quinta-feira, 2 de abril de 2009

A nossa participação política

Nuno Lima Bastos
2 de Abril de 2009

Faz hoje uma semana que quatro dezenas de pessoas responderam afirmativamente à excelente iniciativa da Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM), que juntou Leonel Alves, Pereira Coutinho, Amélia António e Carlos Marreiros à mesma mesa para debaterem a participação da nossa comunidade na vida política do território, um encontro que tinha como grande “cenoura” a questão da lista única para as eleições de Setembro.
O meu primeiro sentimento quando o debate se iniciou foi de lamento por as associações de matriz portuguesa – em particular, a Casa de Portugal, a única de que sou membro – nunca o terem promovido, tendo sido preciso esperar que a AIPIM o fizesse e a escassos seis meses de novas eleições. Os oradores invocaram abundantemente a falta de participação política da comunidade fora da Assembleia Legislativa, mas estiveram, ao longo dos últimos anos, em posição privilegiada para a promover e não o fizeram. Nem estes, nem os demais responsáveis associativos portugueses, que, na sua quase totalidade, ou funcionam em circuito fechado, defendendo apenas interesses de caserna, ou fogem da política como o diabo da cruz, excepto quando se trata de enaltecer o poder e ver se “pinga mais algum”.
E é neste contexto que surge, como referi no serão do Clube Militar, a simpatia de muitos eleitores lusófonos (usando a inteligente terminologia de Leonel Alves) pela Nova Esperança de José Pereira Coutinho, a par do Novo Macau Democrático de Ng Kuok Cheong: são as únicas forças com expressão eleitoral que conseguem, deveras, emprestar algum aroma de democracia à cena política local. E tão carecidos que andamos dela!
Houve quem acusasse o líder da ATFPM de alguma sobranceria por exigir ser o número um de qualquer lista conjunta da comunidade. Mas poderia ser de outra forma? Salvas as devidas proporções, isto é como o PS propor uma coligação ao Bloco de Esquerda e Francisco Louçã retorquir que só ficando ele como cabeça-de-lista, à frente de José Sócrates! Mas como pode alguém que teve onze vezes os votos do seu interlocutor aceitar semelhante condição? Isso não é sequer uma contra-proposta; é um “fait divers” de quem não deseja, verdadeiramente, um acordo.
Pereira Coutinho foi, ainda, confrontado com as suas exigências quanto ao perfil do seu número dois. Negou impor disciplina de voto, antes falando em independência (mormente, face ao Governo) e seriedade. Também não vislumbro aqui qualquer sobranceria. É claro que desconheço os termos exactos das negociações que decorreram nos bastidores, mas não estou a ver como poderia o deputado justificar-se junto dos seus apoiantes se tivesse a seu lado um colega de bancada a intervir ou a votar sistematicamente em sentido oposto ao seu.
Partilho da opinião de que ganharíamos com uma representação parlamentar mais diversificada, que não se quedasse por um cariz quase exclusivamente sindicalista, mas não se me afigura razoável exigir-se a Pereira Coutinho que abdique de uma fórmula ganhadora em troca não se sabe bem do quê. Além de que é mais natural a diversidade resultar de candidaturas múltiplas do que de soluções consensuais, seja na política ou em qualquer outra área (sei que isto soa a La Palisse, mas parece haver muita gente com outro entendimento)...
Chegamos, assim, ao caminho alternativo: reeditar a Por Macau ou qualquer outra vestimenta da Macau Sempre. Foram, no entanto, os próprios apologistas de uma solução concorrente à Nova Esperança quem, sem querer, já demonstrou o inusitado da proposta: em Setembro, vão ser necessários mais votos do que nunca para se conseguir um assento no órgão legislativo. Então, como justificar a repetição de uma receita que tem sido desastrosa, dispersando o eleitorado culturalmente português?
Só consigo encontrar duas explicações possíveis: ou se pretende penalizar a lista da ATFPM, tentando retirar-lhe a possibilidade de eleger o segundo deputado, ou se pretende fazer passar uma mensagem de simpatia política junto do poder local e central, através de um gesto que fosse interpretado como uma demarcação da comunidade face ao posicionamento reivindicativo de Pereira Coutinho e ao seu alinhamento com os democratas (ou ambas as coisas, claro).
Francamente, julgo que o voto deve ser utilizado de forma mais construtiva. De preferência, não contra, mas a favor de projectos. E, à falta de programas mais concretos e de candidatos mais adequados, a favor desse grande e nobre projecto que é a democracia – e de quem tem a coragem de lutar por ela!

Nota: agradeço ao Bairro do Oriente a menção desta crónica na sua habitual rubrica «Leituras».

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