quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Reflexões de campanha (II)

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
17 de Setembro de 2009

Estamos a escassos dias de escolher doze dos nossos representantes na Assembleia Legislativa (diria mesmo, os nossos únicos verdadeiros representantes, considerando a forma como os demais deputados e o Chefe do Executivo são apurados) e constato que diversas das listas concorrentes ao sufrágio de domingo continuam a fazer tábua rasa das instruções da Comissão dos Assuntos Eleitorais. Ainda ontem à tarde, deparei-me com um sem número de cartazes de uma das candidaturas afixados na entrada e nas montras de uma grande loja de electrodomésticos no NAPE, a curta distância das instalações do Ministério Público... Não sei se estes abusos produzem algum efeito positivo no sentido de voto dos eleitores (em mim, o resultado é precisamente o oposto), mas não deixa de me impressionar a impunidade com que estas situações se vão sucedendo dia após dia.

Depois, há os brindes e as refeições grátis. Ninguém pode quantificar ao certo o seu peso nas contas finais, mas não me esqueço do famoso candidato a uma autarquia do norte de Portugal que se dizia andar a distribuir pequenos electrodomésticos durante as suas acções de campanha. Os críticos vaticinavam que a população agiria de forma “manhosa”: ficava com as ofertas, mas não alterava o sentido do voto. Puro engano: os órgãos autárquicos mudaram mesmo de mãos! Por isso, não julgo serem de menosprezar os lamentos de alguns candidatos em relação ao potencial destes métodos, especialmente quando muitos eleitores de Macau sentem que o seu voto para nada serve, já que os deputados eleitos continuarão em minoria no parlamento e a ter pouco poder face ao Governo. Por isso, entre nada e uns mimos, que venham os mimos e o generoso candidato até pode levar o nosso voto.

Como já escrevi há quatro anos, só vejo duas formas de esta realidade mudar significativamente: com um grande investimento público na formação cívica dos cidadãos e com um forte alargamento do sufrágio directo e universal, até à sua completa generalização. Ora, estes são, precisamente, os dois esforços que o poder político em Macau teima em não fazer. Arriscamo-nos, assim, a continuar a assistir a condutas que, na prática, não diferem muito da corrupção eleitoral e a ouvir, dentro de quatro anos, o Governo argumentar que, uma vez mais, ainda não há condições para termos mais deputados eleitos directamente pelos residentes permanentes do território.

Enfim, tentando não chorar muito sobre o leite derramado, vamos, então, às opções para domingo. Tenho amigos, conhecidos e pessoas que muito prezo envolvidas em diversas listas. Porém, o dever cívico que me é solicitado cumprir não é que escolha amigos.

Reconheço bastante valor em vários candidatos colocados em posições não elegíveis; ou seja, abaixo do número dois (sendo que, na maioria dos casos, nem o número dois da lista pode ser considerado, realisticamente, elegível). Todavia, com franqueza, estes candidatos em lugares não elegíveis não aquecem nem arrefecem, já que não têm qualquer hipótese de chegar à Assembleia Legislativa. De que me serve, por exemplo, que o terceiro (ou o segundo) nome da lista “A” ou “B” seja um excelente jurista ou um excelente economista? Por muito que eu vote nessa lista, nunca o conseguirei eleger!

Algumas candidaturas têm organizado interessantes iniciativas, promovendo o debate de ideias e a sensibilização dos cidadãos para os mais diversos problemas que a todos afligem. Independentemente da votação que obtiverem daqui a dias, esse mérito já ninguém lhes tira. Mas também não é isso que vai a jogo no domingo, até porque a continuidade dessas acções não depende da obtenção de um assento parlamentar.

Do mesmo modo, não vamos eleger um governo, nem sequer a maioria dos legisladores. Daí que os programas eleitorais também não tenham, em boa verdade, grande significado. Aliás, até poderão tê-lo, mas mais pela negativa: um princípio ou uma proposta condenáveis (como a destruição do nosso património arquitectónico ou a total privatização da saúde) seriam, ou deveriam ser, motivo suficiente para a ostracização de uma candidatura. De resto, desde que não se meta uma “argolada”, os detalhes de cada programa passarão ao lado de quase todos nós.

Tudo ponderado, o que realmente me interessa é escolher pessoas que possam contribuir para um maior equilíbrio de forças dentro da Assembleia Legislativa, e entre esta e o órgão executivo (que já tem dezassete aliados garantidos no hemiciclo). Pessoas com competência, mas também com a necessária coragem e descomprometimento para fiscalizar o Governo e fazer frente aos poderes instalados na nossa sociedade. Pessoas que não confundam consensos com capitulação – porque ceder a tudo o que nos é imposto não é ser consensual, nem é promover a harmonia; é capitular. Em política, só há consensos razoáveis quando ambos os lados têm força e coragem suficientes para defender os seus valores. Tudo o resto são falsos consensos e falsas harmonias!

É isto que vai estar em causa no próximo domingo, quando pusermos o nosso carimbo no boletim de voto, e é isto que temos que sopesar quando formos decidir entre os diversos candidatos que julgamos elegíveis. Pense bem, porque o seu voto pode, afinal, ser mais importante do que pensa! E que vençam os melhores!

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