sábado, 20 de junho de 2009

Sampaio, Rocha Vieira e a FJA

Depois de ler este curioso artigo de opinião publicado na edição de ontem do semanário O Clarim, pareceu-me interessante recordar a seguinte peça da LUSA, reproduzida no Jornal de Notícias de 28 de Junho de 2007 (os destaques no texto são meus):

Macau: Jorge Sampaio esteve contra proposta de Rocha Vieira para criação de Fundação - João Gabriel

Lisboa, 28 Junho (Lusa) - Jorge Sampaio nunca concordou com a criação da Fundação Jorge Álvares, proposta pelo último governador de Macau, general Vasco Rocha Vieira, revela João Gabriel, assessor do antigo chefe de Estado, no livro "Confidencial", hoje lançado em Lisboa.

"Desde a primeira hora, Sampaio aconselhou Rocha Vieira a não avançar, pelo menos nos termos em que a iniciativa lhe fora apresentada", salienta João Gabriel.

O ex-assessor de Sampaio refere mesmo que foi "com grande incredulidade que, em Outubro de 1999, foi encarada em Belém a vontade assumida por Rocha Vieira, e transmitida a Sampaio, que apontava no sentido de constituir uma nova Fundação".

"O Presidente que já tinha dado o tema das Fundações por encerrado foi apanhado de surpresa com esta manifestação de vontade do general, ainda para mais quando faltavam dois meses para a cerimónia de transferência", destaca.

Para João Gabriel, o facto de Rocha Vieira ter informado Sampaio da proposta de criação da Fundação a apenas dois meses da passagem de Macau para a soberania chinesa tinha um segundo sentido.

"Habitualmente é sempre assim. Deixamos para o fim os assuntos sobre os quais não estamos seguros ou que, adivinhando dificuldades, apostamos no desgaste do nosso interlocutor, tentando o assentimento gerado pelo cansaço. Mas tal não aconteceu", precisa.

Face à insistência do governador, Sampaio reiterou a sua oposição ao projecto, fundamentando com a existência de "número bastante de fundações em Macau" e por entender que o governador "deveria estar fora dessa iniciativa".

"Mas se insistisse em avançar, recomendou Sampaio, impunha-se que a Fundação que viesse a ser constituída se subordinasse a um controlo político análogo ao da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, mediante a nomeação pelo primeiro-ministro do Conselho de Administração da Fundação", para além de carecer do "acordo expresso da parte chinesa", acrescenta.

Embora Rocha Vieira tenha concordado com as observações de Jorge Sampaio, o general seguiu em frente.

"Quando a vontade nos consome não há argumentos, por mais sensatos e avisados que sejam, capazes de travar-lhe o ímpeto", escreve João Gabriel.

Apesar das reservas de Sampaio, Rocha Vieira avançou com a criação da Fundação Jorge Álvares, não sem que o antigo Presidente informasse o governador de era seu direito expressar publicamente que nada tinha a ver com o assunto.

"Sabe-se o que se seguiu, a Fundação foi constituída a 14 de Dezembro, num acto quase clandestino de que só se viria a saber pelas notícias publicadas na imprensa, em Janeiro de 2000. Até hoje continua adormecida e sem qualquer difusão do que faz e ao que se dedica", escreve João Gabriel.

O caso da Fundação Jorge Álvares foi talvez o mais importante atrito que marcou as relações entre Jorge Sampaio e Rocha Vieira, o governador de Macau que, segundo confessa João Gabriel, poderia ter sido substituído no cargo no início do mandato presidencial, em 1996.

"Sempre pensei que haveria substituição. A alternativa existia e a oportunidade estava nas mãos de Sampaio", escreve.

O "pudor de Sampaio em nomear um amigo", Magalhães e Silva, recorda João Gabriel, traduziu-se na continuidade de Rocha Vieira.

João Gabriel acredita, aliás, que Sampaio se terá arrependido de não ter trocado o governador.

"Pessoalmente, acredito que se tratou de uma decisão de que Sampaio se arrependeu alguns meses depois", salienta.

Segundo João Gabriel, o governador Rocha Vieira "não era um inocente" e "sempre se preocupou mais em salvaguardar o seu papel na História do que propriamente com o desfecho da história".

"A vaidade é legítima, mas exige seriedade e contenção. Em excesso torna-se irresponsável e perigosa", considera.

No livro, de 391 páginas, João Gabriel faz uma leitura pessoal de acontecimentos e situações que testemunhou ao longo dos dez anos em que assessorou Jorge Sampaio.

No caso de Macau, que abre o capítulo VII "A Realidade Mediática - Macau", João Gabriel revela uma situação que volta a envolver Rocha Vieira.

Trata-se do discurso que Sampaio proferiu em Macau, em 1997, numa deslocação que assinalou a sua primeira visita à China.

"Sampaio cometeu um erro. Não há dúvida", escreve, referindo-se ao caso da omissão das atrocidades indonésias em Timor-Leste, território então ocupado pela Indonésia.

João Gabriel refere-se à omissão de um dos vários parágrafos dedicados a Timor-Leste, num discurso proferido por Sampaio na Universidade de Macau.

Todavia, esclarece, a responsabilidade da omissão de Sampaio é atribuída a Rocha Vieira.

"A cedência, que houve, não foi ao Governo chinês, mas sim ao governador Rocha Vieira que nos instantes que antecederam o início da cerimónia reclamou a Sampaio a supressão daquela passagem", recorda.

Jorge Sampaio, "que sempre foi excessivamente institucionalista e benévolo da boa-fé alheia, acedeu ao pedido, partindo do princípio de que quem estava no território teria uma perspectiva mais adequada do modo e do tempo de agir".

A polémica foi alimentada pela imprensa, que interpretou a omissão de Sampaio como uma cedência aos interesses de Pequim, tendo em conta o peso regional da Indonésia.

Referindo que "há gestos que definem as pessoas", João Gabriel critica Rocha Vieira por ter preferido "ignorar a sua responsabilidade na polémica".

"Tão rápido tinha sido em outras ocasiões a falar à imprensa, preferiu, desta vez, passar entre os pingos da chuva, esquivando-se a envolver-se num caso de que fora autor moral", observa.

João Gabriel reafirma que "a culpa foi de Sampaio", mas enquadra-a na "imprudência de aceitar o pedido" de Rocha Vieira.

"A condenação, porém aos olhos da imprensa, não teve atenuantes. Nem podia, as atenuantes eram desconhecidas e assim ficaram até hoje", remata.

PS: num artigo publicado no Ponto Final de 15 de Janeiro de 2007 (também disponível aqui), pode ler-se o seguinte: «numa entrevista a este jornal, o ex-secretário-adjunto Alarcão Troni confirmou algo que, antes, era uma suspeita: os 100 milhões de patacas entregues por Stanley Ho à FJA não foram um donativo voluntário, mas uma verba paga pela STDM como contrapartida do 10.º casino». O que se chama a isto? Um nome muito feio, que me abstenho de aqui reproduzir...

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