quinta-feira, 24 de julho de 2008

Cartões de crédito

Nuno Lima Bastos
24 de Julho de 2008

No início de 1995, quando cheguei a Macau, não havia cartões de crédito em patacas. Se pagasse alguma despesa com o meu cartão de Portugal, o respectivo valor nominal era-me cobrado em dólares de Hong Kong (HKD) e depois convertido para escudos, para efeitos de débito na minha conta bancária. Como isso acarretava um agravamento de 3,15% nos meus dispêndios, correspondente ao câmbio da pataca contra a divisa da então colónia britânica, depressa comecei a liquidar tudo apenas em dinheiro vivo.
É claro que os estabelecimentos comerciais podiam fazer o devido acerto cambial quando as facturas fossem pagas com cartão de crédito, mas nenhum o fazia. Assim, embolsavam um lucro adicional, uma vez que vendiam em patacas e recebiam em HKD. Eram como as lojas que actualmente colocam avisos junto às caixas registadoras, dizendo aceitar renminbis ou HKD, mas ao câmbio de um para um – se o cliente forasteiro for comodista ou, simplesmente, não tiver ainda tido oportunidade de comprar moeda local, azar o seu (e sorte a da loja).
Pouco tempo volvido, surgiram os primeiros cartões de crédito em denominação local e o Governo, certamente com receio de que os comerciantes procurassem arranjar artifícios para manter o velho lucro suplementar nas transacções com dinheiro de plástico (os tais 3,15%), fez publicar o Decreto-Lei n.º 16/95/M, de 3 de Abril, que, entre outras medidas, determinava que «todos os pagamentos de bens e serviços efectuados no território de Macau com recurso a cartões de crédito ou cartões de débito, emitidos localmente ou no exterior, terminais electrónicos de pagamento em postos de venda e outros instrumentos similares, devem ser realizados em patacas, não sendo permitido invocar esta obrigação para adicionar aos preços ajustados ou ao valor da transacção quaisquer encargos adicionais» (artigo 2.º, n.º 2). Este diploma continua integralmente em vigor.
Os lojistas perderam o brinde e muitos deles começaram, então, a adoptar uma estratégia corrente em diversos países e territórios vizinhos e que ainda hoje empesta a prática mercantilista destas paragens: quando o cliente pretende saldar a sua despesa com o cartãozinho, informam-no de que terá que suportar um adicional de 3%, correspondente à comissão do banco fornecedor do terminal electrónico de pagamento da sua chafarica, porque “já têm margens de lucro muito estreitas” ou “estão a fazer um preço muito especial”, ou outra cantiga do género. Se o freguês não quiser, que se dirija à ATM mais próxima. Se a despesa ultrapassar o limite diário de levantamento nas ditas – cerca de dez mil patacas –, só resta ao conformado comprador começar a levantar o dinheiro de véspera ou usar cheques, que não são um meio de pagamento especialmente popular por aqui. Já me aconteceu e é francamente inconveniente, além de que poucos de nós apreciam andar cheios de dinheiro no bolso, por óbvias razões de segurança.
Deste modo, os titulares de cartões de crédito, que já pagam uma anuidade ao banco, acrescida de juros elevadíssimos (na casa dos 24% ao ano) se não liquidarem o seu débito mensal na íntegra, ainda se vêm onerados com um encargo alheio para se poderem dar ao “luxo” de não andar com a carteira gorda.
Quanto aos estabelecimentos comerciais, o mínimo que se pode dizer é que esta sua conduta, além de ilegal, consubstancia uma forma de concorrência desleal, pois que exibem o logótipo da VISA ou outro afim na sua fachada, atraindo clientes que não querem ou não podem consumir com dinheiro vivo (e, por isso, não vão à loja do lado, que lhes não proporciona essa facilidade), mas não assumem o ónus dessa vantagem competitiva, transferindo-o, ao invés, para o consumidor. Podiam, até, fazê-lo de uma maneira muito simples: bastaria incorporarem ab initio a comissão do banco nos preços. Mas lá está: isso fá-los-ia perder um pouco da sua vantagem competitiva (se calhar, alguns até o fazem, mas continuam a pedir o montante adicional ao cliente)...
Neste cenário de continuada e generalizada impunidade, é curioso que a entidade supervisora da banca, a Autoridade Monetária de Macau, nada faça, nem em termos de fiscalização (que se saiba), nem no uso da sua competência regulamentar. O mesmo se diga do Conselho de Consumidores, tão esforçado em outras matérias porventura menos abrangentes do grande público.
Perante isto, só me resta terminar com duas sugestões: aos meios de comunicação social, que interpelem as autoridades competentes sobre o assunto; aos consumidores, que exijam que as facturas das suas despesas pagas a crédito mencionem discriminadamente o acréscimo cobrado, quando for o caso, e enviem cópias das mesmas aos dois organismos oficiais acima referidos. Pode ser que, assim, certos vícios comecem a mudar...

PS: O Protesto entra agora de férias, regressando na segunda quinzena de Agosto. Tenha um bom Verão!

4 comentários:

Anónimo disse...

Votos de boas férias.

Nuno Lima Bastos disse...

Directamente do Norte de Portugal, obrigado e igualmente (se for o caso).

Anónimo disse...

Oi Nuno, abraços, volta lá depressa que temos umas 'contas a ajustar' aqui na blogosfera. Abraço grande e continuação de boas-férias,
Alf

Nuno Lima Bastos disse...

Já cá estou, caro Alf! Cheguei ontem, segunda-feira. Ainda estou a me "reambientar", mas vou tentar recomeçar a minha actividade bloguística já hoje ou amanhã, assim como a minha coluna semanal do JTM.