quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Nós em Macau

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
2 de Outubro de 2008

Li com atenção a entrevista que a presidente da Casa de Portugal em Macau (CPM), Maria Amélia António, concedeu a este jornal no início da semana. Do seu olhar atento e experiente sobre a realidade local e a comunidade portuguesa do território, retive, em particular, a seguinte frase: «é uma destruição a longo prazo esta tendência dos portugueses se remeterem a uma certa tonalidade cinzenta para não darem nas vistas». Não podia estar mais de acordo!
A verdade é que, em quase catorze anos que levo desta terra, raramente vi os portugueses aqui residentes se juntarem em número significativo na discussão e defesa dos seus problemas específicos ou, sequer, de uma qualquer importante questão local. Num rápido esforço de memória, ocorrem-me apenas duas circunstâncias: os encontros promovidos por personalidades como Leonel Alves e Rui Afonso no período final da transição, essencialmente motivados pelos receios de que a China não reconhecesse a nacionalidade portuguesa aos filhos da terra, e as sessões magnas que decorreram entre Março e Maio de 2001 com vista à constituição da CPM.
O contexto, claro, era outro: antes do handover, eram imensas as incertezas quanto à viabilidade da nossa presença em Macau a médio e longo prazo (até a curto...). Mesmo depois de aparentemente ultrapassadas algumas dúvidas, a “poeira anti-colonialista” – ou os “rituais de poder”, como lhes chamou Adriano Moreira – subsistiu durante mais algum tempo, talvez até Pequim avançar com o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa. A nossa comunidade sentiu o seu futuro ameaçado e mexeu-se. Primeiro, afluiu em massa ao auditório do consulado no dia 15 de Março de 2001; depois, continuou a comparecer em massa às sessões realizadas no ginásio da Escola Portuguesa e, finalmente, aprovou a criação da CPM na assembleia geral constituinte de 25 de Maio, no Centro de Actividades Turísticas.
Depois, já se sabe o que aconteceu: o entusiasmo (ou a preocupação?) esmoreceu e os associados da CPM deixaram de marcar presença nas assembleias gerais anuais, poupando-se para as festas de Natal e outros eventos lúdicos. Não vou discorrer novamente sobre os factores endógenos à associação que contribuíram para isso, mas, volvidos oito anos, julgo ser inegável a prevalência de um factor exógeno: a tal forma de estar cinzenta e acomodada dos portugueses em Macau, de que falava a Dra. Amélia António.
Houve um outro momento em que senti que a nossa comunidade poderia espevitar: há cinco anos e meio, quando o território participou pela primeira vez nas eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas. Não é que este órgão tivesse qualquer currículo ou visibilidade, mas esse desconhecimento até parecia produzir em nós um efeito inverso ao que seria expectável, alimentando-nos a ilusão de que poderia estabelecer a tal ponte que faltava – e continua a faltar – entre o Macau português e a pátria distante, de vistas curtas e orelhas moucas.
Uma vez mais, a ilusão feneceu, atingida, primeiro, por um desprestigiante acto eleitoral e, depois, pela progressiva tomada de consciência da incapacidade do dito órgão para alterar o que quer que fosse no nosso fado.
Outro potencial meio de participação pública seriam os partidos políticos portugueses. Não para intervir nos assuntos internos de Macau, claro, mas para manter o Terreiro do Paço atento aos seus interesses e obrigações nesta parte do mundo. Infelizmente, também esta via não parece ter futuro entre nós, ou porque nos sentimos demasiado distantes do nosso rectângulo europeu, ou porque as tricas partidárias nacionais nos causam asco ou, simplesmente, porque receamos que os chineses não vejam com bons olhos a nossa coloração política. Vindo aí a famigerada regulamentação do artigo 23.º da Lei Básica, pior será ainda...
E, assim, chegamos ao ponto actual de que fala, com justificada preocupação, a presidente da CPM (que me parece ter a natureza conciliadora de que esta instituição tanto necessita). Temos associações de matriz portuguesa que parecem existir apenas para prosseguir os interesses pessoais de um pequeno grupo de dirigentes e amigos (ou, pior ainda, que não fazem nem deixam fazer nada); outras que se restringem a actividades recreativas, desportivas e culturais; e outras que até têm uma relevante componente assistencial, mas não estão vocacionais para debater e acompanhar os problemas globais da comunidade portuguesa enquanto tal, nem parecem estar nisso interessadas. E temos a ATFPM, mas que não é exactamente o que eu chamaria de “associação de matriz portuguesa”, sem qualquer desprimor. Não é, porque não é especificamente esse o seu universo. Tal como não o é a Associação dos Advogados (e ser assim vista só poderia ser fonte de problemas para ela e para a comunidade jurídica portuguesa).
A somar a tudo isto, temos um consulado com poucos meios para fazer mais do que assegurar o seu expediente normal, um IPOR com os problemas que todos conhecemos, uma Escola Portuguesa que ainda não conseguiu assentar, uma Fundação Oriente cada vez menos oriental (tirando o museu) e mais o quê? Acho que só sobramos nós, as pessoas. Orgulhosamente isolados, cada um a pensar nas patacas, no câmbio, na reforma, na casa para pagar em Portugal, nas propinas dos filhos que estudam lá fora, nas férias, nas compras em Zuhai ou em Hong Kong, na viagem a fazer no próximo feriado. Amélia António é que tem razão: é uma destruição a longo prazo. E nem sei se será assim tão longo. Quem vai ser o próximo Chefe do Executivo?

2 comentários:

zeca afonso disse...

parabens pelo blogue! resido em macau ha pouco mais de um mes e sinto me em casa como se ja vivesse nesta terra a anos.Mas por outro lado concordo plenamente com este post.
viva macau
abraco
mika

Nuno Lima Bastos disse...

Muito obrigado e felicidades para a sua nova experiência por cá.

Com todos os defeitos que possa ter (e não há lugares perfeitos), julgo que Macau continua a ser uma terra fascinante em muitos aspectos. Só é pena que muitas das pessoas que aqui vivem (incluindo algumas com responsabilidades políticas) não se esforcem para preservar e melhorar o que esta terra tem de bom. Se a educação cívica da população fosse outra e a classe política local pusesse sempre o interesse público à frente dos seus interesses particulares, Macau poderia ser um lugar fantástico.

Um abraço.