quinta-feira, 25 de junho de 2009

Declaração suína

Em cumprimento de uma recomendação dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP), os diversos organismos da Administração de Macau estão a emitir ordens de serviço exigindo aos seus trabalhadores que preencham a declaração acima sempre que se desloquem ao exterior, ainda que só por algumas horas, e a entreguem às respectivas chefias.

Como se pode ver, as informações solicitadas incluem detalhes como as horas de partida e de chegada ao território, e até - pasme-se - o motivo da deslocação! Francamente, gostaria que me explicassem o que é que isto tem a ver com a prevenção da gripe suína. Só se for para saberem se o trabalhador vai estar exposto a grandes ajuntamentos populares (espectáculos ou feiras, por exemplo), mas, nesse caso, bastava pedirem que declarasse essas situações, não todo e qualquer motivo de deslocação.

Além disso, se já há um controlo feito pelas autoridades sanitárias competentes à entrada em Macau, que inclui a medição da temperatura corporal e o preenchimento de um formulário próprio, para quê duplicar esse controlo dos movimentos dos cidadãos? Em termos de prevenção da doença, qual o efeito útil da entrega dessa informação às entidades patronais?

Parece-me haver aqui uma nítida e escusada violação do princípio da reserva da intimidade da vida privada do trabalhador, protegido pelo artigo 8.º da nossa «Lei das relações de trabalho» (Lei n.º 7/2008), com a agravante de ser feita por mera ordem de serviço, quando qualquer restrição deste nível teria que ser operada por acto legislativo ou estar nele prevista.

Continuamos a caminhar em areias movediças... Com a aprovação da nova lei do combate à criminalidade informática, são dois passos na direcção errada em menos de uma semana...

Adenda: fui, entretanto, alertado para a possibilidade de a «Lei de prevenção, controlo e tratamento de doenças transmissíveis» (Lei n.º 2/2004) dar suficiente cobertura legal à recomendação dos SAFP atrás referida e às ordens de serviço correspondentemente emitidas, mas consultei o diploma e, salvo melhor opinião, em momento nenhum se permite ali que as entidades patronais (incluindo as do sector público) façam aos seus trabalhadores as exigências específicas ora em causa.

Há, com efeito, um dever genérico de colaboração das pessoas e entidades públicas ou privadas «com as entidades competentes», mas, obviamente, «nos termos legais» (artigo 3.º) e obedecendo «aos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação aos objectivos propostos» (artigo 4.º).

Além disso, as declarações previstas no articulado reportam-se exclusivamente ao estado de saúde das pessoas e são exigíveis apenas à entrada na RAEM (artigo 10.º) ou quando há «conhecimento de pessoas infectadas ou suspeitas de terem contraído doença transmissível» (artigo 13.º).

8 comentários:

Anónimo disse...

Com a agravante de violar de forma ignorante e flagrante o artigo 30 da Lei Basica: “Aos residentes de Macau são reconhecidos o direito ao bom nome e reputação e O DIREITO À RESERVA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA E FAMILIAR”.
Enfim....[suspiro]

E.T.X.

Anónimo disse...

Apoiado. É uma violação da lei e do direito. É uma declaração suína.

Anónimo disse...

Incorrigíveis. Imparáveis. Obtusos. Inenarráveis. Inimputáveis? Força no blogue.

Anónimo disse...

PIDESCO!!!!

Anónimo disse...

É incrível. Há que parar estas coisas.

PS Então que me diz das listas falantes de português?

Anónimo disse...

É evidentemente uma violação do fundamental direito à privacidade e uma demonstração de uma filosofia protoestalinista-marxista da supremacia do colectivo sobre sobre o indivíduo. NLB continue no seu Blog a apontar estas críticas.

Anónimo disse...

Vergonha. É isso, vergonha. Ou falta dela.

Nuno Lima Bastos disse...

Obrigado pelos contributos!

Quanto à questão das "listas falantes de português", já emiti uma opinião preliminar ao "Ponto Final" desta sexta-feira. Entretanto, gostaria de saber mais sobre os respectivos programas e de ouvir algumas intervenções públicas dos candidatos antes de me pronunciar com mais detalhe sobre o assunto. E também muito gostaria de ouvir as opiniões dos leitores do blogue, claro.