quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Ainda sobre os banquetes e celebrações

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
22 de Outubro de 2009

Na minha última crónica, revisitei os custos associados à cerimónia de transferência de soberania de Macau, apontando o valor de 244 milhões de patacas e reproduzindo parte de um acutilante texto de opinião que Miguel Sousa Tavares assinara sobre o assunto nas páginas do Público. Por manifesta escassez de tempo e de fontes, não fui exaustivo na abordagem, mas procurei apresentar com rigor os poucos elementos de que dispunha, como sempre tento fazer.

Não descortinei, nestes dias que, entretanto, decorreram, qualquer novo contributo de terceiros para o tema, fosse em abono ou desabono das minhas palavras, mas pareceu-me vislumbrar algures uma vaga sugestão de manipulação dos factos. Excesso de sensibilidade da minha parte, porventura. À cautela, decidi, todavia, perscrutar os meus velhos papéis com reforçado afinco, na esperança de conseguir dissipar o tom plúmbeo desses juízos.

Embora não sendo especialmente bem sucedido, o meu zelo sempre produziu alguns resultados, porquanto consegui localizar uma peça de Rui Boavida, publicada no Jornal Tribuna de Macau de 19 de Junho de 2000, onde o jornalista reproduz excertos da edição desse mês da revista Hong Kong Business.

Nesta, era relatado que Edmund Ho, «em privado, admite ser continuamente surpreendido pela chegada de novas contas» relativas ao handover. A publicação da RAEHK recordava que o orçamento oficial para todo o evento era de 35 milhões de dólares americanos – cerca de 280 milhões de patacas – e que, «de acordo com fontes da cerimónia, cada refeição oferecida durante o banquete oficial terá saído a cerca de 1500 dólares americanos»; ou seja, doze mil patacas por pessoa (o que, ao câmbio da época, coincidia, grosso modo, com os valores censurados por Miguel Sousa Tavares).

Rui Boavida acautelava, porém, que «um jornalista de Hong Kong» teria comentado ao JTM que «o grupo Communications Management [responsável pela revista em apreço] sempre manteve boas relações com as autoridades chinesas e, eventualmente, esta reportagem poderá ter origens menos claras». Mas o profissional da região vizinha acrescentara, igualmente, que «o que também é verdade é que (...) diversos membros da administração portuguesa deixaram o Território envolvidos em casos menos transparentes do que seria desejável, [o que] deixa campo aberto a diversas especulações» (segundo o JTM, o artigo da Hong Kong Business mencionava a construção do aeroporto, a constituição da Fundação Oriente e da Fundação Jorge Álvares e os monumentos erigidos em Macau nos derradeiros anos do consulado de Rocha Vieira como alguns desses exemplos).

No texto do Público que citei há uma semana (um trabalho de João Pedro Henriques, publicado em 28 de Junho de 2000), o jornalista «que orientou a área de comunicação social do Gabinete de Coordenação da Cerimónia de Transferência», Rui Isidro, confirmava o dispêndio de 244 milhões de patacas – precisamente o montante que referi –, assumindo corresponder a mais cem milhões do que os gastos de Hong Kong dois anos antes; diferença, presumivelmente, justificada pela necessidade de criação aqui de infra-estruturas que o território vizinho já possuía, como «quilómetros de cabos de fibra óptica, para as transmissões televisivas»... Quanto ao resto, este senhor corroborava todas as somas faraónicas que discriminei no meu anterior escrito, incluindo os doze milhões do “famoso” banquete e os sessenta milhões do Pavilhão Lanterna (onde decorreu a cerimónia final e que teve que ser desmantelado meses depois, por não oferecer resistência aos tufões), mas recusando que Portugal e a China tivessem convencionado qualquer limite máximo de despesas para o efeito.

Cada um que tire agora as suas ilações. No limite, até se poderá argumentar que os 244 milhões de patacas terão ficado, ainda assim, aquém dos 35 milhões de dólares americanos que a equipa do general Rocha Vieira, supostamente, orçamentara (digo «supostamente», porque não consegui confirmar esta previsão). Se isso legitima tamanha “generosidade” do erário público no momento do arrear da bandeira nacional – como em tantos outros momentos de que tenho falado –, é outra história...

PS: aproveitando, digamos assim, uma próxima ausência alargada do território por motivos profissionais e de férias, irei fazer uma pausa sabática nesta minha incursão jornalística. Foram vinte meses consecutivos a elaborar semanalmente esta coluna, com raros interregnos, e preciso de recarregar baterias. Aproveito para agradecer ao JTM, na pessoa do seu director, a amabilidade de me ter endereçado, em Fevereiro de 2008, o convite para colaborar com este jornal. Foi uma experiência deveras estimulante!
Continuarei a acompanhar a vida de Macau, mas de forma descontraída e sem pressões de calendário, através do meu blogue O Protesto.
Aos leitores, o meu muito obrigado pela atenção dispensada e pelos contributos que me foram transmitindo ao longo destes vinte meses!

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a inclusão deste artigo na sua selecção de leituras da semana, bem como as simpáticas palavras relativas à despedida da minha coluna do JTM. Vamo-nos encontrando na blogosfera!

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