sólida fundação a partir da qual a RAEHK terá condições para cumprir as suas obrigações resultantes do artigo 23.º da Lei Básica», segundo invocava uma nota de imprensa do Governo de Hong Kong de Novembro de 1996. O projecto passou, mas, curiosamente, o LEGCO, na sua última sessão antes do handover, acabaria por eliminar os dois novos crimes da Crimes Ordinance, devido ao receio de que a nova liderança sínica da RAEHK a eles recorresse abusivamente. Na altura, Emily Lau chegou a declarar que, com essa decisão, o LEGCO enviava «uma mensagem pública de que este tipo de crimes só são usados contra inimigos políticos e não devem existir nem existirão em Hong Kong».
Perante este contexto histórico ainda bem fresco e o mau registo da China em matéria de direitos humanos – direitos políticos, em particular –, qualquer anúncio de que a regulamentação do artigo 23.º vai avançar não pode deixar de constituir factor de preocupação. E, diferentemente do que parece sustentar Huang Lai Ji, a questão não pode ser vista essencialmente na perspectiva da lacuna legal. Bem pelo contrário: esse é o mal menor...