quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Olímpicos erros

Nuno Lima Bastos
4 de Setembro de 2008

1. A edição de ontem do jornal Ponto Final continha uma notícia com o seguinte subtítulo: «Pequim 2008 – Oitava missão lusa aos paralímpicos». Esta expressão, assim como a designação completa «Jogos Paralímpicos», também têm sido profusamente mencionadas nos telejornais da TDM dos últimos dias.
Ora, como tive já oportunidade de alertar no meu blogue, o termo correcto em português europeu é «para-olímpicos».
O conceituado Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, define o adjectivo «para-olímpico» como o «que diz respeito aos jogos destinados a atletas deficientes, realizados de quatro em quatro anos, após os jogos olímpicos e no mesmo local destes». Como substantivo, «para-olímpico» é o «atleta deficiente que participa nos jogos para-olímpicos».
O excelente Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que nunca me canso de recomendar aos tradutores com quem lido na minha vida profissional, esclarece mesmo que «“paralímpico” não aparece em nenhum dicionário de referência», sendo «pouco provável» a ligação do prefixo «para» com «olímpico» suprimindo o «o-» deste.
Mesmo os nossos amigos brasileiros, que tanto gostam de “dar voltas” à língua de Camões, não escrevem «paralímpico», mas «paraolímpico», fruto da sua opção pela forma não hifenizada nas palavras resultantes de prefixação (como é aqui o caso). E é também isso que resulta da aplicação das regras do controverso Acordo Ortográfico.
Pelo que consegui apurar, só Angola constituirá (infeliz) excepção, dado que parece existir um Comité Paralímpico Angolano. Resta saber se por descuido ou por convicção...

2. Ainda em matéria de erros ortográficos na área desportiva, perdi já a conta ao número de vezes que encontrei o plural dos adjectivos «júnior» e «sénior» escrito como «júniores» e «séniores». Nada mais errado! Ambas as palavras perdem o acento no plural, pelo que se escrevem «juniores» e «seniores», devendo ser pronunciadas em conformidade.

3. Outro erro crasso muito frequente – no desporto e fora dele – é redigir-se o substantivo «rubrica» com acento. Muita gente parece estar convicta da existência de duas palavras distintas, «rubrica» e «rúbrica», com diferentes significados: uma como sinónima de «assinatura abreviada»; a outra de «item», «assunto», etc. Em bom rigor, só existe «rubrica», sem acento, abarcando todos esses sentidos.

4. Não menos comum é a utilização da redundância «há n tempo atrás». Como, uma vez mais, explica o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, nas expressões «há dias», «há meses», «há algum tempo», «a simples presença do verbo “haver” dispensa qualquer palavra que venha denotar tempo decorrido». Por isso, afirmar «há cinco dias atrás» é um pleonasmo a evitar!

5. Outro erro típico: quando o Rei de Espanha se dirigiu ao anormal que governa a Venezuela, perguntou-lhe «porque não te calas» ou «por que não te calas»? Neste caso, está correcta a primeira opção, visto que «porque» surge aqui como advérbio interrogativo: «nestas orações interrogativas directas, [porque] é um advérbio, porque está ligado a um verbo» e, «como se trata de um advérbio, é só uma palavra», pode ler-se, de novo, no Ciberdúvidas.
No entanto – e aqui é que costumam surgir os problemas –, «se fosse “por que razão não te calas?”, já não seria usado um advérbio interrogativo, mas a preposição “por” e o pronome “que” (portanto, duas palavras), visto seguir-se o substantivo “razão”, tendo aqui o pronome “que” o significado de “qual”», continua o Ciberdúvidas.
Sintetizando, e pondo as coisas em linguagem simples, o habitual será utilizar-se «por que» na pergunta e «porque» na resposta. Na forma interrogativa, a excepção acontece apenas quando surge um verbo logo a seguir, caso em que a questão é colocada com o advérbio «porque».

6. Finalmente (por hoje...), a problemática da colocação do «se» reflexo: por exemplo, ainda no domingo passado, a propósito da crise política que se vive na Tailândia, ouvi uma jornalista relatar no telejornal da TDM que «quatrocentos militares foram chamados para juntarem-se às forças policiais».
Ora, ensina, ainda e sempre, o fiável Ciberdúvidas que, «sendo o “se” reflexo objecto directo do verbo, a sua posição normal, no português europeu, é enclítica (depois do verbo)». «Existem, todavia, casos em que não é aceitável, na norma culta, esta colocação», devendo, então, o pronome ser colocado em situação proclítica (antes do verbo). Sem pretensões de exaustão, avanço alguns exemplos típicos (que podem ser consultados, nomeadamente, aqui): quando o verbo é precedido de palavra negativa («nunca se lavou» ou «não se penteou»), nas orações iniciadas por pronomes ou advérbios interrogativos («quem se levantou a meio da noite?»), nas orações iniciadas por palavras exclamativas ou nas que exprimem desejo («que se vista rapidamente!» ou «Deus se compadeça dos vencidos!»), nas orações iniciadas por «quando» («quando se levantou, era noite escura») e, como adverte o corrector ortográfico do meu computador, «em geral (...), nas orações subordinadas introduzidas por preposições ou locuções preposicionais, tais como “após”, “até”, “por”, “para”, “conforme”, “ao contrário de”, “antes de”, “além de”, etc.».
Assim, está visto que a frase correcta (e que soa francamente melhor) seria «quatrocentos militares foram chamados para se juntarem às forças policiais». De acordo?

3 comentários:

Anónimo disse...

Presidente da República felicita Atletas que representarão Portugal nos Jogos Paralímpicos Pequim 2008
O Presidente da República enviou uma mensagem de felicitações à Selecção Nacional de Paralímpicos, que participam nos Jogos Paralímpicos Pequim 2008.

in http://www.presidencia.pt/?idc=18&kword=Paral%EDmpico

Nuno Lima Bastos disse...

Obrigado pela sua mensagem, mas o endereço que indicou não parece funcionar. Em todo o caso, irei voltar com mais pormenor a este assunto na minha crónica do JTM desta semana.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Ainda sobre o "porque" e o "por que":

http://embomportugues.blogs.sapo.pt/tag/porque+ou+por+que