sábado, 31 de maio de 2008

A selecção nacional rumo ao Euro 2008

A selecção nacional de futebol disputa hoje o seu último jogo-treino antes de partir para a Suíça, onde iniciará a participação no Campeonato da Europa dentro de uma semana, contra a Turquia.

O jogo de hoje é contra a Geórgia, às 18h15 de Portugal, e pode ser televisionado em directo em Macau através da RTPi (na hora local, é à 1h15 da madrugada de domingo).

Dentro de uma semana, vão começar as habituais noitadas por estes lados... Ser adepto de futebol em Macau é duro!

O candidato

Em dia eleitoral no PSD (para escolha do presidente da comissão política nacional e dos delegados ao próximo congresso do partido), aqui fica esta velhinha, mas sempre engraçada, sátira aos políticos. Ou será aos eleitores?

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Maleitas do subsídio

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
29 de Maio de 2008

Ouvi no telejornal de segunda-feira passada que tinham duplicado os pedidos de atribuição de bilhete de identidade de residente de Macau (BIRM) desde que o Governo anunciou que ia distribuir um subsídio de três ou cinco mil patacas a todos os residentes do território. Os Serviços de Identificação já tiveram que alargar o seu horário de funcionamento e os bancos também se preparam para um previsível aumento de solicitações de abertura de conta, ainda que só os funcionários públicos, os bolseiros do ensino superior e os beneficiários do Instituto de Acção Social vão receber o dinheiro por transferência bancária (os demais contemplados vão ter um cheque na sua caixa de correio).
Interpelado pela câmara da TDM quando tratava do seu BIRM, um cidadão chinês natural de Macau, mas a residir em Hong Kong há vinte anos, afirmou com a maior das descontracções que o Governo «está a desperdiçar dinheiro e eu regressei para reclamar os meus direitos». Falaram-me, também, de compatriotas nossos há muito regressados a Portugal que estarão a programar vindas ao território em Julho, para receberem as suas patacas. O subsídio servirá, nestes casos, para custear boa parte de umas simpáticas férias na terra onde em tempos trabalharam.
Eis, a meu ver, dois exemplos bem elucidativos da necessidade de o Governo ter balizado os alvos desta singular medida. O mínimo que se justificava era que só quem aqui se encontrasse presentemente a viver ou estivesse ausente apenas a título temporário (por exemplo, por motivo de estudos) deveria ter direito ao subsídio. Afinal, que sentido faz uma pessoa que já não habita em Macau há vinte anos ser abrangida por esta benesse? Nenhum! Não entra para as estatísticas dos desfavorecidos locais, não contribui com o seu trabalho, investimento ou aforro para a economia da região e, provavelmente, não vai aqui gastar o dinheiro (ao menos, não contribuirá para o aumento da inflação, também é verdade...), pelo que lhe entregar algumas notas de mil é, de facto, delapidar o erário público. Pense-se na diferença que os milhões de patacas que vão ser desbaratados desta forma fariam para tantas famílias de Macau! E não me venham dizer que posso dar o exemplo e abdicar do meu subsídio, porque não seria esse meu gesto que levaria qualquer desses cidadãos ausentes a prescindir do descabido bónus.
Por outro lado, tenho ouvido diversas mães – algumas delas, solteiras ou divorciadas – a se queixarem de que os filhos já reivindicaram o direito a fazer o que quiserem da sua quota-parte da maquia que vai entrar lá em casa. A pensar nisto, o Governo anunciou agora que os menores de dezoito anos só poderão aceder ao dinheiro através dos progenitores, mas não me é difícil imaginar as cenas de “pressão psicológica” que vão ocorrer em muitos lares por parte de adolescentes desejosos de comprar o novo modelo de telemóvel, leitor de MP3 ou consola de jogos. Quase que apostaria que vamos assistir a grandes campanhas de produtos do género no comércio local durante os meses de Verão... Mais uma vez, abdicar do meu subsídio não ia ajudar a resolver este problema.
É claro que o Governo está a braços com um dilema sem aparente solução: se recua e decide restringir os beneficiários, está a corroborar as acusações de que tomou uma medida precipitada, fruto da proximidade do Primeiro de Maio e da passagem da tocha olímpica por Macau; se mantém o universalismo da decisão, poupa, talvez, em custos administrativos, mas comete injustiças flagrantíssimas e esbanja recursos públicos. E poderia continuar: se arrepia caminho, caem-lhe em cima todos os que têm incorrido em encargos para regressar ao território e regularizar os seus documentos de identificação, assim como quaisquer outros excluídos que não tenham especiais problemas de pudor; se não se desvia da rota já traçada, perde legitimidade para invocar de futuro o habitual argumento da necessidade de melhor ponderar a despesa pública antes de atender a outras situações de grave carência (como quando diz que é necessário encomendar primeiro um estudo a um consultor internacional). Que venha o diabo e escolha...

Jorge Pedreira no 10 de Junho

O Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, regressa a Macau para representar o Governo Português no próximo 10 de Junho, depois de já ter desempenhado esse papel há dois anos.

Como José Sócrates não enviou ninguém ao território no último Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Jorge Pedreira acaba por fazer duas representações consecutivas, o que deve ser feito inédito.

Pelo menos, não tem desculpa para cometer nenhuma das habituais gaffes dos dirigentes lusitanos quando cá vêm, como chamar a Macau uma «região autónoma» (é o efeito da Madeira e Açores), a Edmund Ho «primeiro-ministro» ou aos membros da sua equipa «secretários de estado» ou «secretários-adjuntos» (isso era antes do handover)...

Actualização em 30 de Maio: segundo uma peça assinada por João Paulo Meneses no Ponto Final de hoje, o gabinete da Ministra da Educação desmente que Jorge Pedreira seja o representante do Governo Português nas próximas comemorações do 10 de Junho em Macau. Tenho que ter uma conversa séria com o meu amigo José Costa Santos, da Lusa...

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Errata no JTM

A edição de hoje do Jornal Tribuna de Macau contém uma errata na notícia sobre divergências entre os militantes do PSD-Macau em relação ao processo eleitoral do próximo sábado: no segundo parágrafo, pode ler-se que «foi através de uma convocatória enviada a todos os militantes que o secretário-geral do partido, José Ribau Esteves, deu conta da hora e do local das eleições».

Ora, como referi na minha crónica da semana passada naquele jornal (também disponível aqui no blogue), o que Ribau Esteves endereçou aos militantes da emigração foi uma carta a relembrar que também estes careciam de pagar as quotas para poderem exercer o seu direito de voto no dia 31 deste mês.

A hora e o local das eleições constam, isso sim, de uma convocatória que apenas foi publicada no Povo Livre, como aqui protestei na sexta-feira passada. Os militantes não receberam essa informação.

Fica o esclarecimento!

Quanto às declarações do actual responsável do PSD-Macau na peça do JTM de hoje, limita-se a passar a mesma cassete de sempre: «foi tudo feito dentro do regulamento»...

Actualização em 29 de Maio: «o JTM errou», pode ler-se na sua edição deste dia.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Museu do Oriente

Como se sabe, foi recentemente inaugurado em Lisboa o Museu do Oriente (a 9 deste mês). Uma pessoa amiga enviou-me um prospecto com a programação daquele novo espaço cultural para os seus dois primeiros meses de funcionamento. Além de uma breve menção a uma visita dos alunos do Colégio Guadalupe ao «núcleo de Macau», a única referência ao território que deu origem à Fundação Oriente é o anúncio da presença ali, durante três dias, do adivinho Loi Leong Kowk, «figura típica e disputada no Largo do Leal Senado, em Macau». E conclui com o apelo: «não perca a oportunidade de conhecer o que o futuro lhe reserva nas palavras de um genuíno adivinho macaense». Acho que o futuro não reserva grandes ligações entre o território e a fundação...

Mil acessos

Exactamente um mês e meio após o seu lançamento, a 12 de Abril passado, O Protesto acaba de atingir mil acessos. Muito obrigado pelo vosso interesse! Voltem sempre!

segunda-feira, 26 de maio de 2008

E a ATFPM continua monolingue...

Depois do post scriptum que deixei na minha crónica jornalística da semana passada, ocorreu-me que a ATFPM viesse esclarecer qualquer coisa: que o seu sítio na Internet tinha, afinal, versão portuguesa e eu é que a não havia encontrado; que a versão portuguesa estava under construction; enfim, qualquer coisa...

Mas não: nem bilinguismo, nem esclarecimento! Por agora, não temos sequer acesso ao nome português dos membros dos órgãos sociais desta associação, cujo presidente reiteradamente se apresenta como o representante da comunidade portuguesa de Macau (v.g., quando se queixou de não ter sido convidado para transportar a tocha olímpica pelas ruas da cidade).

Luís Vaz de Camões deve estar às voltas no túmulo...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

A discreta convocatória...

Acabo de encontrar na última edição electrónica do Povo Livre, o jornal oficial do Partido Social Democrata, as convocatórias para as eleições de 31 de Maio, de onde sairão o novo Presidente da Comissão Política Nacional e os delegados ao XXXI Congresso Nacional do partido, a realizar em Guimarães entre 20 e 22 de Junho.

Em Macau, a urna será colocada no Edifício Keng Ou, 10.º C-D, na Avenida da Praia Grande, n.º 369, estando aberta das 10h00 às 17h00.

É uma informação que aqui deixo a todos os interessados, uma vez que desconheço se a convocatória vai ser enviada por correio aos militantes locais (bem sei que os estatutos do partido a isso não obrigam, mas foi uma prática seguida no território durante muitos anos, dado que não andamos todos propriamente à procura de convocatórias na Internet todos os dias...).

Flibusteiros!

A Tiger Airways, transportadora aérea low cost de Singapura que voa para Macau, continua a não aceitar cartões de crédito emitidos no território. Ora, como os seus bilhetes só podem ser adquiridos através da Internet, torna-se necessário aos residentes de Macau recorrer a cartões emitidos no exterior. Foi isso que fiz há pouco tempo, pagando uma viagem à cidade-estado com um cartão de crédito da Caixa Geral de Depósitos.

Resultado: o banco público português cobrou ao titular do cartão 5,7 euros a título de «comissão de compras fora da zona euro»! Mas isto lembra ao diabo? Então uma das principais características dos cartões de crédito não é poderem ser utilizados indiferenciadamente em qualquer parte do mundo? Quer dizer, além da comissão percentual que cobram ao vendedor do bem ou serviço e da anuidade que cobram ao titular do cartão, agora também cobram uma comissão em função do país onde a transacção é efectuada?

Com tanta imaginação, não é de surpreender que a banca portuguesa continue a gerar lucros astronómicos quando o resto da economia nacional se arrasta em profunda crise...

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Esquecimentos...

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
22 de Maio de 2008

Com a aproximação das eleições directas para a liderança do PSD nacional, a 31 deste mês, o Secretário-Geral do partido, José Ribau Esteves, resolveu enviar uma cartinha aos militantes da diáspora, recordando-lhes que também tinham que pagar quotas para poderem votar.
Eu bem que insisti nisto aquando das últimas eleições para a secção “laranja” local, por muito que alguns “chicos-espertos” jurassem o contrário, procurando assim justificar os seus lapsos (ou a sua incompetência, é como preferirem)... Aliás, o mentor e organizador desse sufrágio, o nosso bem conhecido José Cesário, esteve envolvido numa confusão semelhante pouco tempo volvido, por ocasião das directas vencidas por Luís Filipe Menezes, com este jocosamente a referir que «uma recôndita cidade da Amazónia de que nunca ninguém ouviu falar tem duzentos militantes do PSD. Devem ser os índios yanomani, com certeza» (notícia da Agência Lusa de 27 de Setembro passado). José Cesário veio depois esclarecer que, afinal, havia era 22 “laranjas” em condições de votar na cidade de Maringá, Estado do Paraná, acrescentando que esses emigrantes o podiam fazer porque «têm as quotas pagas e pertencem ao PSD há mais de seis meses». Pelos vistos, só quando vem a Macau é que o digníssimo representante da Nação se esquece dos regulamentos do partido...
Enfim, adiante. Constou-me que a missiva de Ribau Esteves estava a despertar mais crises de memória no território. Com efeito, depois do fenómeno mobilizador que foi a inscrição de 31 funcionários consulares e parentes no PSD-Macau em apenas ano e meio (entre Janeiro de 2006 e o sufrágio local de Julho de 2007), mais do que duplicando o universo dos “laranjas” aqui encartados, eis que alguns deles se dizem agora surpreendidos pelas palavras do seu Secretário-Geral, asseverando desconhecer que eram militantes do PSD e que tinham que contribuir com umas pataquinhas anuais para a grande causa da tripla seta! E esta?
Escusado será dizer que tudo isto cheira muito mal. Parece que a humidade anda a afectar o discernimento das pessoas – das que foram levadas ou de quem as levou... Ora, como ninguém entra no “laranjal” sem a propositura de outro “laranja”, o melhor que os novos “rebentos” têm a fazer é ir pedir satisfações a quem os meteu, ou a quem supõem que os meteu, nesta aventura. Boa sorte!
Entretanto, o prazo para pagamento das quotas findou ontem. Não era fácil fazê-lo por estas bandas, uma vez que, segundo me informou um compagnon de route, a nova direcção do PSD-Macau ainda não tinha, no início da semana (e apesar de estar em funções há quase dez meses), nem conta aberta no banco, nem livro de recibos e nem sequer uma lista actualizada dos militantes (que é só pedir por email para Lisboa, que eles a enviam pelo mesmo meio em um ou dois dias). Mais uns esquecimentos, ao que parece...
Ainda assim, lá consegui pagar a quota de 2008 com mais alguns amigos, pelo que contamos exercer o nosso direito de voto no fim do mês, não obstante as fracas alternativas que se nos colocam. Resta saber se os quase oitenta “frutos” do recente “milagre da multiplicação dos laranjas locais” pagaram, cada qual, as duzentas e trezentas pataquinhas necessárias para poderem participar nessa escolha (correspondentes às quotas em falta de 2006 a 2008 – cem patacas por ano). Se o não fizeram, não vão votar nem se candidatem a delegados ao próximo congresso de Guimarães, por favor, porque não estou para despender mais serões a redigir pedidos de impugnação. Tanto mais que os doutos conselheiros da capital ainda se não pronunciaram sobre a última maçada que tive...

PS: falando em esquecimentos, descobri recentemente que a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau reformulou por completo o seu sítio na Internet (www.atfpm.org.mo). Gostava de o explorar, mas o problema é que parece não ter versão portuguesa... No nosso idioma, só encontrei um texto intitulado «Semear o Amor entre as pessoas» – nobre, sem dúvida, mas muito pouco, em particular quando me lembro que saiu precisamente daquela organização a única candidatura da terra às recentes eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, o órgão que nos representa junto do Governo lusitano. Não é esquecimento a mais?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Luto pelas vítimas de Sichuan

Na China, teve hoje início um luto de três dias pelas vítimas do terramoto de Sichuan, ocorrido há precisamente uma semana.

Macau juntou-se na sentida homenagem a todos os que pereceram na tragédia e na solidariedade para com os sobreviventes que perderam os seus entes queridos, observando três minutos de silêncio quando o relógio marcava as 14h28. Participei sinceramente neste gesto, tal como tenho acompanhado com atenção todos os noticiários sobre o assunto.

Pareceu-me, contudo, inadequado que os serviços públicos de Macau tivessem "mandado" os seus trabalhadores regressar do almoço alguns minutos mais cedo, para observarem esse momento de silêncio nos seus postos de trabalho, transformando, assim, quase numa obrigação profissional aquilo que devia ter sido um gesto individual, a cargo da consciência de cada um.

Pessoalmente, julgo que teria tido mais significado e impacto pararmos todos no meio da rua ou onde quer que estivéssemos às 14h28, em vez de o fazermos necessariamente enfiados nos nossos gabinetes, seguindo as instruções de alguém.

Se já pensava assim, ainda mais convencido fiquei quando vi o telejornal da TDM a mostrar imagens de transeuntes imobilizados no Largo do Senado - até um polícia em sentido a meio da passadeira -, o que logo me fez lembrar idêntico gesto adoptado maciçamente em Portugal há alguns anos, em apoio ao povo timorense.

São as chamadas diferenças de mentalidade, presumo...

quinta-feira, 15 de maio de 2008

A vontade da maioria

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
15 de Maio de 2008

Num momento em que a tragédia de Sichuan congrega as atenções de toda a China e do exterior, ficámos a saber que o Conselho Executivo já concluiu a análise do projecto de revisão das leis eleitorais do território. Não obstante quase 7500 opiniões recolhidas ao longo de um mês de auscultação pública, poucas foram as alterações introduzidas ao texto inicial do Governo, como reconheceram o porta-voz do Conselho Executivo, Tong Chi Kin, e a Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan.
Julgo, por isso, que não vale a pena gastar o meu latim a dissecar as escassas novidades, até porque os nossos jornalistas já o fizeram e bem. Limito-me, assim, a reiterar o que já ontem disse ao Ponto Final: a única inovação de peso é a aplicação do regime da responsabilidade solidária a todos os candidatos de cada lista – se um deles for condenado por corrupção eleitoral, toda a votação nas suas cores é invalidada e os eventuais deputados saídos das suas fileiras perdem o lugar, que terá que ser preenchido através do recurso a uma eleição suplementar. Mas, como também defendi junto do Ponto Final, isto parece-me uma medida tão óbvia que devia ter constado logo do documento inicial do Governo, e só compreendo que o não tenha sido por falta de coragem política. Pelos vistos, o feedback dos cidadãos terá dado ao Executivo o suplemento vitamínico necessário para avançar com ela.
Já me pareceu bastante inapropriado que Florinda Chan tivesse usado os resultados da consulta para sustentar que a maioria da população de Macau não desejava o aprofundamento da democracia, tal como inadequados foram os argumentos a que recorreu para chegar a essa conclusão. Desde logo, porque o texto submetido à apreciação pública não continha qualquer proposta a esse nível. Pelo contrário, chegava a insinuar que o momento não era oportuno para se mexer nisso, ao usar expressões como «é adequado o regime eleitoral da RAEM definido de acordo com a Lei Básica e tendo em conta a realidade de Macau» (ou seja, para esta realidade, o regime deve ser este), «o regime de sufrágio indirecto é uma característica do regime eleitoral de Macau» (portanto, é para continuar) ou «o mais importante neste momento é elevar a qualidade das eleições e consolidar os frutos democráticos obtidos» (os já obtidos; nada de procurar novos frutos). Era, pois, presumível, que a esmagadora maioria das pessoas se limitasse a comentar as propostas concretas que lhe estavam a ser colocadas à frente.
Depois, por muito que a titular da pasta da Administração e Justiça venha agora alegar que «não proibimos que enviassem outras opiniões», a verdade é que, quando a interpelei pessoalmente na sessão de esclarecimento de 10 de Março último, alvitrando o aumento do número de parlamentares eleitos por sufrágio universal, foi inflexível a me responder que esse assunto não estava em apreciação, que «a democracia não é só números, mas, sobretudo, qualidade» e que essas decisões cabiam exclusivamente a Pequim (no que remeto para a minha crónica de 13 de Março). Idênticas respostas receberam os deputados do Novo Macau Democrático e Pereira Coutinho em outros momentos. Em suma, outras sugestões eram aceites, mas apenas dentro do escopo do projecto governamental. Se não era essa a intenção, então explicaram-se muito mal, para não ir mais longe.
Ainda assim, Florinda Chan veio reconhecer que houve «algumas» opiniões do teor da minha, mas que «a corrente predominante vai no sentido do apoio da população às propostas apresentadas e ao combate com eficácia da corrupção». Corrijo: havia um documento de consulta que versava em exclusivo sobre determinadas matérias e foi, naturalmente, sobre elas que os cidadãos se pronunciaram. Extrair daí que o povo de Macau rejeita todas as mudanças que não constavam do documento é subverter completamente a noção do que é uma consulta e é aproveitar abusivamente a boa fé de quem nela participou para criar mais uma arma de arremesso contra a reforma do sistema político.
A representante do Governo afirmou, finalmente, que «há ainda tarefas a efectuar» para que o processo de democratização possa progredir, assim justificando a impossibilidade de o contemplar neste pacote legislativo. Pergunto-me: que mastodônticas tarefas serão necessárias para que haja, por exemplo, mais dois “míseros” lugares de deputado sufragados directamente por todos nós?
Se as autoridades de Macau desejam, realmente, saber o que pensa o seu povo da democracia, deixo-lhes duas sugestões muito simples: façam uma consulta pública sobre isso (e não sobre outros assuntos) ou vão mais longe e organizem um referendo. O resto é música ou má fé.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O idoso do Largo do Senado

Não sei se se lembram de um idoso com um ar muito acabado e num estado de higiene deplorável, que vivia debaixo destas arcadas do Largo do Senado. Em Fevereiro passado, foi objecto de uma posta no blogue Bairro do Oriente. Pois esse homenzinho desapareceu. No final de Abril, estava lá; na primeira vez que ali passei após a vinda da tocha olímpica a Macau, a 3 de Maio, já não estava.

Não faço ideia do que lhe possa ter acontecido. Faleceu? Foi levado pelas autoridades para algum lar? Para o hospital? Alguém sabe alguma coisa?

Decerto que a sua condição era chocante e se justificava, há longo tempo, o seu amparo por uma entidade competente, mas não posso deixar de notar que essa intervenção pública, a ter acontecido, só se concretizou quando o Largo do Senado ia ser objecto de grande visibilidade mediática (e de uma grande enchente de turistas), por via da passagem do símbolo olímpico. Afinal, o facho não chegou a percorrer aquele ex-libris da cidade, mas o homenzinho eclipsou-se, aparentemente, de vez.

Actualização em 20 de Maio: segundo o blogue Bairro do Oriente, o vetusto indigente está de regresso ao seu poiso habitual. É caso, então, para se perguntar: como é que uma pessoa naquele estado de absoluta degradação consegue desaparecer completamente por três semanas e regressar depois à "base"? Teremos que chamar os agentes especiais Dana Scully e Fox Mulder, dos X Files, para resolverem este insondável mistério?

Um governo eficiente?

Segundo uma notícia da Agência Lusa que se encontra disponível no canal Última Hora do Público e também serviu de base a uma peça de Emanuel Graça no Jornal Tribuna de Macau de domingo passado, só o Liechtenstein e o Mónaco têm governos mais pequenos do que Macau, com apenas cinco membros. Macau tem seis, incluindo o Chefe do Executivo.

Ainda de acordo com a mesma notícia, «três físicos da Universidade Médica de Viena criaram um modelo matemático que demonstra que quanto menos ministros tem mais eficiente é um governo, confirmando a teoria do 20 como número ideal de membros de um grupo de decisão». Comparando «o número de ministros de um governo com quatro indicadores mundialmente reconhecidos (o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e os indicadores do Banco Mundial sobre Estabilidade Política, Liberdade de Expressão e Votação, e Eficiência Governativa)», os investigadores concluíram «que, quanto menos decisores tem, mais eficiente, mais estável e mais desenvolvido é um país».

Aplicando esta teoria à letra, Macau deveria ser um dos três territórios ou países mais eficientes e desenvolvidos do mundo. Será assim? Não me parece, mas a teoria não deixa de ser interessante no seu conjunto.

domingo, 11 de maio de 2008

Vem aí a concorrência!

Neste estaleiro de obras em Singapura, está a ser construído o Marina Sands, o novo complexo turístico com casino de Sheldon Adelson, o dono do Sands Macau e do Venetian Macau. Na foto do lado, pode ver-se como vai ficar o projecto, com inauguração prevista para o próximo ano (o que, olhando para o estado actual das obras, me parece um calendário demasiado optimista...).

Lavagem nas alturas


Não foi em Macau, foi em Singapura que tirei esta fotografia, mas estes homens davam jeito para lavar os vidros dos novos arranha-céus do território...

sábado, 10 de maio de 2008

How China leads the world in web censorship

Hilmar Schmundt and Wieland Wagner
Der Spiegel
May 2, 2008

Just in the time for the Olympics, the Chinese government has proved itself to be a pioneer as well as a top exporter in cutting-edge online censorship methods. And Western firms still give Beijing their active support.

Conventional wisdom has it that the Internet can withstand anything. Attempts to censor it are about as futile as trying to nail Jell-O to a wall. Experts have claimed that if blocked, the flow of information will simply reroute to reach its target. Too bad China isn’t listening to the experts.
"Golden Shield" is the term Chinese officials use for what may be the most sophisticated censorship system in the world. Critics like to refer to it as the Great Firewall of China (GFC). Whichever term you choose, it’s clear that over the past two weeks this virtual wall has withstood its first major trial by fire.
The Chinese crackdowns in Tibet have sparked bitter protests around the world, both online and off, since March. The Olympic torch relay has provided a particular focus for pro-Tibet activists’ wrath -- but in the People’s Republic, cyberspace has become a wholly pro-China zone.
Egged on by state media, China’s Internet users came up with ever-more creative ways to express their outrage towards the pro-Tibet protesters. Almost overnight, millions of Windows Live Messenger chat-service users added symbols depicting a red heart beside the word “China” to their contact names. One blogger writing on popular Internet portal sina.com crowed that “the Western media has accomplished something positive: they’ve brought us Chinese together.”
Outrage against the protesters culminated in calls from individual bloggers on portals such as people.com.cn to boycott -- for instance -- Germany. (“Boycott Volkswagen, boycott German goods, boycott the German chain Metro.”) Here's where things suddenly changed, though, dictated from above: Apparently the establishment wasn’t all that pleased with such calls to arms, and so, suddenly, they were gone.
The virtual People’s Republic abides by other laws than the rest of the Internet. But how do the communist sentinels of cyberspace manage to control the information flow so precisely?
Surveillance computers form the backbone of the Chinese security system, monitoring the bulk of online communication round the clock. The machines are supported by an army of government censors, whose numbers are estimated at over 30,000. This Herculean effort is on the increase as Internet users multiply at a record rate. As of February, China officially has the most Internet users in the world (221 million to America’s 220.6 million). And what happens in China can easily change the Internet as a whole. Experts believe that the country has already exported its innovative censorship methods to countries such as Iran and Vietnam.
Dozens of media researchers are now studying the architecture of the Great Wall 2.0 with a mixture of horror and fascination. What they’re discovering is how surprisingly dynamic, subtle and state-of-the-art the censors of the 21st century are.

The Chinese-Wide Web

Researchers have noticed that the Internet’s decentralized structure is far from enough to protect it from government control. American cyber-libertarian John Perry Barlow and his supporters may once have claimed that governments of the industrial world “have no sovereignty” in cyberspace -- but Jonathan Zittrain says that’s not the case. The University of Oxford scholar has warned about “the emergence of an increasingly balkanized Internet. Instead of a world wide web, as the data from our study of Internet filtering makes plain, it’s more accurate to say we have a Saudi Wide Web, an Uzbek Wide Web, a Pakistani Wide Web, a Thai Wide Web, and so forth.”
Zittrain’s recent research report, called “Access Denied” and co-authored with colleagues from elite universities including Harvard, Stanford and Cambridge, functions as an atlas of Internet censorship. The authors conclude that the Chinese inspectors’ methods are at the vanguard of the field -- distinguished not by their use of rigid controls but by their flexibility and creativity.
The United Arab Emirates can be taken as a counterexample. The desert nation has relatively clear laws and blocks access to objectionable material such as sexually explicit content in a fairly consistent and predictable way. Strict filters are employed to ban access to all Israeli Web sites, for instance, whose domain name ends with .il.
This strict style of border control runs counter to China’s approach. “The GFC is decentralized, flexible, unobtrusive and focuses first and foremost on key words,” explains Daniel Zinn, a graduate student in the Department of Computer Science at the University of California, Davis. What this means is that rather than censoring entire domains, only individual pages containing pre-defined words are blocked. Often these words have to do with three topics of special sensitivity in China -- “Tibet”, “Taiwan” and “Tiananmen” -- but there are a host of others, such as “Falun Gong,” “Mein Kampf,” and “democracy.”
An attempt to call up a suspect Web page usually results in an error message, so most users try to keep their lives simple by avoiding risky search terms. That way they can surf in peace.

Self-Censorship is More Efficient

This cat-and-mouse game pitting bloggers against censors is part of the fun for more rebellious users, who like to think up new terms for politically charged topics and elude the censors. So, for instance, in order to find information on the Tiananmen Square Massacre of June 1989, one would enter in the date as a code, i.e. “198 964” (though even this code is now blocked). Sometimes, in response to questionable search terms, small, bug-eyed cartoon characters in police uniforms pop up on the screen -- a reminder that Big Brother is always surfing alongside you.
The GFC’s strength lies in its unpredictability. Although thousands of censors may be hard at work, they face millions of bloggers. It would be impossible to monitor each of their entries. How much more effective, then, to use subtle signals to menace Internet users into censoring themselves.
Another recipe for success is delegating censorship. Internet service providers, content providers and Internet cafe managers have taken over the task of monitoring objectionable Web pages. Government monitors send updates to the companies several times a day, often by cell phone text message. To avoid conflict, it’s easiest for the providers to err on the side of caution and censor more, rather than less.
Those who don’t will face draconian punishment -- which not even US companies like Google can escape. The Google search engine was inaccessible from China, until, reluctantly, they created a censored version for Chinese users. (This despite Google’s corporate motto: “Don’t be evil.”)
A side effect of this blockage was that the Chinese search engine Baidu gathered more customers. Even this might be an innovation for the government -- which may have noticed that censorship can also work as protectionism, supporting local over foreign firms.
And Google isn’t alone: Other US-based global tech firms like Cisco and Microsoft are quietly working with China's censors as well. The 2004 controversy over Yahoo's role in the arrest of Chinese journalist Shi Tao illustrates how fine the line dividing commerce and collaboration can be. In that case, Yahoo passed on the journalist’s personal details to the Chinese government. Shi, a critic of the government, was sentenced to 10 years’ imprisonment.
Shi’s case was not isolated. The press-freedom organization Reporters without Borders has published numbers exposing the tenuous position of dissident Chinese Internet users. Some 48 of the 63 “cyber-dissidents” imprisoned around the world are held in China.
The American House of Representatives called a hearing after the Yahoo incident. “These companies tell us they’re going to change China," one congressman complained, "but instead, China changes them.”
The upcoming Olympic Games provide ample reason for the censors to refine their techniques. With an eye to the host of foreign journalists expected this August, the government has created a kind of parallel version of the Internet, restoring access to most of the BBC Web site and Wikipedia. What visiting journalists might not realize, however, is that the Chinese versions of these long-blocked sites are still off-limits.
Meanwhile, regulations continue to tighten. One recent change is the ruling that every Web site which allows private video sharing is subject to official licensing. Moreover, the state has to have a majority stake in the Web site’s provider. Why? Simple: Video files are far harder to filter than text files.
Of course, as Beijing-based new media specialist Andrew Lih points out, the Great Wall 2.0 isn’t impossible to breach -- in fact no one even claims it is. He comments that “anyone who knows what he’s doing has plenty of ways to get around the Great Firewall.”
The countless tricks available to circumvent the censors and the spies are a perennial topic of discussion in Chinese chat rooms. One of the best-loved tools is Gladder (from “Great Ladder”), a browser extension that helps users scale the virtual wall. The name might make outsiders smile, with its whiff of nighttime boarding school larks. But a Chinese blogger from Changsha advises cautions when it comes to such Internet escapades. Otherwise, he warns, “tomorrow the security service will knock on your door” -- a real possibility that’s not a laughing matter at all.

A censura na Internet

Esta é a situação actual da censura política (isto é, filtragem ou bloqueio do acesso a conteúdos dessa natureza) na Internet a nível mundial, segundo a OpenNet Initiative (ONI):

Para mais detalhes, vale muito a pena consultar os mapas interactivos disponíveis no sítio da ONI.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Vigilância da Internet - um contributo amigo

Um amigo profissional do foro, com muita experiência em processos-crime, transmitiu-me a seguinte opinião técnica ("apressada", nas suas palavras) sobre o tema que ocupou as minhas duas últimas crónicas no Jornal Tribuna de Macau (por questões gráficas, editei ligeiramente a apresentação do texto recebido):

«Sou da opinião que o acesso ao conteúdo das telecomunicações por parte das autoridades de investigação criminal exige a decisão fundamentada de um juiz de instrução para a apreensão, o que pressupõe processo pendente e as necessárias suspeitas para a abertura anterior do processo. Nada de prevenção policial, que é figura estranha aos conceitos jurídico-processuais.

Sou da opinião que essa exigência não se estende à identidade de quem comunica, salvo se essa identidade fizer parte do próprio conteúdo da comunicação. Isto é, a título de exemplo, o polícia pode ver o envelope e ler a identidade do destinatário e do remetente, mas não pode abrir a carta e ler o conteúdo (mutatis mutandis para as comunicações na net). Mas tem de fazê-lo com razões para isso e não para satisfação da sua curiosidade. E, se isso implicar apreensão da carta, só com decisão do juiz de instrução. De contrário, se se aceder ao conteúdo, haverá crime; portanto, responsabilidade criminal, civil e disciplinar e nulidade da prova assim obtida, a qual não poderá ser valorada. Se se aceder à identidade sem fundamento, não haverá crime, mas só as outras duas formas de responsabilidade, e a prova obtida será nula. Quem colaborar indevidamente com a polícia pode ainda ter responsabilidade contratual.

Em síntese, o nível de suspeita é que determina o regime:
1) Eu envio um email - ninguém pode ter acesso ao seu conteúdo, nem à identidade dos comunicantes;
2) Há razões para pensar que somos imigrantes ilegais ou que temos comportamentos marginais - pode saber-se a nossa identidade, mas não o que dizemos. Mas com meios que não recorram a nada ofensivo de qualquer direito individual, como entrada em casa, no nosso computador, etc.;
3) Há razões para pensar que o email se destina a combinar um assalto - pode ter-se acesso ao conteúdo e à identidade. Mas só no processo penal respectivo e com decisão.

O problema é que não há qualquer processo na situação 2) e, aí, os abuso policiais são dificilmente controláveis.»

Cuidado com as dissidências virtuais...

Alguns interessantes ecos da polémica sobre a vigilância da net pelas autoridades de Macau:

- A peça de Vítor Quintã no Jornal Tribuna de Macau de ontem;

- O editorial de Carlos Morais José e a peça de Alexandra Lajes no Hoje Macau também de ontem;

- Esta posta de Leocardo no seu blogue Bairro do Oriente.

Procurarei acrescentar aqui outras reacções que forem surgindo.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Ainda à volta da Internet

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
8 de Maio de 2008

Na sequência das questões que aqui suscitei há uma semana sobre a (assumida) monitorização da Internet pelas autoridades locais, acabo de ouvir, no telejornal da TDM, o director dos Serviços de Regulação de Telecomunicações (DSRT) a afirmar que a Polícia Judiciária tinha competência para fazer o que fez e a CTM o dever de com ela colaborar, acrescentando que as pessoas são responsáveis pela sua conduta tanto na vida real, como na virtual.
Parece, pois, confirmar-se que foi a CTM a fonte do endereço IP do mentor do “furto virtual” da tocha olímpica. Tirando isto, não fiquei mais esclarecido do que há uma semana. Fiquei, sim, mais preocupado, particularmente ao ver a ligeireza com que a nossa autoridade das telecomunicações aborda este assunto.
Note-se que não está em causa que a polícia investigue se um crime foi praticado ou se alguém instigou publicamente a sua prática (embora seja quase caricato qualificar desta forma a conduta do cibernauta brincalhão). A questão é que a investigação criminal obedece a regras precisas, que não devem bulir indevida e desnecessariamente com a privacidade e demais direitos dos cidadãos. Ora, perante o que aconteceu e as declarações do dirigente da DSRT, reitero as minhas dúvidas, a saber:
1) Quando a polícia divulga que anda «a monitorizar directamente a Internet», dá a entender que o faz a título preventivo; isto é, que a “rede” já estava sob observação antes mesmo de ter surgido o “incidente” do facho. Ora, uma coisa é irem ao Google ou a outro motor de busca qualquer e fazerem pesquisas por palavras-chave, para localizar alguma informação polémica. Isso, qualquer um de nós consegue fazer... Coisa completamente diferente é interceptarem comunicações ou invadirem conteúdos reservados sem a devida autorização de quem de direito: os autores dessas comunicações, os titulares desses conteúdos ou uma autoridade judiciária (e nem a PSP nem a PJ o são), no âmbito de uma investigação. Neste tocante, continuo exactamente na mesma escuridão de há oito dias: que informações andam a obter, sobre quem, através de quem (ok, da CTM. Só?) e como?
2) Quando o próprio director da tutela das telecomunicações resume o papel da CTM nisto tudo ao dever de colaborar tout court com as autoridades, fica a sensação de que é só pedir e levar... Sucede que, por enquanto, Macau ainda não é uma república das bananas ou um território totalitário. Há regras e o poder está sujeito ao princípio da legalidade na sua actuação. Não vou repetir aqui todo o quadro legal que invoquei na minha última crónica, apenas recordando que inclui a proibição de «toda a ingerência das autoridades públicas nas comunicações postais e nas telecomunicações», salvo os casos expressamente previstos na lei (artigo 4.º da Lei n.º 16/92/M, de 28 de Setembro). E reforço o que então escrevi com esta passagem da Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 8/2005, de 22 de Agosto): «o tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou repressão de uma infracção determinada (...)» (artigo 8.º, n.º 3 - negritos meus). Aceder em abstracto aos nossos dados pessoais é que não, até porque os dotes de predestinação do crime ainda não passaram do argumento do filme Minority Report para a realidade de Macau.
Mas há mais. É só dar uma leitura no Código de Processo Penal (CPP): «o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação» (artigo 245.º); «a direcção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal», que «actuam sob a directa orientação do Ministério Público e na sua dependência funcional» (artigo 246.º); «durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar (...) buscas domiciliárias (...), apreensões de correspondência (...), intercepções ou gravações de conversações ou comunicações telefónicas» (artigo 251.º. Sendo o CPP de 1997, ainda não referia especificamente as comunicações via Internet). Há actos de inquérito que o Ministério Público pode delegar em órgãos de polícia criminal, mas tem que proceder formalmente a essa delegação.
Também aqui, continuo, assim, na mesma. Afinal, como é que as autoridades solicitam às operadoras de telecomunicações do território os dados pessoais dos seus clientes (leia-se, que procedimentos legais é que utilizam)? CTM, DRST, GPDP (Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais), PSP, PJ, MP, seja quem for, importam-se de me esclarecer sem verbalismos ocos? Ou terei que me queixar (mas não anonimamente) ao CCAC?

terça-feira, 6 de maio de 2008

A queda da máscara?

Acabado de regressar de umas curtas férias no exterior, eis que me deparo com esta capa do Hoje Macau de hoje. No seu interior, quatro artigos com referências bastante negativas ao Dalai Lama, um dos quais assinado pelo director do jornal, Carlos Morais José.

Já há algumas semanas que CMJ vem contemplando os leitores do Hoje Macau com fortes críticas ao Dalai Lama e aos apoiantes das suas reivindicações para o povo tibetano. Recordo-me, nomeadamente, do seu editorial de 9 de Abril e do artigo de opinião que escreveu dois dias depois, onde me chamou «neo-monge indignado».

Cada um é livre de ter a sua opinião e ambos temos expressado abertamente a nossa nesta matéria. É claro que, se eu vivesse do lado de lá da fronteira, seria preso apenas por ter uma bandeira do Dalai Lama, quanto mais por simpatizar publicamente com o antigo Prémio Nobel da Paz, mas isso é um pormenor que não parece ter relevância nas análises que CMJ faz sobre o regime chinês. Um regime, aliás, que prende jornalistas e lhes veda sistematicamente o acesso aos locais onde os acontecimentos "sensíveis" têm lugar, como o próprio Hoje Macau menciona em relação ao local onde decorreram as conversações de domingo passado entre representantes do Dalai Lama e do governo central. Mas CMJ, enquanto jornalista, também não parece ficar muito incomodado com isso. Adiante, que não quero ser novamente acusado de me limitar a uma «prosa copy paste» cheia de «lugares-comuns»...

O que já me parece menos adequado é CMJ apresentar como notícia (esta, assinada por ele na edição em papel, embora o seu nome não apareça na versão online) o que, no conteúdo, se afigura como um verdadeiro texto de opinião (por comparação, vejam-se esta e esta notícias do jornal Público sobre o mesmo assunto). As críticas de CMJ aos "pró-tibetanos" parecem, assim, ter "evoluído" de um editorial para um artigo de opinião e, agora, para as próprias notícias. Quando assim acontece, já é a objectividade do jornal, enquanto órgão noticioso, que começa a ser atingida.

Desde que João Costeira Varela anunciou a sua saída do Hoje Macau, tenho sentido uma mudança que não me entusiasma particularmente na linha editorial deste respeitado título local, devo confessar. Cada director tem o seu estilo, é verdade, mas João Costeira Varela parecia-me mais equidistante em relação às questões políticas locais e nacionais. Espero que CMJ não me leve a mal a opinião, que é franca e aberta.

Prefiro claramente o CMJ do editorial de ontem, «Os desvios». Esse, sim, é o CMJ que eu costumava ler com gosto! Fica a nota.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

A tocha e a Internet

Nuno Lima Bastos
Jornal Tribuna de Macau
1 de Maio de 2008

No passado sábado, a Polícia de Segurança Pública deteve um cidadão por ter escrito um texto num fórum de discussão da Internet divagando sobre como furtar a tocha olímpica durante a sua passagem por Macau. Apesar de o indivíduo ter confessado que tudo não passava de uma brincadeira parva e as autoridades terem concluído, para já, que ele não havia praticado quaisquer actos concretos e nem sequer tinha um plano de acção, decidiram constituí-lo arguido, por suspeita de instigação pública à prática de um crime.
Tudo isto soa a excesso de zelo, certamente associado à quase histeria que se tem instalado em certos sectores à volta da vinda da chama olímpica ao território (a mesma histeria que levou a Fundação Macau a atribuir um pecaminoso subsídio de dezasseis milhões de patacas para custear o evento). Excesso de zelo e mesmo algum provincianismo, mas, até aqui, nada de inusual.
O que torna esta notícia verdadeiramente preocupante é a revelação de que as autoridades locais andam «a monitorizar directamente a Internet» e «o suspeito foi identificado com base no endereço IP do seu computador pessoal» (Jornal Tribuna de Macau de 27 de Abril e Ponto Final do dia seguinte).
Para quem não está familiarizado com estas coisas, o endereço IP (de Internet protocol) está para a net, basicamente, como o número de telefone está para as chamadas telefónicas: todos os sítios da net têm um endereço IP “estático”, correspondente a um número fixo (com uma estrutura do tipo 196.16.254.1), que permite que os encontremos sempre. Para não termos que memorizar o número de cada sítio que consultamos, ele é convertido num endereço como www.amazon.com, normalmente correspondente ao nome da empresa ou outra entidade que o usa, muito mais intuitivo e fácil de fixar.
Já no caso de cada um de nós, o que sucede é que, sempre que abrimos a nossa caixa de correio electrónico ou o nosso browser, ou queremos jogar online com o nosso computador ou a nossa consola, e nos ligamos, para tanto, à net, o nosso ISP (Internet Service Provider ou Prestador do Serviço Internet) atribui-nos um endereço IP, que passa a ser como que o nosso “número de telefone electrónico” enquanto estivermos a “surfar”. Tanto quanto julgo saber, a CTM, que é o ISP dominante em Macau, utiliza um sistema de endereços IP “dinâmicos” para os seus assinantes. Isto é, ao contrário dos sítios da net, que têm sempre o mesmo endereço IP, eu recebo da CTM um endereço IP diferente de cada vez que me ligo à net.
Não interessa entrar aqui em pormenores técnicos. Onde pretendo chegar é apenas ao seguinte: se a polícia quiser saber quem foi o assinante da CTM que escreveu uma determinada mensagem num fórum às tantas horas de um certo dia, não basta ir ao fórum e ver o endereço IP associado ao autor dessa mensagem. É preciso saber a quem é que a CTM tinha atribuído esse endereço IP no momento em que a mensagem foi escrita, uma vez que ele muda de mão para mão à medida que as pessoas se ligam e desligam da net (a não ser que o autor se tivesse identificado, claro).
Em suma, que dados pessoais dos seus clientes é que a concessionária do serviço público de telecomunicações andará, eventualmente, a revelar às autoridades e com que direito? Andarão as nossas caixas de correio electrónico a ser acedidas por alguém que desconhecemos? Andarão as nossas mensagens privadas, íntimas até, a circular por mãos alheias? Sem querer ser alarmista, tudo isto pode ser muito grave.
O ordenamento jurídico de Macau contém diversos normativos que impõem às operadoras de telecomunicações rigorosos cuidados nesta matéria. Desde logo, a vetusta Lei n.º 16/92/M, de 28 de Setembro, relativa ao «sigilo das comunicações e reserva da intimidade privada», ainda dispõe (apesar de ter sido quase toda revogada pelo decreto-lei que aprovou o nosso actual Código Penal) que «as operadoras de comunicações públicas ou privadas estão obrigadas a tomar as medidas necessárias ao respeito da inviolabilidade e sigilo das comunicações postais e das telecomunicações» (artigo 3.º, n.º 1), sendo a quebra desta obrigação punida com multa até um milhão de patacas, além da possível responsabilidade civil e criminal (por exemplo, a resultante do artigo 349.º do Código Penal) e da rescisão do contrato de concessão em caso de reincidência. O diploma determina, ainda, que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas nas comunicações postais e nas telecomunicações, salvo os casos previstos na presente lei e demais legislação aplicável» (artigo 4.º).
A Lei de Bases das Telecomunicações (Lei n.º 14/2001, de 20 de Agosto) também garante aos utilizadores dos serviços de telecomunicações o direito «à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações, nos termos da lei», e «ao respeito da sua privacidade nos documentos de cobrança e na utilização dos seus dados pessoais pelo prestador do serviço» (artigo 7.º, alíneas 1) e 2)).
O Regulamento Administrativo n.º 24/2002, de 4 de Novembro, relativo à «prestação de serviços Internet», determina que as licenças a atribuir aos fornecedores destes serviços, como a CTM, devem estabelecer «termos e condições sobre protecção de dados pessoais e reserva da vida privada», assim como sobre o «sigilo das comunicações» (artigo 9.º, n.º 2, alíneas 1) e 2)), estando estas empresas obrigadas a tomar as medidas necessárias para garantir o cumprimento destes requisitos e «assegurar a integridade e inviolabilidade das redes e sistemas informáticos» (artigo 18,º, alíneas 1) e 2)), sob pena de multa até trezentas mil patacas e possível suspensão ou revogação da licença, além, uma vez mais, da eventual responsabilidade civil e criminal. O modelo de «licença de serviços Internet», aprovado pela Ordem Executiva n.º 47/2006, de 20 de Novembro, reitera estas obrigações.
Finalmente, o próprio contrato de concessão da CTM contém uma cláusula (a sétima) obrigando-a a «tomar todas as medidas necessárias para assegurar e fazer respeitar a inviolabilidade e o sigilo das comunicações a seu cargo, nos termos da legislação em vigor no território», sigilo este que «abrange o segredo profissional e o dever que impende sobre os trabalhadores da Concessionária e titulares dos seus órgãos de não revelar quer a identidade do peticionário quer do destinatário, quer o conteúdo das comunicações de que tenham conhecimento por motivo da execução do serviço e, bem assim, a proibição de comunicar a terceiros qualquer informação que às mesmas se refira».
Como por aqui se percebe, o problema, a haver, não será, seguramente, por falta de enquadramento legal. Resta, então, esclarecer cabalmente se as autoridades de Macau, na sua monitorização da Internet, estão a cumprir a lei: que informações andam a obter, sobre quem, através de quem e como? E fazem-no com a necessária intervenção de uma autoridade judiciária (juiz ou delegado do Ministério Público) ou, pelo contrário, as operadoras de telecomunicações do território passam as informações a qualquer inspector (com o devido respeito) que as solicite através de um mero ofício?
Em vez de se preocuparem com os convites para o transporte da tocha, seria bom que os nossos deputados estivessem atentos a isto... A bem de todos nós!