Jornal Tribuna de Macau
10 de Julho de 2008
Há precisamente uma semana, a Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) divulgou que o seu plano de promoção da leitura através da Internet, designado «um texto para cada dia», iria avançar no próximo ano lectivo apenas com textos em chinês e inglês. O surpreendente anúncio suscitou, de imediato, pertinentes questões dos jornalistas portugueses que cobriam a conferência de imprensa da DSEJ, recordando aos seus responsáveis não só o facto de o português ser uma das duas línguas oficiais da RAEM, mas também as reiteradas orientações dos Governos local e central no sentido de o território funcionar como plataforma de ligação entre a China e os países de língua oficial portuguesa.
O singular argumento da outra parte foi a dificuldade em encontrar uma empresa que fornecesse textos no nosso idioma. Por mim, ficam já informados de que, à falta de melhor, podem utilizar estas minhas modestas crónicas de maldizer no seu plano de promoção da leitura. Só não são é diárias...
Mais a sério, não sei se foi desatenção minha, mas ainda não vi nenhum jornalista abordar Maria de Lurdes Rodrigues sobre este assunto. Teria sido gratificante ouvi-la responder que o seu Ministério se disponibilizava para fornecer, sem encargos, os textos ao organismo congénere da RAEM. Certamente que os tem em quantidade e qualidade suficientes para um projecto desta natureza.
Entretanto, os três conselheiros das comunidades portuguesas eleitos por Macau escreveram, e bem, ao director da DSEJ, lamentando a omissão e recusando a justificação apontada. Falharam, contudo, em dois aspectos: desde logo, ao invocarem que a medida deixava de fora «toda a comunidade portuguesa e macaense». Ao que lhes pergunto: são e actuaram enquanto membros de um órgão de consulta do Governo Português, chamado Conselho das Comunidades Portuguesas, ou agiram também em nome do Conselho das Comunidades Macaenses? Sem querer dar lições a ninguém, entendo e insisto que, quando abordamos matérias políticas e sensíveis como estas perante as autoridades locais e nacionais, devemos sempre falar da língua portuguesa e da comunidade portuguesa como um todo; da mesma maneira, aliás, que não há diferentes tipos de passaportes portugueses ou vários cônsules de Portugal no território. Independentemente de sermos macaenses, madeirenses, açorianos, algarvios ou minhotos, para não falar nos portugueses de Goa, Timor, Angola ou tantas outras origens, todos aqui bem representados e cada qual com as suas especificidades que enriquecem o todo, certo é que somos todos cidadãos portugueses de Macau e é assim que nos devemos apresentar sempre perante o poder e junto dele reivindicar o respeito pela nossa língua, cultura e história. E mais não digo sobre isto, que não me quero chatear...
Segunda falha dos nossos conselheiros: se queremos que as autoridades do território não descurem a língua portuguesa e envidem os esforços necessários para o cumprimento da exigente tarefa de manter a sua paridade com a língua oficial dominante, convém darmos o exemplo. Pois bem, não havendo um sítio oficial na Internet dos conselheiros de Macau e tendo estes sido eleitos numa lista organizada, apresentada e suportada pela Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) – cuja direcção dois deles integram –, seria de esperar que o sítio desta associação na Internet fosse bilingue. Já escrevi sobre isto num post scriptum à minha crónica de 22 de Maio passado e em duas postas subsequentes no meu blogue (oprotesto-macau.blogspot.com), em 26 desse mês e 3 de Junho. No primeiro desses textos, referi que a ATFPM havia renovado completamente o seu sítio e a nova face nada tinha em português, nem sequer uma linha a esclarecer a lacuna (enfim, tinha um texto perdido sobre um assunto que agora não vem ao caso). No início de Junho, começaram a aparecer uns menus no nosso idioma, mas muito mal escritos, com expressões como «portuguese», «querm somos», «noticiais de última», «associação actividades», «excursões actividades», «incidente e da imagem», «pequenas secção», «atividades imagem», «esportes», «auxiliares amor», «manutenção de Gongyi» ou «comunidade preocupação». Em suma, alguma ortografia de português do Brasil, termos ingleses, erros ortográficos e coisas sem sentido, como então apontei no meu blogue. Hoje, passados quase dois meses, há já alguns conteúdos em português, mas ainda muito distantes da versão chinesa daquele sítio, além de as gralhas continuarem lá todas.
Assim, como podem, seriamente, os nossos conselheiros apontar o dedo às autoridades em matéria de língua portuguesa e oferecer o seu contributo para ajudar a resolver o problema? Pois se nem dentro de casa o parecem conseguir resolver!
O singular argumento da outra parte foi a dificuldade em encontrar uma empresa que fornecesse textos no nosso idioma. Por mim, ficam já informados de que, à falta de melhor, podem utilizar estas minhas modestas crónicas de maldizer no seu plano de promoção da leitura. Só não são é diárias...
Mais a sério, não sei se foi desatenção minha, mas ainda não vi nenhum jornalista abordar Maria de Lurdes Rodrigues sobre este assunto. Teria sido gratificante ouvi-la responder que o seu Ministério se disponibilizava para fornecer, sem encargos, os textos ao organismo congénere da RAEM. Certamente que os tem em quantidade e qualidade suficientes para um projecto desta natureza.
Entretanto, os três conselheiros das comunidades portuguesas eleitos por Macau escreveram, e bem, ao director da DSEJ, lamentando a omissão e recusando a justificação apontada. Falharam, contudo, em dois aspectos: desde logo, ao invocarem que a medida deixava de fora «toda a comunidade portuguesa e macaense». Ao que lhes pergunto: são e actuaram enquanto membros de um órgão de consulta do Governo Português, chamado Conselho das Comunidades Portuguesas, ou agiram também em nome do Conselho das Comunidades Macaenses? Sem querer dar lições a ninguém, entendo e insisto que, quando abordamos matérias políticas e sensíveis como estas perante as autoridades locais e nacionais, devemos sempre falar da língua portuguesa e da comunidade portuguesa como um todo; da mesma maneira, aliás, que não há diferentes tipos de passaportes portugueses ou vários cônsules de Portugal no território. Independentemente de sermos macaenses, madeirenses, açorianos, algarvios ou minhotos, para não falar nos portugueses de Goa, Timor, Angola ou tantas outras origens, todos aqui bem representados e cada qual com as suas especificidades que enriquecem o todo, certo é que somos todos cidadãos portugueses de Macau e é assim que nos devemos apresentar sempre perante o poder e junto dele reivindicar o respeito pela nossa língua, cultura e história. E mais não digo sobre isto, que não me quero chatear...
Segunda falha dos nossos conselheiros: se queremos que as autoridades do território não descurem a língua portuguesa e envidem os esforços necessários para o cumprimento da exigente tarefa de manter a sua paridade com a língua oficial dominante, convém darmos o exemplo. Pois bem, não havendo um sítio oficial na Internet dos conselheiros de Macau e tendo estes sido eleitos numa lista organizada, apresentada e suportada pela Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) – cuja direcção dois deles integram –, seria de esperar que o sítio desta associação na Internet fosse bilingue. Já escrevi sobre isto num post scriptum à minha crónica de 22 de Maio passado e em duas postas subsequentes no meu blogue (oprotesto-macau.blogspot.com), em 26 desse mês e 3 de Junho. No primeiro desses textos, referi que a ATFPM havia renovado completamente o seu sítio e a nova face nada tinha em português, nem sequer uma linha a esclarecer a lacuna (enfim, tinha um texto perdido sobre um assunto que agora não vem ao caso). No início de Junho, começaram a aparecer uns menus no nosso idioma, mas muito mal escritos, com expressões como «portuguese», «querm somos», «noticiais de última», «associação actividades», «excursões actividades», «incidente e da imagem», «pequenas secção», «atividades imagem», «esportes», «auxiliares amor», «manutenção de Gongyi» ou «comunidade preocupação». Em suma, alguma ortografia de português do Brasil, termos ingleses, erros ortográficos e coisas sem sentido, como então apontei no meu blogue. Hoje, passados quase dois meses, há já alguns conteúdos em português, mas ainda muito distantes da versão chinesa daquele sítio, além de as gralhas continuarem lá todas.
Assim, como podem, seriamente, os nossos conselheiros apontar o dedo às autoridades em matéria de língua portuguesa e oferecer o seu contributo para ajudar a resolver o problema? Pois se nem dentro de casa o parecem conseguir resolver!
2 comentários:
A língua é um elemento essencial da cultura de um povo. É um instrumento, um veículo, para comunicar essa cultura, sendo seguro que o uso de outra língua não consegue transmitir com a mesma exactidão os sentimentos e a vivência desse povo. Mas também é um instrumento económico: exige-se o conhecimento de determinada língua para conseguir um determinado emprego, usa-se uma determinada língua no livro de instruções para vender um produto num determinado mercado, etc.
Para divulgar a cultura portuguesa deve ser utilizada a língua portuguesa. Para defesa da economia portuguesa devemos usar a língua daqueles a quem queremos vender os nossos produtos (vejam-se as brigadas de chineses a aprender línguas estrangeiras, incluindo a portuguesa. Porque será?).
O fim cultural e o fim económico nem sempre ocupam a mesma importância na política da defesa da língua (por exemplo, o Instituto Cervantes e o Instituto Camões que têm funções idênticas relativas à língua espanhola e à língua portuguesa, respectivamente, têm políticas completamente diversas. É certo que também têm meios e vontades (ganas) diferentes).
Uma escola primária, secundária ou universitária pode ter razões diversas para usar uma determinada língua para veicular os conhecimentos que ensina. Designadamente para divulgar determinada cultura ou por razões comerciais, usando uma língua que tem mais procura e que pode justificar melhores propinas. Num caso, a escolha tem razões culturais; no outro, tem razões mercantilistas.
Em Macau, parece-me que tem um papel importante relativamente à língua portuguesa a Escola Portuguesa de Macau. Mas que papel? Fala-se agora, desde que veio cá a Srª Ministra da Educação, em internacionalizar a Escola Portuguesa. A Escola Portuguesa de Macau está a perder alunos de ano para ano. Essa escola também vive de propinas, há quem lhe queira reduzir os subsídios e já tem professores que não falam a língua portuguesa. O que será a internacionalização?
Sr. Dr. Lima Bastos, continuará a justificar-se a sua persistente defesa da língua portuguesa, difundindo fotografias de placas toponímicas mal escritas, por exemplo? Voltando a Cervantes: embora Macau não seja propriamente a planície manchega, não estará a lutar contra moínhos de vento? Indo a Camões, o velho do restelo estaria contra a internacionalização da Escola Portuguesa de Macau?
Muito obrigado por tão extenso e interessante contributo! Julgo que sei quem o escreveu, pois já tivemos oportunidade de trocar algumas impressões sobre este assunto, mas respeitarei o seu anonimato, claro.
Respondendo à sua questão sobre a defesa da língua portuguesa, o que lhe posso dizer é que luto diariamente na minha vida profissional e fora dela para que o meu idioma seja respeitado em Macau e tão bem escrito quanto possível. É um combate interminável e francamente desgastante, tamanhas as alarvidades que encontro à minha volta!
Os erros que vou apontando aqui no blogue, sejam em placas toponímicas ou em publicações, constituem quase uma mera brincadeira, embora na expectativa de que algum efeito útil daí resulte. O verdadeiro esforço é, contudo, no local de trabalho, revendo muito do que me passa pelas mãos e procurando, na medida do possível, esclarecer os respectivos autores ou tradutores.
Quanto à Escola Portuguesa, percebo a intenção de a internacionalizarem, dado o contexto onde nos encontramos. Não é apenas o problema da progressiva diminuição do número de alunos; é também a necessidade de se preparar os alunos de uma forma que lhes abra diversas possibilidades em termos de ensino superior. Quem vive no estrangeiro apercebe-se de que o sucesso profissional tende a passar, cada vez mais, pela capacidade de movimentação em diferentes meios, ao contrário da velha ideia de as pessoas se confinarem exclusivamente ao seu país natal. Ora, uma formação liceal "internacionalizada" poderá preparar melhor os jovens para esse futuro também "internacionalizado".
O fundamental é que essa internacionalização não menorize ou ponha o português de lado, quer para os alunos de língua materna portuguesa, quer para os de outros idiomas que se matriculem na escola. Pelo contrário, se a internacionalização servir para também se ensinar algum português aos alunos que optem por vias de ensino em outras línguas, acabará, afinal, por ser um contributo para o reforço da língua de Camões em Macau.
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