segunda-feira, 20 de abril de 2009

Compasso a dois tempos

É lida como o início da despedida. A deslocação do Chefe do Executivo à Assembleia Legislativa mostrou um governante em compasso de espera e que não sabe ainda a quem vai ceder a cadeira. O impasse técnico entre os potenciais candidatos pouco diz às gentes comuns mas pode estar a deixar nervoso quem priva com o poder.


Sónia Nunes
Hoje Macau
20 de Abril de 2009

A mais recente ida do Chefe do Executivo ao hemiciclo (e a primeira do ano) teve pouco substrato político. Sobressaiu a imagem de um líder que escolheu encetar a valsa da despedida com a distribuição de cheques pelo povo e promessas de pão, trabalho e saúde em época de crise e em vésperas de Primeiro de Maio. Na recta final do mandato e (segundo as previsões que têm sido feitas) a pouco mais de dois meses para as eleições que ainda se fazem sem candidatos, Edmund Ho faz o que pode: garante paz social. O aparente impasse na escolha do próximo governante não estará a gerar especial ansiedade. Entre os que se entretêm com a intriga dos nomes e os que temem perder o posto com a dança das cadeiras, a maralha descansa na certeza que vem aí mais do mesmo.
A sessão de perguntas e respostas tida na quinta-feira com os deputados confirmou as expectativas dos observadores políticos: Edmund Ho desceu à Assembleia Legislativa (AL) para informar que o plano de comparticipação pecuniária era mais elevado este ano (seis mil patacas para os residentes permanentes; 3.600 para os não permanentes) e que seria distribuído no próximo mês. Não houve explicações para o aumento da bonificação, nem resenhas dos efeitos que os subsídios tiveram no ano passado na economia interna. Como seria próprio, destaca Nuno Lima Bastos, de um líder.
“[O Chefe do Executivo] devia ter tido o cuidado de enquadrar a repetição da medida. Limitou-se a fazer uma actualização de 20 por cento e de anunciar vales médicos sem apresentar nenhuma razão para, por exemplo, não trocar os cheques por cupões de consumo para garantir que o dinheiro é gasto em Macau”, vinca o jurista. Faltaram números e faltou estratégia governativa a longo prazo – por opção, acrescenta o ex-deputado Jorge Fão. “O valor dos subsídios foi um gesto simpático e politicamente correcto. O próprio Chefe sabe que existem outras formas de beneficiar os residentes de Macau, mas optou por esta via. Todos ficaram satisfeitos”, aponta.

A caminho da saída

Não é de esperar medidas de fundo de quem está de saída, recorda o professor do Instituto Politécnico de Macau António Katchi. “É possível que o actual Governo não queira reduzir a margem de manobra do próximo e anunciar medidas que vinculem o seguinte”, frisa. Ao respeito político pelo sucessor acrescem as singularidades de Macau. As decisões de relevo são, por norma, partilhadas com Pequim que ainda não soltou fumo branco em relação aos potenciais candidatos a Chefe do Executivo.
“As grandes opções políticas têm a concordância do Governo Central. Mesmo quando não está constitucionalmente obrigado, o Governo local tenta um acordo. E na fase final de mandato há, naturalmente, a questão da continuidade”, refere António Katchi. Ou seja, esclarece Jorge Fão, Edmund Ho terá que concertar pontas com o (ainda incógnito) senhor que se segue: “O Chefe do Executivo – que tem capacidade de liderança – terá que dialogar com o sucessor, quando este for conhecido, sobre as políticas de fundo. É uma questão de rectidão política”.
A postura de Edmund Ho na AL é lida como o início da despedida. Para uns anacrónico; para outros, a tempo. “Calhou ser naquele dia. Não falta muito tempo. O Chefe precisa de preparar o seu futuro depois de deixar o cargo”, entende Jorge Fão. “O ideal seria que houvesse ainda liderança. Macau não está em pausa: é preciso continuar a governar. Talvez o Chefe do Executivo tenha ficado muito desgastado com o caso Ao Man Long...Ainda teve o azar de levar com uma crise económica na parte final do mandato”, analisa Lima Bastos.
E se Fão não faz segundas leituras da data escolhida para a ida ao hemiciclo, o jurista entende que não há aqui coincidências. “Foi um início da despedida mas estrategicamente escolhido. Edmund Ho vai à AL a duas semanas do Primeiro de Maio. Há ainda um esforço para que não haja convulsões sociais nos meses que faltam”, aponta Lima Bastos. Com os cheques, remata, também o “Governo Central irá fazer uma boa avaliação da gestão de Macau face à crise económica e poderá dar mais crédito ao candidato que o Governo local quer que seja o sucessor de Edmund Ho”.

O que há em três nomes

A lista oficiosa de candidatos foi, entretanto, bipolarizada pela opinião pública: haverá o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Chui Sai On, e o procurador geral da RAEM, Ho Chio Meng. E apesar de menos sonante na imprensa, alerta Jorge Fão, o secretário para a Economia e Finanças, Francis Tam, é ainda um nome a reter. Se a sociedade civil parece já ter arrumado as ideias porque é que a umas semanas de se conhecer a data para as eleições, ainda não há ninguém na corrida? Voltamos às dúvidas de Pequim.
“Parece haver uma indecisão em relação ao perfil dessas duas, ou talvez três, figuras. Esta chamada eleição é uma farsa. A Comissão Eleitoral não vai escolher alguém que não tenha o apoio do Governo Central. Ho Iat Seng que, durante muitos anos, era visto como o sucessor de Edmund Ho, admitiu que não fazia parte da lista dos candidatos quando ainda não é suposto que haja uma”, observa Katchi.
Ninguém irá, portanto, avançar sem saber que solo pisa. “Qualquer antecipação pode ser vista como um acto de infidelidade para com o Governo Central”, vinca o académico. Não é seguro arriscar. “Não tenho dúvidas que Chui Sai On quer ser (e que Edmund Ho quer que ele seja) Chefe do Executivo. Se o nome ainda não foi divulgado é porque há resistências de Pequim”, comenta Lima Bastos. “Ainda não há consenso. Ainda não encontraram o candidato mais indicado para chefiar o território no futuro”, vinca Fão. Resta saber o que está na balança.
Chui Sai On tem sido apresentado como o nome para a elite empresarial de Macau; Ho Chio Meng como o favorito de uma forte ala de Pequim. Katchi e Lima Bastos contextualizam: “Um está mais ligado à burguesia capitalista; o outro vem da justiça, não está tão estritamente ligado ao mundo dos negócios. O Governo poderá querer mudar de imagem”, refere o académico. “O procurador, até pelas funções que desempenha, está distante em relação aos grupos empresariais do território. Mas estará preparado para apresentar políticas económicas?”, lança o jurista. Para Lima Bastos, Ho Chio Meng é um nome que “agrada ao cidadão de rua que prefere alguém do mundo da justiça” a Chui Sai On.
A abordagem certeira do procurador aos negócios, continua, estará dependente da equipa que o acompanhar. E é aqui que o jurista coloca o secretário para a Economia e Finanças. Jorge Fão não concorda. “Com dez anos de chefia, Francis Tam tem muitas hipóteses de sucesso. Tem um pouco das características dos outros dois, com a vantagem de conhecer bem as condições económicas e de ter lidado com a liberalização dos casinos”, contrapõe. Para o ex-deputado, os três “reúnem todas as condições” e os três estarão à espera do sinal de Pequim.

A fuga de Chow e outras etnias

David Chow é o único membro do actual aparelho político que admitiu estar a ponderar uma candidatura a Chefe do Executivo. Terá o deputado o mesmo papel que Stanley Au teve nas eleições em que concorreu contra Edmund Ho? “David Chow é impulsivo o suficiente para se arriscar a falar numa candidatura sem estar com as coisas combinadas”, entende Lima Bastos. Para o jurista, o deputado estará a “ensaiar a fuga para a frente” porque “se apercebeu que não seria reeleito e quer sair pela porta grande”. A eventual mobilização da comunidade macaense para a criação de uma segunda lista, concorrente com a de Pereira Coutinho, ao hemiciclo é outra das movidas políticas mais explícitas. Mas não convence Katchi: “Não sou favorável a listas étnicas mas antes a plataformas políticas que defendam os interesses das diferentes classes sociais. Como os macaenses são, na sua maioria, funcionários da Administração, os seus interesses estão representados numa lista que defenda os direitos dos trabalhadores”. Jorge Fão concorda em parte. “Não gosto de listas étnicas. Um deputado não deve defender segmentos da sociedade mas toda a população. Agora, a lista de Pereira Coutinho não representa a comunidade e os votos não têm dono”, remata.

Nervoso miúdo só para alguns

Apesar de as eleições estarem à porta e de não haver um candidato natural a Chefe do Executivo não há grandes ondas de ansiedade no território - pelo menos a julgar pelos observadores que vão medindo o pulso à sociedade. As gentes de Macau, dizem, estão simplesmente desligadas do processo eleitoral; os investidores estão confiantes em como a política económica não será alterada. Quem poderá estar mais nervoso, especulam, será quem se senta à direita do poder.
“As pessoas (e eu também) estão convencidas que vai continuar tudo na mesma. Não vai haver mudanças de regime. Os que estão mais expectantes e ansiosos serão os que estão à espera da dança das cadeiras”, afirma o jurista António Katchi. Quem quer que seja o sucessor de Edmund Ho, continua, não vai alterar substancialmente as regras do jogo. O neo-liberalismo é para manter e há já sinais disso: “A intenção do Governo é acabar com o monopólio dos serviços públicos. Isso cria alguns expectativas no mundo dos negócios”, aponta. Só em democracia partidária, avança Katchi, é que haverá “maior margem de incerteza”. Nuno Lima Bastos concorda.
“A população em geral não está muito incomodada com isto [impasse político]. Não participa em eleição nenhuma”, reforça o jurista. Os olhos mais atentos e “mais nervosos” estarão do lado do “sector empresarial que tem funcionado na sombra do poder”. Sem partidos políticos, reforça, não faz sentido grandes exaltações: “Ninguém acredita que haja grandes mexidas ou instabilidade em função do nome A ou B” vinca Lima Bastos.
Também Jorge Fão põe água na fervura. “Os três possíveis candidatos [Chui Sai On, Ho Chio Meng e Francis Tam] servem os interesses da comunidade macaense. São de Macau e conhecem a política do Governo Central: venha quem vier terá que apoiar a comunidade”, sublinha. As incertezas para os investidores, contrapõe, estão mais no actual Governo do que no próximo. “Com a crise, o investimento desacelerou mas as eleições não estão a afugentar ninguém: não têm grande influência ao nível da economia. Agora, o que está acontecer é que os projectos têm estado parados – não pela entrada e saída do Chefe mas pelo caso Ao Man Long”, destaca Fão.
O ex-deputado e Nuno Lima Bastos assinam os reparos que Susana Chou fez ao secretário para os Transportes e Obras Públicas, Lau Si Io: “Passou-se do oitenta para o oito. Há muita gente a queixar-se do abrandamento nas obras públicas. A crise acabou por exercer pressão para o Governo espevitar a política de investimento pós Ao Man Long”, remata o jurista.

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