sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Paralímpico, para-olímpico ou paraolímpico?

Porque a questão continua a dar muito que falar, reproduzo aqui o parecer da Associação de Informação Terminológica, que perfilha a opção resultante da aplicação do Acordo Ortográfico («paraolímpico») e rejeita liminarmente «paralímpico»:

Tendo sido solicitado, pelo Instituto do Desporto de Portugal, o parecer da Associação de Informação Terminológica, AiT, relativamente à forma de grafar o termo paralímpico / para-olímpico / paraolímpico, atestou-se o seguinte:

1. Paralímpico / para-olímpico / paraolímpico pode corresponder em português seja a um adjectivo, tal como em “Comité Paraolímpico Português”, seja a um nome, usado, nesse caso, no plural, tal como “os Paraolímpicos” em vez de “os Jogos Paraolímpicos”.

Paralímpico ou paraolímpico / para-olímpico?

2. Em português, o termo em questão resulta de um empréstimo do termo inglês paralympics (nome), do qual se terá construído também nessa língua um adjectivo, paralympic. De acordo com o Oxford English Dictionary, paralympics constitui uma amálgama, tendo sido construído com base no cruzamento de para(plegic) + (o)lympics. O termo tem, portanto, na sua origem a forma paralympics.

3. Ao serem integradas em português (e noutras línguas), as palavras provenientes de outras línguas sofrem sempre adaptações, que podem ser conscientes ou inconscientes, e que podem consistir na simples alteração fonética da palavra, ou na sua adaptação morfológica, entre outras. Especialmente quando as palavras importadas de outras línguas constituem termos científicos e/ou técnicos, esses termos deveriam ser sempre alvo de intervenção consciente de alguma(s) entidade(s), de modo a não introduzir na língua termos que sejam violadores da sua estrutura (nomeadamente, morfológica) e que, por isso mesmo, sejam opacos para os seus utilizadores. A busca da transparência deve, portanto, nortear todos aqueles que intervêm na integração consciente de empréstimos e na neologia planificada.

4. Apesar de o processo de amalgamação não ser um processo muito produtivo ao longo da história da língua portuguesa, a verdade é que, nos últimos anos, tem surgido nesta língua um número crescente de amálgamas, mesmo em terminologias científicas e técnicas, resultantes, sobretudo, da importação de outras línguas, de termos construídos por este processo mas também de construção autóctone. Embora não existam muitos estudos sobre este processo de construção de palavras para a língua portuguesa, é possível, no entanto, detectar algumas tendências: a amálgama pode ser construída não apenas com sílabas iniciais da primeira palavra e sílabas finais da segunda (ex.: infor(mação) + (auto)mática), mas também com sílabas iniciais da primeira palavra que se juntam à segunda palavra, que mantém a sua integridade (ex.: tele(fone) + móvel ou info(rmação) + alfabetização). Será mais consentâneo com a estrutura da língua portuguesa, portanto, que o termo em causa mantenha a vogal inicial o da palavra olímpico.

5. Apesar de se ter verificado que a forma paralímpico tem uma frequência de uso mais elevada do que o termo paraolímpico (numa consulta a páginas portuguesas de Internet por meio do motor de pesquisa Google, realizada em 19 de Janeiro de 2005, a forma paralímpico surgiu 6 050 vezes contra 246 da forma paraolímpico), a verdade é que paraolímpico se encontra já consagrado pela legislação portuguesa, no acto de nomear oficialmente o Comité Paraolímpico Português, facto que não pode deixar de ser tomado em consideração.

6. Dado o que foi dito em 3., do ponto de vista linguístico, a forma paralímpico é violadora da estrutura do português, não sendo transparente, pelo que se preconiza a sua substituição por uma forma em que a palavra olímpico mantenha a sua integridade. Além disso, no ponto 4., demonstrou-se que a forma paralímpico é também violadora daquilo que já se encontra consagrado na Lei Portuguesa.

Por tudo isto, desaconselha-se vivamente o uso da forma paralímpico em documentação oficial e em discurso formal escrito de grande visibilidade.

Para-olímpico ou paraolímpico?

7. Para defender o emprego do hífen na forma paraolímpico, poderá argumentar que, tendo em conta o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, se preconiza o uso do hífen “nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica e mantêm acento próprio, podendo dar-se o caso de o primeiro elemento estar reduzido” (Base XV). Terá sido essa a razão que levou o lexicógrafo a grafar para-olímpico no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (vulgo, Dicionário da Academia).

8. Dois argumentos, no entanto, podem ser aduzidos contra esta posição:

a) Em primeiro lugar, nos casos apresentados nessa Base XV, todos os pretensos exemplos de formas reduzidas da primeira palavra são elementos acentuados graficamente (és-sueste) ou elementos que terminam em vogal de ligação o (aberto), a saber, afro-asiático, afro-luso-brasileiro, luso-brasileiro e primo-infeção; ora, tendo em atenção que o elemento para-, resultante da truncação de paraplégico, apresenta acento secundário em relação a olímpico, além de que não apresenta qualquer vogal de ligação, o (aberto) ou i, poder-se-á argumentar que este elemento não é da mesma natureza daqueles que figuram como exemplos na Base XV do Acordo e que, por isso, a obrigatoriedade do uso do hífen no termo em apreço não é clara;

b) Em segundo lugar, ainda seguindo o texto do Acordo, o elemento para- pode também ser classificado como um “elemento não autónomo ou falso prefixo, de origem grega e latina” (Base XVI), não sendo necessário, neste caso, o emprego do hífen em paraolímpico.

9. Dado o facto de o termo paraolímpico vir a ter grande notoriedade e fazer parte de diferentes denominações de organismos oficiais com grande visibilidade, é legítimo que, dada a alternativa, se defenda o emprego de uma forma que, sendo gramatical e transparente (como ficou demonstrado na primeira parte deste parecer), seja mais curta e de aspecto gráfico mais simples, pelo que se justifica a grafia do termo sem hífen. Se aos argumentos apresentados em 8., acrescentarmos, então, os factores sociolinguístico e pragmático, verificamos que a forma paraolímpico é preferível à forma equivalente com hífen.

Por tudo o que se apresentou, a AiT recomenda que a forma desejável para grafar o termo em análise é, sem margem para dúvidas, a forma paraolímpico.

Margarita Correia
Janeiro de 2005

PS: pessoalmente, prefiro a orientação da Academia das Ciências de Lisboa no sentido de se dever escrever «para-olímpico». Seja como for, numa coisa estamos todos de acordo: «paralímpico», nunca!

6 comentários:

Anónimo disse...

Excelente esclarecimento, sobretudo quando temos as ruas inundadas de faixas mal escritas

Anónimo disse...

Todos de acordo é como quem diz... A mim ainda não me convenceram.

Já agora uma pergunta, e fico grato se me responder, uma vez que não possuo o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa: não é esse dicionário que inclui a palavra "stresse"?

Nuno Lima Bastos disse...

Quando escrevi «estamos todos de acordo», referia-me, naturalmente, aos que defendem e fundamentam a utilização exclusiva de «para-olímpico» ou «paraolímpico»: podemos discordar quanto ao uso do hífen, mas estamos de acordo que «paralímpico» não faz qualquer sentido à luz das regras da língua portuguesa.

Logo que possa consultar o dicionário, responderei, com todo o gosto, à sua questão.

Cumprimentos.

Nuno Lima Bastos disse...

Respondendo à pergunta do anónimo da 1h34, confirma-se que esse dicionário inclui a palavra stresse (bem como o original stress), referindo-se a ela na introdução como fazendo parte dos «estrangeirismos ou neologismo externos», ou seja, «vocábulos importados das línguas modernas e ainda hoje sentidos como tal». Dentro destes, inclui-a no grupo dos vocábulos «na sua forma de origem, mas com remissão para a forma aportuguesada ou semiaportuguesada proposta, por vezes já usada por alguns autores» e «que o uso implantou».
Quanto ao termo «paralímpico», nem por esta via é admitido...

Anónimo disse...

Obrigado por se ter dado ao trabalho. Bem me parecia que era esse o dicionário. Seja como for, descobri que o da Porto Editora também inclui "stresse", "stique" ou "stoque". E isto, sim, é uma aberração bem menos aceitável do que "paralímpico". "Paralímpico" também não é a minha opção preferida, simplesmente não vejo por que tenha de estar errada. Já "stresse"... Desde quando é que há na língua portuguesa palavras começadas com st-? Pelo menos, "paralímpico" não viola as regras ortográficas do Português. "Stresse", sim, viola-as grosseiramente. Não acha, caro Nuno Lima Bastos?

Nuno Lima Bastos disse...

Se há palavras começadas com st- na língua portuguesa? E «stop»? O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea tem mais de vinte... Mas é verdade que são quase todas anglicismos.
Pessoalmente, prefiro escrever «stress» em itálico, continuando a tratá-lo como uma palavra estrangeira, mas a descrição que o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa faz destes vocábulos parece-me bastante acertada: «vocábulos importados das línguas modernas e ainda hoje sentidos como tal», mas «que o uso implantou» entre nós. Não é isso que acontece com «stress», «stop», «striptease», «stock», «stick», «staff» ou «standard» (embora eu prefira «padrão»)?

O problema com «paralímpico» é que é uma aberração na própria língua onde surgiu. Não será por acaso que diversas entidades oficiais inglesas preferem escrever «paraolympics» ou até «para-olympics» (tenciono escrever uma posta sobre isto no fim-de-semana). Enfim, «paralympics» talvez não soe mal para os ingleses, mas «paralímpicos» soa-me muito mal!

Cumprimentos!