Jornal Tribuna de Macau
3 de Julho de 2008
O despedimento, no início da semana, de 270 trabalhadores da Galaxy Resorts (550, segundo Ng Sek Io, presidente da Liberty Joint Association of Gaming and Construction Workers) dá que pensar, particularmente por acontecer num momento em que a indústria do jogo de Macau continua a bater recordes. Afinal, ontem mesmo, a comunicação social avançava que as receitas dos 29 casinos actualmente em operação no território tinham ultrapassado em 18% as dos seus cerca de 260 concorrentes do estado norte-americano do Nevada no primeiro quadrimestre de 2008. Os casinos locais arrecadaram 58 500 milhões de patacas entre Janeiro e Junho deste ano, um aumento de 54,1% em relação às receitas do período homólogo de 2007. Ora, se até num cenário destes há despedimentos colectivos, o que será quando o crescimento das receitas abrandar ou estas estabilizarem?
A Galaxy contra-argumenta com maus resultados em diversos dos seus espaços – em especial, nos casinos Grand Waldo e President (era Presidente antes do handover, mas deve ter-lhes soado mais cosmopolita deixar cair o “e”...) –, que terão sofrido uma quebra de receitas na ordem dos 55% no primeiro trimestre do ano, aparentemente não compensada pelo aumento de 28% nas receitas do Starworld. Em todo o caso, estamos ainda a falar de lucros do grupo, embora, pelos vistos, não suficientemente elevados para demover os seus responsáveis de procederem a algumas “reestruturações”. Mas será mesmo assim?
Algum tempo depois de o Sands começar a funcionar, foram também dispensadas algumas dezenas de trabalhadores, alegadamente por “inaptidão funcional”. Na altura, fontes que reputo de bem informadas insinuaram que aquele operador contratara deliberadamente colaboradores em demasia, com a intenção de os seleccionar mais tarde em função do seu desempenho concreto e depois despedir os menos capazes, estratégia que os restantes novos operadores iriam, com grande probabilidade, adoptar. Até hoje, ninguém fez prova disso, mas a decisão da Galaxy avivou-me a memória... A ser verdade, é obviamente grave; quanto mais não fosse, porque muitos destes trabalhadores abandonaram outros empregos e carreiras para se juntarem aos novos patrões.
Depois, há a velha questão da hipotética preferência pela mão-de-obra importada. Não sendo fundamentalista na matéria, considero ponto assente que o crescimento económico deve beneficiar, em primeiro lugar, os residentes de Macau, não só porque se trata da terra onde nasceram ou criaram raízes, nela fazendo a sua vida permanente, mas também porque são eles que, por isso mesmo, sofrem irreversivelmente as maleitas desse crescimento desenfreado e desregrado à sua volta. Diferentemente, o não residente, por definição, vem a Macau apenas para trabalhar em projectos concretos e depois regressa a casa ou parte para outros destinos. Não deve ser indevidamente discriminado por isso – de modo algum! –, mas também não pode servir como arma de arremesso para baixar o custo razoável da mão-de-obra local.
Ora, ainda me lembro do que começou a suceder em algumas fábricas de vestuário da zona norte nos últimos anos da administração portuguesa, quando a crise asiática nos bateu à porta: despediam trabalhadores residentes que auferiam 5000 patacas mensais, para os substituírem por mainlanders que se contentavam com um terço desse vencimento, além de serem mais submissos (até por força da sua não rara condição de ilegais).
Nos dias que correm, a opinião pública de Macau está mais politizada e as diversas associações mais activas e atentas, pelo que é arriscado tentar trocar trabalhadores locais por não residentes de forma tão ostensiva. Então, o que pode fazer uma grande empresa? Suponhamos que tem 1500 postos de trabalho para preencher: comunica às autoridades competentes que precisa de, por exemplo, 1800 trabalhadores e só consegue recrutar metade no território, pelo que vai ter que “importar” os outros novecentos. São-lhe atribuídas as necessárias quotas e contrata, então, metade cá e metade fora. Mais tarde, invoca que, afinal, tem gente em excesso ou com fraco desempenho e despede, claro, trezentos empregados locais (ou, vá lá, 270 locais e trinta forasteiros, para compor um pouco as coisas junto dos críticos). Fica, assim, com os 1500 colaboradores de que, na realidade, carecia, mas só seiscentos deles são de Macau, ainda que houvesse novecentas pessoas disponíveis no mercado local para aqueles lugares. E poupa imenso dinheiro em salários, claro está.
Parece-lhe complicado? Olhe que não, olhe que não...
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