Um amigo profissional do foro, com muita experiência em processos-crime, transmitiu-me a seguinte opinião técnica ("apressada", nas suas palavras) sobre o tema que ocupou as minhas duas últimas crónicas no Jornal Tribuna de Macau (por questões gráficas, editei ligeiramente a apresentação do texto recebido):
«Sou da opinião que o acesso ao conteúdo das telecomunicações por parte das autoridades de investigação criminal exige a decisão fundamentada de um juiz de instrução para a apreensão, o que pressupõe processo pendente e as necessárias suspeitas para a abertura anterior do processo. Nada de prevenção policial, que é figura estranha aos conceitos jurídico-processuais.
Sou da opinião que essa exigência não se estende à identidade de quem comunica, salvo se essa identidade fizer parte do próprio conteúdo da comunicação. Isto é, a título de exemplo, o polícia pode ver o envelope e ler a identidade do destinatário e do remetente, mas não pode abrir a carta e ler o conteúdo (mutatis mutandis para as comunicações na net). Mas tem de fazê-lo com razões para isso e não para satisfação da sua curiosidade. E, se isso implicar apreensão da carta, só com decisão do juiz de instrução. De contrário, se se aceder ao conteúdo, haverá crime; portanto, responsabilidade criminal, civil e disciplinar e nulidade da prova assim obtida, a qual não poderá ser valorada. Se se aceder à identidade sem fundamento, não haverá crime, mas só as outras duas formas de responsabilidade, e a prova obtida será nula. Quem colaborar indevidamente com a polícia pode ainda ter responsabilidade contratual.
Em síntese, o nível de suspeita é que determina o regime:
1) Eu envio um email - ninguém pode ter acesso ao seu conteúdo, nem à identidade dos comunicantes;
2) Há razões para pensar que somos imigrantes ilegais ou que temos comportamentos marginais - pode saber-se a nossa identidade, mas não o que dizemos. Mas com meios que não recorram a nada ofensivo de qualquer direito individual, como entrada em casa, no nosso computador, etc.;
3) Há razões para pensar que o email se destina a combinar um assalto - pode ter-se acesso ao conteúdo e à identidade. Mas só no processo penal respectivo e com decisão.
O problema é que não há qualquer processo na situação 2) e, aí, os abuso policiais são dificilmente controláveis.»
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