Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
8 de Maio de 2008
Na sequência das questões que aqui suscitei há uma semana sobre a (assumida) monitorização da Internet pelas autoridades locais, acabo de ouvir, no telejornal da TDM, o director dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT) a afirmar que a Polícia Judiciária tinha competência para fazer o que fez e a CTM o dever de com ela colaborar, acrescentando que as pessoas são responsáveis pela sua conduta tanto na vida real, como na virtual.
Parece, pois, confirmar-se que foi a CTM a fonte do endereço IP do mentor do “furto virtual” da tocha olímpica. Tirando isto, não fiquei mais esclarecido do que há uma semana. Fiquei, sim, mais preocupado, particularmente ao ver a ligeireza com que a nossa autoridade das telecomunicações aborda este assunto.
Note-se que não está em causa que a polícia investigue se um crime foi praticado ou se alguém instigou publicamente a sua prática (embora seja quase caricato qualificar desta forma a conduta do cibernauta brincalhão). A questão é que a investigação criminal obedece a regras precisas, que não devem bulir indevida e desnecessariamente com a privacidade e demais direitos dos cidadãos. Ora, perante o que aconteceu e as declarações do dirigente da DSRT, reitero as minhas dúvidas, a saber:
1) Quando a polícia divulga que anda «a monitorizar directamente a Internet», dá a entender que o faz a título preventivo; isto é, que a “rede” já estava sob observação antes mesmo de ter surgido o “incidente” do facho. Ora, uma coisa é irem ao Google ou a outro motor de busca qualquer e fazerem pesquisas por palavras-chave, para localizar alguma informação polémica. Isso, qualquer um de nós consegue fazer... Coisa completamente diferente é interceptarem comunicações ou invadirem conteúdos reservados sem a devida autorização de quem de direito: os autores dessas comunicações, os titulares desses conteúdos ou uma autoridade judiciária (e nem a PSP nem a PJ o são), no âmbito de uma investigação. Neste tocante, continuo exactamente na mesma escuridão de há oito dias: que informações andam a obter, sobre quem, através de quem (ok, da CTM. Só?) e como?
2) Quando o próprio director da tutela das telecomunicações resume o papel da CTM nisto tudo ao dever de colaborar tout court com as autoridades, fica a sensação de que é só pedir e levar... Sucede que, por enquanto, Macau ainda não é uma república das bananas ou um território totalitário. Há regras e o poder está sujeito ao princípio da legalidade na sua actuação. Não vou repetir aqui todo o quadro legal que invoquei na minha última crónica, apenas recordando que inclui a proibição de «toda a ingerência das autoridades públicas nas comunicações postais e nas telecomunicações», salvo os casos expressamente previstos na lei (artigo 4.º da Lei n.º 16/92/M, de 28 de Setembro). E reforço o que então escrevi com esta passagem da Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 8/2005, de 22 de Agosto): «o tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou repressão de uma infracção determinada (...)» (artigo 8.º, n.º 3 - negritos meus). Aceder em abstracto aos nossos dados pessoais é que não, até porque os dotes de predestinação do crime ainda não passaram do argumento do filme Minority Report para a realidade de Macau.
Mas há mais. É só dar uma leitura no Código de Processo Penal (CPP): «o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação» (artigo 245.º); «a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal», que «actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional» (artigo 246.º); «durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar (...) buscas domiciliárias (...), apreensões de correspondência (...), intercepções ou gravações de conversações ou comunicações telefónicas» (artigo 251.º. Sendo o CPP de 1997, ainda não referia especificamente as comunicações via Internet). Há actos de inquérito que o Ministério Público pode delegar em órgãos de polícia criminal, mas tem que proceder formalmente a essa delegação.
Também aqui, continuo, assim, na mesma. Afinal, como é que as autoridades solicitam às operadoras de telecomunicações do território os dados pessoais dos seus clientes (leia-se, que procedimentos legais é que utilizam)? CTM, DRST, GPDP (Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais), PSP, PJ, MP, seja quem for, importam-se de me esclarecer sem verbalismos ocos? Ou terei que me queixar (mas não anonimamente) ao CCAC?
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Ainda à volta da Internet
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2 comentários:
É bem verdade o que aqui se questiona. Substanciada, legítima e proporcionada a meada de interrogações colocadas. Repito: interrogações. Como se consabe, nestas coisas não basta sê-lo, é preciso também parecê-lo como se apontava à augusta mulher de César. Isto significa pois que merecemos, todos nós cidadãos de Macau, uma resposta cabal; e de quem é competente. Afinal, o deambular enebriado «adissidente» daquele senhor director ou coisa parecida, não só não provem de onde deve como, como se costuma dizer, para dizer o que disse mais valia estar calado. Não esclareceu, não tranquilizou, não acertou, enfim, só ajudou a descredibilizar todo o polémico processo. Pelo contrário, alarmou e provocou esgares de rizota (não fosso o assunto sério. Ou, à futebol, meteu uns golitos p.b.
Parabéns Nuno Lima Bastos pelo tema. Esteja este manchado ou não de nódoas de ilegalidade, paternalismo, «fobiadissensismo». É preciso e é saudável ao segundo sistema discutir, apresentar opiniões, fazer sugestões mesmo que em temas incómodos e professando opiniões não absolutamente convenientes.
PS Este comentário de passada segue em «Anónimo» ainda que tal possa ou não, afinal, pouco significar quanto à privacidade dos meus dados pessoais.
Obrigado pelo incentivo e pelo contributo para a discussão deste tema. Preocupa-me que isto morra sem que a situação seja esclarecida. Há dias, foi a tocha; daqui a um mês, será o quê?
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